Exato um ano atrás, o Brasil descobriu
que uma horda havia invadido o paraíso revestido em porcelanato dos shoppings.
O rolezinho foi um fenômeno que abalou o país por três meses, com direito a
reuniões ministeriais, medidas judiciais e teorias sociológicas para entender o
que queriam esses jovens pobres vestidos com roupa de grife.
Vinicius Andrade, 18, era um dos
rolezeiros mais célebres. Tinha 200 mil fãs no Facebook, convocava rolês e dava
entrevistas para TVs, jornais e internetes. Chegou a se aproximar da União da
Juventude Socialista, ligada ao PC do B, e articulou também pela criação de uma
"associação rolezeira".
Um ano depois, Vinícius quer ser pastor
adventista e planeja entrar na política. Ele abandonou as camisetas de marca e
os bonés de aba reta e veste atualmente de camisa social, seja nas pregações
sobre sua experiência para outros jovens do rolê, seja no expediente no
gabinete de um deputado estadual do PR (Partido da República).
"Sai do rolezinho porque vi muitos amigos
irem para o lado errado e tinha muito assédio da mídia em cima de mim. Hoje, eu
quero salvar vidas. Agora quero ser líder na religião e na política",
afirma o ex-rei do rolê, que diz ter planos para se candidatar a vereador e a
deputado.
Outros dois rolezeiros tiveram uma morte
tão precoce quanto a fama. Em abril último, Lucas Oliveira Silva de Lima, 18,
morreu espancado durante uma briga em um baile funk. Em outubro, foi a vez de
Leonardo Henrique Soares Alvarenga, 16, ser alvejado por um amigo. Os dois eram
líderes de rolezinhos na zona leste de São Paulo.
Junior Lago/UOL
Vinicius
Andrade hoje trabalha em gabinete de deputado e é evangélico
"Há
muita inveja. Os caras olham você todo popular, cheio de minas e querem te
tirar. Há muita maldade. Isso é um dos motivos porque parei com a ostentação,
de querer mostrar o que eu tenho", diz Vinícius. Ele deu para os camaradas
as roupas de marca e cancelou a conta no Facebook com milhões de curtidas e
visualizações.
'Famosinho do Face'
Tudo começou com uns vídeos com piadas
que Vinícius postava. Logo, os amigos se aglomeravam em sua rede social. Ele
tirava fotos sexys, e apareciam fãs por todo lado. O passo seguinte foi
convocar um encontro com seus seguidores. O local marcado: um shopping.
Vinicius se tornou um "famosinho do Face".
Ele
ficou ainda mais famoso após as cenas de policiais perseguindo meninos em
praças de alimentação, correrias em escadas rolantes, gás lacrimogêneo nos
estacionamentos, adolescentes detidos para averiguação, lojistas fechando as
portas por medo de arrastão e consumidores apavorados com o pandemônio.
De Itaquera no início de dezembro, o
rastilho se espalhou por shoppings em Interlagos, Mauá, Campo Limpo, Guarulhos,
Campinas, Belo Horizonte, Rio, Porto Alegre, Teresina, Fortaleza e muitas
localidades do país.
Assim como a polícia, a Justiça também
agiu com rapidez e rispidez. Várias liminares restringiram o acesso de grupos
aos shoppings, com seguranças barrando as pessoas, e estipularam multa em caso
de distúrbio nos centros comerciais.
Grife
em rolezinho pode elevar vendas, mas afastar elite, dizem consultores
Apartheid social? Classe C inventa novo
tipo de protesto após as manifestações de junho? Revolta pela falta de opções
de lazer? Grifes para todos? Várias polêmicas surgiram na mídia. Dilma Roussef
se reuniu com ministros para entender o caso. A prefeitura da São Paulo reuniu os
rolezeiros e tentou oficializar o movimento em áreas públicas como praças.
Já os rolezeiros sintetizavam facilmente
a "ideologia da curtição": colar com os "parças", beijar as
minas, tirar um lazer, tomar um lanche e ostentar as marcas. O boné era Quicksilver,
a camiseta era Hollister, Polo by Kim, Aeropostale ou Abercrombie, e os tênis
eram Nike Shox ou Mizuno. Quem também
não gostou do movimento foram os representantes das grifes, afinal, temiam a
popularização dos símbolos de distinção.
"Houve muito preconceito e pressão
em cima da gente. Muitos amigos saíram do movimento porque não aguentaram
conviver com a imagem ruim que ficou para a população em geral", resume
Vinicius sobre o fim dos rolezinhos.
Passado um ano, Vinícius lembra daqueles
rolês como uma febre da juventude, enquanto se esforça em sua adesão à vida
adulta. A história dele se assemelha àqueles testemunhos de programas
evangélicos de TV, com guinadas morais tão ao gosto dos pastores. Mas também
parece a trama de um "romance de formação", típico da literatura do
século 19, em que o adolescente descobre o mundo e suas adversidades para se
transformar em homem.
Hoje, Vinicius se veste de traje social
para sair do Jardim Vaz de Lima, Zona Sul de São Paulo, em direção à Assembleia
Legislativa, vizinha ao Parque Ibirapuera. À noite, volta para casa. Não usa
mais as marcas gringas que são a mania dos adolescentes: hoje em dia, ele se
cobre com a marca da adequação ao mundo que lhe coube viver.
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