Frei Alexander
Vella, O.Carm.
1- Ambiente histórico-religioso
Elias,
como aliás todos os outros profetas, era ao mesmo tempo homem-de-seu-tempo,
sofrendo os influxos próprios de seu ambiente, e homem-fora-do-tempo, com
horizontes muito vastos que não se deixa fechar em esquemas fixos, nem mesmo no
plano religioso. Fiel a tradição religiosa genuína de seu povo, o profeta não
revive nostalgicamente o seu passado. Vive intensamente o presente, mais
intensamente do que a maior parte dos seus contemporâneos, porém sem alienação,
com a capacidade de julgar o presente à luz de Deus. Sonha também ele com um
futuro melhor, mas não se ilude, porque está consciente de que o futuro é uma
construção que fazemos com nossas escolhas e nossas ações do presente. Devido a
este enraizamento do profeta no seu presente, é absolutamente necessário um
conhecimento do seu ambiente histórico-religioso para bem compreender sua
pessoa, sua mensagem e sua ação na história da salvação.
A
história de Elias se desenvolve no Reino do Norte - Israel - no séc. IX A.C.
Era tempo de prosperidade, assinalado por grande abertura para as nações
vizinhas, como no tempo de Salomão. Era também um tempo de forte crise
religiosa ou de sincretismo religioso, como se convencionou chamá-lo; consistia
na assimilação dos elementos estranhos à própria religião, tomados de outra
religião, com a consequente confusão, tanto no plano teológico como no plano
prático-moral.
O
sincretismo não era um problema novo para Israel. Realmente, desde a entrada
dos Israelitas na terra de Canaã a religião cananéia passou a mesclar o javismo
com idéias e práticas que lhe eram estranhas, e mesmo totalmente contrárias.
Isto se tornou mais forte quando Davi estende o seu Reino por toda a terra
prometida, incorporando nele inteiras populações de cananeus que nem sempre se
convertiam ao Deus de Israel ou, pior ainda, trocavam apenas o nome da
divindade que adoravam sem verdadeira mudança de sua religião.
A
religião dos cananeus era uma religião da natureza. Baal, o seu deus, era imaginado
como um imenso touro que fecunda a mãe terra com a chuva, tornando-a fértil.
Torna-se evidente porque Jeroboão, primeiro rei do norte, permite o culto ao
bezerro de ouro em Betel e Dan, e são seus adoradores considerados idolatras
pela tradição bíblica (1 Reis 12,28-30).
Provavelmente
estes bezerros, no início, serviam apenas como o pedestal para o trono do
Senhor, tal como os querubins o eram para a Arca da Aliança no templo de
Jerusalém. Mas, não se pode excluir também que, com os seus bois, Jeroboão
pretendia também ganhar a simpatia dos cananeus que estavam concentrados no seu
reino.
Pode-se
dizer então que as duas religiões, a javista e a de Baal existiam uma ao lado
da outra. Os israelistas não abandonaram o Deus de seus pais, o Deus do Êxodo,
mas junto a ele adoravam Baal, o deus da terra em que se encontravam.
Acreditavam ter real necessidade de Baal por este ser o deus que tornava fecunda
a sua terra, coisa que o Deus dos seus pais - Deus do deserto, não podia fazer.
Isto é puro sincretismo religioso. Mas, havia também outro tipo de sincretismo,
talvez mais perverso: adorar o Senhor como se fosse Baal, isto é, reduzindo-o a
dimensões humanas; um deus que existe para satisfazer as necessidades do homem.
Esta
situação se intensificou sob os reis Omri e Acab. Omri fez de Samaria, uma
cidade cananéia onde havia um templo dedicado a Baal, a sua capital. Para
consolidar a sua política de alianças com os reis vizinhos, Omri escolhe para
esposa de seu filho Acab a filha Jesabel de Et-Baal, rei de Tiro e sacerdote de
Baal. Este casamento, como era costume na época, comportava certa aliança entre
os dois povos também no plano religioso. Tal compromisso levou Acab a construir
uma capela no palácio real para o deus de Jesabel. Acab não abandonou o seu
Deus: dá nomes javistas a seus filhos (Acazia, Ioram e Atalia) e se cerca dos
Profetas do Senhor (1 Reis 22,5-12). Entretanto junto ao Senhor venera Baal e
permite a Jesabel exercer seu papel de verdadeira missionária de Baal.
A identidade precisa do Baal,
venerado por Jesabel, está amplamente discutida pelos biblistas porque o nome
Baal é muito genérico. Alguns estudiosos de grande prestigio (Kittel, Eissfeldt,
de Vaux) o identificam com Melgart, o deus de Tiro, que era provavelmente
venerado também em alguns outros lugares. Entretanto, não existe nenhuma
informação precisa sobre Melcart no tempo de Elias e por isso não podemos saber
se é mesmo ele o deus de Jesabel. Galling sugeriu Baal-Carmel, um deus local
venerado no Monte Carmelo. Entretanto, parece improvável que Jesabel
propagasse o culto do deus do Carmelo, em vez do seu Baal de Tiro. As notícias
que se tem do Baal-Carmel remontam apenas a época romana. Eissfeldt identificou
o Baal de Jesabel com Baalshamen, um deus cujo culto floresceu desde o fim do
2º milênio antes de Cristo, durando bem uns dois mil anos. Outros, como
Bronner, o identificam com o grande deus da tempestade do segundo milênio antes
de Cristo, conhecido através dos textos encontrados em Ugarit na Síria. O
problema é que existe uma grande distancia de tempo entre estes textos e
aqueles bíblicos que se referem a Elias. Contudo, são tantos os paralelos entre
estes textos que não é possível excluir uma certa relação entre o Baal de
Ugarit e o Baal de Jesabel.
Ainda
que fosse este Baal, a propagação de seu culto era assaz fácil em Israel devido
ao grande número de cananeus presente no Reino e ao sincretismo já existente
entre os israelitas. Sob a influência de Jesabel, Baal torna-se o deus que se
venerava na corte e na cidade, enquanto nos lugares menores continuava-se com o
sincretismo. O Senhor estava se tornando apenas mais um deus no panteão cananeu
e nada mais. O javismo, que por sua natureza é uma religião exclusivista,
estava para ser assimilado e absorvido pelo baalismo.
É
nesta perspectiva que se deve ler a vida de Elias. Realmente a sua história não
é simplesmente aquela de um profeta contra um rei déspota, mas é a luta entre o
javismo e o baalismo porque na concepção do profeta as duas religiões se
excluem.
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