O Pentecostes é uma festa pascal; ela é
o desenvolvimento do mistério da Páscoa. Não é uma festa independente do
Espírito Santo; é a festa do Senhor ressuscitado que dá aos discípulos o seu
Espírito, que é o Espírito de Deus Pai. É por isso que esta festa se situa, ao
mesmo tempo, na noite da Páscoa no evangelho de São João, e 50 dias depois da
Páscoa no livro dos Atos dos Apóstolos, inclusive na cruz da Sexta-Feira Santa
em todos os evangelistas.
A reflexão é de Raymond Gravel, padre da
Diocese de Joliette, Canadá, e publicada no sítio Réflexions de Raymond Gravel,
comentando as leituras do Domingo de Pentecostes – Ciclo A do Ano Litúrgico (08
de junho de 2014). A tradução é de André Langer.
Referências
bíblicas:
Primeira
leitura: At 2,1-11
Segunda
leitura: 1 Cor 12,3b-7.12-13
Evangelho:
Jo 20,19-23
Eis
o texto.
O Pentecostes é uma festa pascal; ela é
o desenvolvimento do mistério da Páscoa. Não é uma festa independente do
Espírito Santo; é a festa do Senhor ressuscitado que dá aos discípulos o seu
Espírito, que é o Espírito de Deus Pai. É por isso que esta festa se situa, ao
mesmo tempo, na noite da Páscoa no evangelho de São João, e 50 dias depois da
Páscoa no livro dos Atos dos Apóstolos, inclusive na cruz da Sexta-Feira Santa
em todos os evangelistas, em particular em João: “Tudo está realizado. E
inclinando a cabeça, entregou o espírito” (Jo 19,30).
No mistério pascal, todos os elementos
desse mistério – a Morte, a Ressurreição, a Ascensão e o Pentecostes – são tão
importantes que os primeiros cristãos fizeram deles acontecimentos distintos
separados no tempo: três dias para a Ressurreição, 40 dias para a Ascensão e 50
dias para o Pentecostes. Mas, na realidade, trata-se de um mesmo e único
acontecimento teológico que nos fala simultaneamente de Deus, do homem, de
Cristo e da Igreja. Não há, portanto, contradições entre os escritos e seus
autores; encontramos simplesmente maneiras diferentes de descrever a riqueza do
mistério cristão.
Desde o início do tempo pascal, nós
lemos os relatos da Páscoa e da Ascensão. Hoje, celebramos o Pentecostes, a
festa do Espírito de Cristo, o Espírito de Deus, a festa da Igreja. O que nos
dizem os textos bíblicos que a Igreja nos propõe hoje?
1.
Atos dos Apóstolos 2,1-11
Neste texto de Lucas, sobre o dom do
Espírito Santo dado aos apóstolos reunidos, o autor não procura descrever um
acontecimento material e histórico que aconteceu num dado momento da história
da Igreja nascente. O fato de que Lucas tenha escolhido compor seu relato por
meio de uma série de alusões ao Antigo Testamento, pode desviar a nossa atenção
para uma leitura de tipo histórico, que procurasse determinar como as coisas se
passaram. Devemos, ao contrário, compreender as mensagens que Lucas quer dar à
sua comunidade sobre o papel e a força do Espírito:
1) O Pentecostes judaico celebrava o dom
da Lei ao Povo de Israel, o povo da antiga Aliança. O Pentecostes cristão
celebra o dom do Espírito ao novo Povo de Deus, a Igreja, o povo da nova
Aliança.
2) Assim como Moisés subiu ao Sinai para
dar ao povo a Lei de Deus, Cristo subiu ao céu para derramar o Espírito de
Deus, o Espírito da nova Aliança.
3) Assim como para Moisés o barulho do
trovão e o fogo das luzes acompanham o dom da Lei de Deus, aqui o barulho, o
vento e o fogo acompanham a vinda do Espírito Santo.
4) No Sinai, de acordo com tradições
judaicas, Deus propôs os mandamentos nas diversas línguas do mundo, mas apenas
Israel os aceitou. No livro dos Atos dos Apóstolos, Deus repara esse fracasso:
todas as nações compreendem a linguagem do Espírito: “Cheios de espanto e de
admiração, diziam: ‘Esses homens que estão falando não são todos galileus? Como
é que nós os escutamos na nossa própria língua?’” (At 2,7-8)
5) No Antigo Testamento, as 12 tribos de
Israel estão reunidas para ouvir Moisés. Aqui, os 12 povos são chamados para
ouvir os 12 apóstolos investidos pelo Espírito do Cristo, proclamar as
maravilhas de Deus: “todos nós os escutamos anunciarem as maravilhas de Deus na
nossa própria língua!” (At 2,11b)
Em suma, este relato de Lucas é o
inverso de Babel, é a abertura à universalidade e o sopro do Espírito da nova
Aliança que abole as fronteiras; não há mais exclusão nem rejeição.
2.
1 Cor 12,3b-7.12-13
Os coríntios acreditavam que o dom do
Espírito Santo estava reservado a uma elite. Eles só reconheciam sua presença
no sensacional, nos cristãos que tinham o dom de falar em línguas e,
particularmente, naqueles que eram eloquentes na animação das assembleias.
Paulo quer, aqui, restabelecer a realidade do Espírito Santo:
1) Todo fiel que proclamar que “Jesus é
o Senhor” (1 Cor 12,3), é habitado pelo Espírito Santo. Portanto, o mais
humilde e o menor dos batizados também recebeu o Espírito Santo.
2) O Espírito, o Senhor e Deus são
inseparáveis. Sem mesmo chamá-lo pelo nome, Paulo nos fala da Trindade que se
dispensa em carismas: dons da graça, mas o Espírito é o mesmo (v. 4), dons dos
serviços na Igreja, mas o Senhor é o mesmo (v. 5) e dons das atividades, mas é
o mesmo Deus que as realiza (v. 6). O Espírito põe, portanto, todos os fiéis a
agir, cada um segundo seus carismas, em vista do bem de todos (v. 7).
3) Esta unidade na diversidade Paulo a
exprime através de uma fábula, conhecida na sua época, sobre o corpo e seus
membros, para significar que todos os cristãos, em sua diversidade, pertencem
ao mesmo corpo, o Corpo do Cristo ressuscitado. Esta pertença transcende as
clivagens étnicas: “De fato, todos nós, judeus ou gregos, escravos ou livres,
fomos batizados num único Espírito, para formarmos um único corpo, e todos nós
bebemos de um único Espírito” (1 Cor 12,13).
3.
João 20,19-23
Para João, é na noite da Páscoa que o
Espírito Santo é dado aos discípulos reunidos. Que mensagens podemos tirar
dessa passagem bíblica?
1) O medo: os discípulos têm medo, eles
são fracos, eles se sentem abandonados. As portas estão trancadas. Apesar
disso, Jesus se apresenta a eles (v. 19). É, portanto, na humanidade dos
discípulos que Cristo se faz presente.
2) A Paz: duas vezes Cristo oferece a
sua paz (vv. 19.21). Mas, por que esta insistência? O sentido bíblico da
palavra paz não é a ausência de guerra ou de conflitos; é a plenitude de vida
que lembra a presença do Ressuscitado (cf. TOB, Lc 1,79 nota J). É, portanto, a
sua Vida de Ressuscitado que Cristo dá aos seus discípulos. É uma promessa de
Ressurreição também para eles.
3) A Alegria: João sublinha que o
Ressuscitado da Páscoa é o Crucificado da Sexta-Feira Santa: “mostrou-lhes as
mãos e o lado” (Jo 20,20a). O evangelista não quer dizer que se trata do
cadáver de Jesus reanimado; o Ressuscitado se apresenta como aquele que fica
para sempre marcado por sua humanidade, aquele que, pela cruz, testemunhou o
Amor infinito de Deus. Do seu lado aberto nasceu a Igreja, ápice do sangue da
Vida nova e da água viva do Espírito. Esta é a Alegria pascal experimentada
pelos discípulos reunidos na noite da Páscoa.
4) O perdão: o sopro do Cristo sobre os
seus discípulos nos remete ao sopro de Deus no Gênesis, sopro que dá a vida ao
ser humano. Aqui, o sopro de Cristo significa a Vida nova dada aos discípulos,
pelo dom do Espírito Santo, para que advenha um mundo novo. Entretanto, uma
coisa é essencial para que nasça esse mundo novo: é o perdão. Deus deve, em
primeiro lugar, apagar a nossa história passada, derramando sobre nós o sopro
do perdão dos pecados: “A quem perdoardes os pecados, eles lhes serão
perdoados; a quem os não perdoardes, eles lhes serão retidos” (Jo 20,23). Cabe
a nós, portanto, fazer nascer esse mundo novo e é com toda a liberdade que nós
podemos fazê-lo ou recusá-lo. Que responsabilidade!
Para terminar, é uma missão que nos é
confiada: nós temos a responsabilidade de fazer nascer o mundo novo desejado
pelo Cristo da Páscoa. Esta missão é confiada a todos os cristãos em geral e,
em particular, aos padres no ministério do perdão. É, portanto, pela nossa
abertura ao outro, pela nossa acolhida da sua diferença que nós testemunhamos o
Cristo ressuscitado e que nós trabalhamos para fazer nascer esse mundo novo. O
Espírito que nos habita não é um Espírito de medo que recusaria a novidade; é
um Espírito que nos torna capazes de inventar, criar, decifrar, abrir novos
caminhos, a fim de permitir às mulheres e aos homens de hoje encontrar e
reconhecer o Cristo sempre vivo através dos seus discípulos. O perdão é
fundamental para a recriação do mundo, e o Espírito nos dá a possibilidade de
dá-lo ao outro e de recebê-lo do outro, a fim de que nasça esse mundo novo
desejado pelo Cristo da Páscoa.
Bom Pentecostes!
Fonte:
http://www.ihu.unisinos.br
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