"A
análise do desempenho de alguns sites católicos nos permite identificar pelo
menos três problemas teológicos sérios: visão deturpada do Deus de Jesus,
ausência do senso eclesial e fuga do compromisso com os outros. (...) O que se
questiona é a forma como se está utilizando este recurso; forma essa que
termina por alimentar uma religiosidade melosa, mágica, egoísta, falsa e
não-cristã", escreve José Lisboa Moreira de Oliveira, filósofo, teólogo,
escritor, conferencista e professor universitário, publicado no blog O Chamado,
07-11-2013. Segundo ele, "o que se questiona é a forma como se está
utilizando a internet; forma essa que termina por alimentar uma religiosidade
melosa, mágica, egoísta, falsa e não-cristã".
Eis o artigo.
"Em
2011 o jornalista e pesquisador Moisés Sbardelotto publicava o resultado de uma
pesquisa por ele realizada sobre a midiatização do sistema religioso católico.
O objetivo da pesquisa era analisar alguns serviços religiosos disponíveis em
sites católicos. O resultado foi inicialmente publicado no número 35 da revista
eletrônica do Instituto Humanitas Unisinos - IHU, conhecida como Cadernos IHU,
com o título: “E o Verbo se fez bit”. Uma análise da experiência religiosa na
internet. Posteriormente o autor transformou sua pesquisa em livro, lançado em
2012 pela Editora Santuário de Aparecida (SP) com o título: E o Verbo se fez
bit. A comunicação e a experiência religiosas na internet"
Mais
do que fazer uma análise crítica dos conteúdos dos sites católicos, o autor
pretendeu, com sua pesquisa, apenas registrar o fato de que, no contexto atual,
as mídias são o ambiente onde tudo se move. Dentro dessa lógica, “o religioso
já não pode ser explicado nem entendido sem se levar em conta o papel das
mídias” (IHU, p. 5). Sbardelotto conclui, a partir de sua pesquisa, que os
sites católicos analisados oferecem, além de informações gerais sobre religião,
meios para um vínculo do fiel com Deus e elementos em ambiente online para a
prática da fé. Deixa bem claro que os sites analisados não possibilitam um
conhecimento racional da fé, mas, muito mais, estratégias para a experiência
religiosa e uma modalidade de percepção da presença do sagrado, por parte das
pessoas que acessam esses sites.
Nesse
sentido, não era intenção do autor da pesquisa fazer uma análise teológica dos
conteúdos. Somente na parte final do seu trabalho ele chama rapidamente a
atenção do leitor para possíveis “escapes doutrinários”, ou seja, para
elementos de crença que se distanciam do universo católico. Acredita que tais
“escapes” se dão, antes de tudo, pela inferência dos fiéis que postam suas
mensagens e suas preces nos referidos sites. O autor, salvo engano da minha
parte, não faz nenhuma análise daquilo que é colocado nos sites pelos
“sacerdotes da virtualidade” (Galimberti) e que, de certa forma, a meu ver,
induz os fiéis aos deslizes doutrinários.
Seria
arrogância da minha parte, pretender, num brevíssimo artigo como esse, fazer
uma análise teológica do que aparece nos sites católicos. Porém, com a ajuda
dos dados da pesquisa de Sbardelotto, e a partir de minhas próprias pesquisas,
ouso fazer algumas considerações que poderão servir de pontapé inicial para uma
reflexão maior. Quero aqui avaliar três aspectos que, a meu ver, aparecem
nesses sites: a imagem de Deus, o modelo de Igreja apresentado e a compreensão
do ser humano na perspectiva cristã, especialmente no que se refere ao
compromisso cristão no mundo. Nessa análise sirvo-me de uma excelente reflexão
que encontrei sobre o uso da internet e “mística virtual” no livro Rastros do
Sagrado de Umberto Galimberti (Paulus, 2003, pp. 280-287). Uma análise bem
anterior às pesquisas de Sbardelotto, mas nem por isso menos atual.
A
primeira coisa que mais impacta nos sites católicos é a figura de Deus. De um
modo geral, salvo algumas raríssimas exceções, é um Deus “pronto-socorro”,
feito segundo os gostos dos clientes, sempre pronto a atender às necessidades
imediatas e urgentes dos sujeitos. Um Deus mágico que atende prontamente aos
pedidos, sob a condição de que esses fiéis acendam uma velinha virtual,
acompanhem um terço online, façam uma adoração a um Santíssimo Sacramento que,
de fato, não existe e, sobretudo, contribuam mensalmente para a manutenção de
toda aquela parafernália virtual. Esse não é o Deus de Jesus, ao qual não precisamos
ficar pedindo nada, pois ele já sabe de tudo o que precisamos, antes mesmo de o
pedirmos. O multiplicar-se de palavras, de preces, de súplicas, de falatórios
desses sites está mais para coisa de pagão, do que para cristão (Mt 6,5-8).
O
segundo elemento é o reforço do individualismo religioso e a destruição da
comunidade cristã a qual, necessariamente, deve estar situada em um lugar
concreto (1Cor 1,2; Rm 1,7). E ao dizer da necessidade de estar situada num
lugar concreto entendo falar não apenas da dominical “assembleia dos
convocados” que define a Igreja, mas do encontro das pessoas entre si para
conversarem pessoalmente sobre seus problemas e tocarem calorosamente os seus
corpos uns nos outros através de um aperto de mão, de um abraço e de um beijo
(Rm 16,16). Na “Igreja virtual” a pessoa não precisa mais sair de casa para
obter graças e vantagens religiosas para si. As pessoas deixam de tomar parte
ativa na vida concreta de uma comunidade e se transformam em meros consumidores
de kits de salvação, disponíveis nos sites católicos. A Igreja passa a ser um
supermercado virtual.
Com
isso há sério risco de esfacelamento da Igreja, a qual se define como
comunidade convocada e reunida pela Trindade. É verdade que nesses sites
católicos aparecem pedidos e preces por outras pessoas. Mas, nos lembra
Galimberti, falta o essencial de uma comunidade cristã que é a capacidade de
fazer experiência. Pela maneira como são pensados e organizados, os sites
católicos só são “capazes de pôr em comunicação milhões de solidões, que
transformarão todos os solitários, privados exatamente pelos meios de
comunicação da possibilidade de fazer uma experiência compartilhada, em
habitantes de um mundo comum” (Galimberti, p. 287). Na virtualidade não há
Igreja, mas massa anônima, consumidora de produtos religiosos virtuais, a qual
geralmente só se encontra virtualmente através da degradação da
individualidade.
O
católico virtual que só acessa a “igreja do computador” não sai mais de casa.
E, ao não sair de casa, ele se distancia da realidade, dos outros e dos
problemas dos outros. Seu cristianismo ao invés de ser centrífugo (na direção
do próximo), como pediu Jesus (Lc 10,29-37), se torna centrípeto (voltado
somente para ele mesmo). É o católico “que não está mais com o outro, mas apenas
ao lado do outro”, numa “fuga solitária que não compartilha com ninguém, ou no
máximo com um milhão de solitários do consumo de massa, que ao mesmo tempo que
ele, mas não junto com ele, cravam os olhos na tela” (Galimberti, p. 285).
A
análise do desempenho de alguns sites católicos nos permite identificar pelo
menos três problemas teológicos sérios: visão deturpada do Deus de Jesus,
ausência do senso eclesial e fuga do compromisso com os outros. Não se trata
aqui de “demonizar” a internet e a mídia, como, infelizmente, fazem alguns.
Hoje o recurso midiático deve ser necessariamente usado na catequese, na
evangelização, na informação e na formação da consciência crítica dos cristãos
e das cristãs. O que se questiona é a forma como se está utilizando este
recurso; forma essa que termina por alimentar uma religiosidade melosa, mágica,
egoísta, falsa e não-cristã.
Por
último, recordando o que nos diz ainda Galimberti (p. 283), não devemos
esquecer que a mídia, em si, não é totalmente neutra. Ela, com seu poder,
termina moldando a nossa natureza. Ela nos plasma, a tal ponto que, em vários
lugares do mundo, já começam a surgir muitos casos de viciados em internet,
precisando de tratamento psicológico e até psiquiátrico.
Na
Igreja Católica já temos alguns casos de psicopatia eclesiástica: pessoas que
chegam ao delírio de pensar que Jesus, o Verbo do Pai, é uma simples
mercadoria, um software, a ser comercializado nas feiras católicas nacionais e
internacionais.
Recentemente
ouvi da boca de um desses organizadores da Expocatólica algo parecido: Jesus é
um “produto” a ser oferecido através de um bom marketing. Com esses midiáticos
voltamos a dois mil anos atrás, quando o Filho do Homem irritado com uma
religiosidade mercadológica semelhante, pegou um chicote de cordas e botou todo
mundo para correr dizendo: “Não façam da casa de meu Pai uma casa de negócios”
(Jo 2,16). Não estaria na hora de alguém pegar um chicote não-virtual e
expulsar da Igreja os que reduzem Jesus a um mero produto virtual?
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