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quarta-feira, 11 de setembro de 2013
Gustavo Gutiérrez, o pai da teologia da libertação.
No dia em que o Papa Bento XVI
anuncia a renúncia a seu pontificado conservador, 'Carta Maior' publica uma
reportagem inspiradora sobre o teólogo peruano Gustavo Gutiérrez (foto). Aos 84
anos e vivendo em Lima, ele é considerado o iniciador da Teologia da
Libertação, que promoveu o reencontro da religião com os pobres e a justiça
social.
Ele avançou um pouco cansado,
apoiou na mesa a sua bengala preta que ele nunca abandona, e se sentou. De
passagem por Paris, por ocasião do 50º aniversário do Comitê Episcopal
França-América Latina (Cefal), Gustavo Gutiérrez, considerado o "pai"
da teologia da libertação, já se encontrou com missionários, estudantes e
professores do Institut Catholique de Paris, responsáveis pelo Secours
Catholique, parceiro do CCFD [Comitê Católico contra a Fome e pelo
Desenvolvimento].
Na manhã do dia 24, na sala da
casa provincial dos sulpicianos onde ele se hospedava, ele evocou de novo
aquela teologia que marcou profundamente a Igreja latino-americana. Falar de si
mesmo não é um de seus hábitos. Mas, nessa manhã em que a primavera [europeia]
clareava as velhas paredes da sala, esse pequeno homem, simples, amável,
aceitava fazer o relato da sua vida. O encontro durou quase três horas. Também
poderia ter continuado. Gustavo Gutiérrez não estava mais cansado.
Ele nasceu em Lima, no Peru. Com
apenas 12, por causa de uma osteomielite, ficou preso à cama durante vários
anos. "Não havia antibióticos. Eu era aluno dos Irmãos Maristas. Tive que
abandonar a escola". Estudava em casa, jogava xadrez, lia. "Meu pai
era um grande leitor", lembra. "Seguramente, ele me influenciou. Dele
também herdei o senso de humor, que ele sempre mostrava, apesar das nossas
dificuldades".
Aos 15 anos, descobriu Pascal,
que o marcou permanentemente. E, pouco tempo depois, a História de Cristo, de
Giovanni Papini, que o tocou profundamente. Interessou-se também por filosofia
e psicologia através dos escritos de Karl Jaspers e de Honorio Delgado. O
desejo de se tornar padre, que ele tivera no início da doença, o deixara. No
entanto, entrou aos 14 anos na Ordem Terceira Franciscana. "A pobreza já
estava presente na minha vida de filho de família modesta, marginalizado pela
doença, e nas minhas escolhas", observa.
Aos 18 anos, pôde finalmente ir
para a universidade estudar medicina (com o desejo de se tornar psiquiatra) e
filosofia. "Membro do movimento universitário católico, eu participava
ativamente da vida política da universidade", lembra. "Foi então que
ouvi na minha vida perguntas que questionavam a minha fé. Aos 24 anos, eu
escolhi me tornar padre. O bispo de Lima, considerando-me muito velho para o
seminário, me mandou para a Europa".
Em Leuven, aprendeu francês,
escreveu uma tese sobre Como Freud chegou à noção de conflito psíquico. Depois,
se transferiu para Lyon para estudar teologia. "Era um período difícil na
Igreja francesa, mas muito rico", diz, "que me permitiu encontrar
Albert Gelin (cujos trabalhos sobre os 'Pobres de Javé' orientaram as minhas
pesquisas), Gustave Martelet e dominicanos (como Marie-Dominique Chenu,
Christian Duquoc... e também aqueles da minha geração, como Claude Geffré).
Muitos anos depois, quando eu tomaria a decisão de entrar na Ordem dos
Pregadores, um dos meus amigos de então, padre Edward Schillebeeckx, dominicano
flamengo, me escreveria uma carta que começava assim: 'Finalmente!'".
Viver em solidariedade com os pobres
Enquanto isso, ordenado
sacerdote, Gustavo Gutiérrez voltou ao Peru. Nomeado a uma paróquia do bairro
pobre de Rimac, em Lima, e capelão dos movimentos cristãos, ele se dedicou ao
seu trabalho pastoral, dando aulas também na universidade católica. Mas já havia
um problema que o atormentava: como dizer ao pobre que Deus o ama?
Em maio de 1967, dois anos depois
do Concílio, do qual participou, ele abordará essa questão diante dos
estudantes da Universidade de Montreal, distinguindo pela primeira vez três dimensões
da pobreza. A pobreza real de todos os dias: "Ela não é uma
fatalidade", explica, "mas sim uma injustiça". A pobreza
espiritual: "Sinônimo de infância espiritual, consiste em colocar a
própria vida nas mãos de Deus". A pobreza como compromisso: "Ela leva
a viver em solidariedade com os pobres, a lutar com eles contra a pobreza, a
anunciar o Evangelho a partir deles".
Para explicar a ideia, ele se
concede um pouco mais de tempo, atento a não pular alguma etapa. "No ano
seguinte, eu ainda tinha que dar uma conferência em Chimbote, no Peru.
Haviam-me pedido para falar sobre a teologia do desenvolvimento. Expliquei que
uma teologia da libertação era mais apropriada". Essa linguagem teológica,
que leva em consideração o sofrimento dos pobres, inspiraria os bispos reunidos
em Medellín (Colômbia) para a segunda Conferência do Episcopado
Latino-americano (Celam).
Nasce a teologia da libertação
Em maio de 1969, Gustavo
Gutiérrez foi para o Brasil, que vivia então as horas mais escuras da ditadura
militar. Ali encontrou estudantes, militantes da Ação Católica, padres cujo
testemunho enriqueceriam a sua reflexão que desembocou na sua obra fundamental:
Teologia da Libertação. "Antes do Concílio", especifica, "João
XXIII havia anunciado: a Igreja é e quer ser a Igreja de todos, e
particularmente a Igreja dos pobres". Os padres conciliares, preocupados
com o problema da abertura ao mundo moderno, esqueceram-no um pouco. Na América
Latina, essa intuição foi retomada. Os pobres começavam a se fazer sentir. "Muitos
de nós víamos neles um sinal dos tempos que era preciso perscrutar, como pede a
constituição Gaudium et Spes. Por causa da minha idade, da minha presença no
Concílio e em Medellín, eu é que fiz um trabalho de teólogo. Mas poderia ter
sido outro".
A libertação da qual Gustavo
Gutiérrez fala não é um programa político. Ela se situa em três níveis que se
cruzam. O nível econômico: é preciso combater as causas das situações injustas.
O nível do ser humano: não basta mudar as estruturas, é preciso mudar o ser humano.
O nível mais profundo, teologal: é preciso se libertar do pecado, que é a
recusa de amar a Deus e ao próximo.
Quanto à teologia, ela é o meio
para fazem com que o compromisso com os pobres seja uma tarefa evangélica de
libertação, uma resposta aos desafios que a pobreza coloca diante da linguagem
sobre Deus. Essa teologia se revela contagiosa. Nos Estados Unidos, na minoria
negra, na África, na Ásia, teologias desses "terceiros mundos" se
despertam, impulsionadas por um novo fôlego.
Uma vida pelos pobres
Mas essa teologia também se choca
com oposições. As mais violentas vêm dos poderes econômicos, políticos e
militares da América Latina, assim como nos EUA. Mas também vêm de católicos
que a acusam de fazer referência, ao analisar certos aspectos da pobreza, à
teoria da dependência, que usava noções provenientes da análise marxistas.
Na conferência do Celam em Puebla
(1979), que confirma a visão de Medellín e fala da "opção preferencial
pelos pobres", manifestam-se resistências também dentro da Igreja
latino-americana. "Medellín", reconhece Gustavo Gutiérrez, "foi
uma voz muito profética que provocou compromisso e resistências. Mas quando uma
Igreja é capaz de ter entre os seus membros pessoas que dão a sua vida pelos
pobres, como Dom Oscar Romero e muitos outros, há algo de importante que
acontece nessa Igreja".
A teologia da libertação também
sofreria por causa das posições do Vaticano. Em 1984, ela foi severamente
criticada pela Congregação para a Doutrina da Fé, da qual o cardeal Ratzinger
era então prefeito. Gustavo Gutiérrez, assim como outros, teria que dar
explicações. Em 2004, ao término de um processo de "diálogo" de 20
anos, o mestre da Ordem dos Dominicanos recebeu uma carta em que o cardeal
Ratzinger "rende graças ao Altíssimo pela satisfatória conclusão desse
caminho de esclarecimento e aprofundamento".
"Durante aqueles anos, eu
podia, mesmo assim, pregar o Evangelho na minha paróquia", conta Gustavo
Gutiérrez, que se dedicava naquela época às suas pesquisas sobre Bartolomeu de
Las Casas - "um gênio espiritual", diz, "que soube ver no índio
o pobre segundo o evangelho" -, continuando a sua obra teológica e
acompanhando de perto "a nova presença das mulheres, depois dos índios, na
cena da história, do pensamento, da que estavam ausentes".
Teologia como poesia
Hoje, ele reside no convento dos
dominicanos de Lima. Divide o seu tempo entre o seu trabalho pastoral, os
retiros que prega, os cursos de teologia na Universidade de Notre Dame
(Indiana, EUA) e no Studium Dominicano de Lille (França). Mas, incansavelmente,
ele continua a sua obra teológica, lendo muito, até mesmo poetas. "A
poesia é a melhor linguagem do amor", confidencia. "Fazer teologia é
também escrever uma carta de amor a Deus, à Igreja que eu sirvo e ao povo a que
eu pertenço".
Atualmente, ele está terminando
um livro dedicado à opção preferencial pelos pobres. "A teologia da
libertação pode até desaparecer", afirma, "mas, se restar a
preferência pelos pobres, nós teremos vencido algo importante, profundamente
ligado à Revelação". Depois, acrescenta, com uma expressão de clara
gravidade no rosto: "A pobreza e as suas consequências são sempre o grande
desafio do nosso tempo na América Latina e em muitos outros lugares do mundo.
Praticar a justiça, trabalhar pela libertação dos seres humanos é falar de
Deus. É um ato de evangelização".
Tradução: Moisés Sbardelotto /
Divulgação: Instituto Humanitas – Unisinos.
Postado por
Artigos do Frei Petrônio de Miranda
às
03:57
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