Ildo Bohn Gass, biblista do CEBI.
O
evangelho da liturgia deste final de semana apresenta Jesus colocando as
condições fundamentais para quem quer segui-lo no caminho da cruz. Diante da
prioridade do seguimento, todo o resto se torna relativo.
Jesus
está a caminho de Jerusalém. Virando-se para a multidão que o seguia, ele deixa
claro que o caminho do seguimento é exigente e demanda renúncias. É uma opção
radical. Nesse sentido, a proposta do discipulado não é para a multidão, a
"massa". A militância por vida plena é uma decisão para pessoas
livres de tudo o que escraviza. Jesus diria que as pessoas que optam pelo reino
são como o "fermento" que transforma a massa (Lucas 13,21). A decisão
pelo reino não é de facilidades. Talvez seja por isso que poucas pessoas
decidam seguir pelo caminho proposto por Jesus.
1- Seguir Jesus exige renúncias
1.1 Renunciar a família (Lucas 14,26)
Uma
das cláusulas que Jesus estabelece para as pessoas que o querem seguir é
desapegar-se dos laços afetivos com a família, da segurança que a família
proporciona. A prioridade é o seguimento. A família é secundária. Conforme a
comunidade de Lucas, Jesus usa o verbo "odiar" em relação aos
familiares (Lucas 14,26). É palavra forte. Aqui, no entanto, odiar quer dizer
colocar em segundo plano diante de algo prioritário. Para Jesus, as relações
familiares não podem impedir a adesão ao projeto do reino. Este é a prioridade.
É
Jesus mesmo quem nos dá o exemplo, ao dar preferência à missão. Quando sua mãe
e seus irmãos querem vê-lo, Jesus afirma ter uma família mais importante. É a
família de quem, como ele, vive o projeto do Pai. "Minha mãe e meus irmãos
são aqueles que ouvem a palavra de Deus e a praticam" (cf. Lucas 8,19-21).
1.2 Renunciar os interesses pessoais
(Lucas 14,26)
Outra
condição exigida por Jesus é colocar os interesses pessoais, a própria vida, em
segundo lugar diante da prioridade, que é o projeto do reino e sua justiça.
Nosso
mundo estimula o individualismo, os desejos egoístas e o bem-estar individual.
Jesus, no entanto, propõe como critério para segui-lo no caminho da cruz a
busca do bem-viver coletivo, o serviço na gratuidade, a ajuda solidária na luta
por uma sociedade justa. Em outras palavras, decidir pelas relações do reino é
imitar o próprio mestre.
1.3 Renunciar os bens (Lucas 14,33)
Seguir
Jesus supõe também ser totalmente livre diante dos bens. Exige estar desapegado
de tudo, isto é, do orgulho e da competição, das seguranças e das ambições, de
todas as formas de riqueza.
Optar
pelo reino é colocar os bens a serviço da vida. E Jesus recorda mais de uma
forma de como fazer com que os bens nos ajudem a ser "ricos para
Deus" (cf. Lucas 12,21). Os bens geram vida quando partilhados (Lucas
12,33-34; 14,15-24; 18,18-23; 19,1-10) ou quando investidos a serviço do reino,
isto é, de projetos que têm em vista a igualdade, tal como fizeram as mulheres
que o seguiam desde a Galileia (Lucas 8,1-3).
Jesus
quer ajudar-nos a não colocar os bens como o mais importante, transformando-os
em ídolos que escravizam. "Não podeis servir a Deus e às riquezas"
(Lucas 16,13). E servir a Deus, à vida, é ser verdadeiramente livre.
2- Seguir Jesus requer novas atitudes
2.1 Tomar a cruz e seguir (Lucas 14,27)
Seguir
as relações do reino e da sua justiça é estar disposto a carregar a cruz. É
tomar decisões que requerem desapego e geram conflitos que levam ao
desprendimento, a sofrimentos. É uma opção de vida que supõe riscos e exige
renúncias. Que renúncias? Aqui, podemos lembrar as recusas do próprio Jesus.
Primeiro, deixou sua família em Nazaré, priorizando a missão conferida pelo
Espírito do Senhor no anúncio de uma boa notícia para os pobres (Lucas
4,16-31). Para priorizar o projeto do Pai, Jesus renunciou aos valores
oferecidos por este mundo injusto, simbolizado pela figura do diabo. Diante
dele, o nazareno rejeitou as riquezas, recusou o poder real e não aceitou a
oferta de prestígio (Lucas 4,1-13).
Isso
significa que, para seguir Jesus na radicalidade, é necessário ser uma pessoa
livre, que não se deixa escravizar pela propaganda consumista e pela oferta de
bens, poder e fama como sentido de vida.
2.2 Ser prudente e realista (Lucas
14,28-32)
Seguir
o projeto do reino requer novas atitudes, exige que sejamos pessoas recriadas.
Então, Jesus conta duas parábolas que ilustram o desafio para quem opta em
segui-lo no caminho.
Na
primeira (Lucas 14,28-30), ele mostra que o seguimento não é fruto de uma opção
que se faz de uma hora para outra, mas é resultado de decisões bem pensadas,
amadurecidas. Elas devem estar de acordo com a realidade de cada pessoa que
quer assumir o discipulado na radicalidade. Somente assim pode haver fidelidade
até o fim, evitando-se falsas ilusões, uma vez que não basta boa vontade. Diferente
é uma decisão momentânea. Esta é como fogo de palha que logo se extingue e não
persevera. Seguir Jesus é ser como o construtor de uma torre. Ele planeja sua
obra e avalia se tem recursos para levar a obra até a sua conclusão.
Na
segunda parábola (Lucas 14,31-32), Jesus apresenta o exemplo de um rei prudente
ao se defender de outro rei que vem batalhar contra ele. A prudência leva a
avaliar as condições que se tem para assumir a missão. É necessário ter
sabedoria e humildade para assumi-la com coerência. É preciso também coragem e
firmeza para suportar as consequências, as cruzes que resultam da opção pela
justiça do reino. As parábolas insistem na clareza ao se fazer a opção em
seguir Jesus na missão de viver as relações do reino.
E nós hoje
Certamente,
as exigências de Jesus nos questionam quando nossa ação evangelizadora está
voltada mais para as "massas" e não tanto para o
"fermento", isto é, o engajamento radical em favor da justiça e da
partilha, da gratuidade e da superação de preconceitos.
É
evidente que Jesus não recusa ninguém. Ele mesmo acolheu com ternura um homem
muito rico. Porém, não deixou de lhe mostrar que o caminho da felicidade passa
pela partilha (Lucas 18,18-23). Também foi comer na casa de um ladrão confesso.
Mas deixou claro que ele se tornaria discípulo do reino na medida em que
devolvesse o que roubara e partilhasse outro tanto com os pobres (Lucas
19,1-10).
Com
a narrativa da liturgia deste final de semana, a comunidade de Lucas quer
encorajar as pessoas que, ainda hoje, decidem assumir fielmente o seguimento da
proposta de Jesus. Quer animá-las a se manterem firmes diante das calúnias e
das difamações, das perseguições por causa da justiça ou até da própria morte
que vierem a sofrer por parte de indivíduos e instituições que servem às
riquezas deste mundo.
Este
evangelho nos convida a perseverarmos na fidelidade ao projeto do reino, custe
o que custar. Importa que a vontade do Pai se torne realidade em nossas vidas
(cf. Lucas 22,42). E isso será possível na medida em que abrirmos nossos
corações ao mesmo Espírito que animou a missão de Jesus de Nazaré na intimidade
com o Pai (Lucas 4,18).
Qual
é a nossa atitude diante dessas condições exigentes que Jesus nos coloca? É de
acolhida ou de indiferença? É de adesão ou de repulsa?
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