Tea Frigerio
Parece que os convites que Jesus recebe para tomar
refeição sempre têm uma intenção e que nem sempre é por amizade. Neste texto, a
intenção é evidente: querem espiá-lo.
A intenção de vigiá-lo, talvez seja por sua liberdade
frente à lei, questionando profundamente o legalismo farisaico. Assim fora na
casa do fariseu Simão (Lucas 7,36ss) e na casa de outro fariseu, quando se
sentou à mesa sem antes lavar as mãos (Lucas 11,37ss). Na primeira vez, ele
comparou o fariseu com a pecadora, e o fariseu saiu perdendo. Parece que Simão
não sabia amar com a mesma intensidade daquela mulher. A outra vez, vendo o
olhar espantado do fariseu, provocou uma discussão danada sobre a hipocrisia
com que era praticada a lei. Referindo-se a fariseus, Jesus até usou esta
expressão: "sois túmulos disfarçados, sobre os quais se pode transitar,
sem o saber!" Será que, ao escutar por cinco vezes "ai de vós",
a comida ainda continuou a descer saborosa por seu esôfago, ou ficou presa na
garganta?
Diante disso, pergunto-me: por que o convidavam? Por
que o Evangelho de Lucas faz tanta questão de apresentar-nos Jesus aceitando
convites para comer?
No Primeiro Testamento, o banquete é sinal de que os
tempos messiânicos do Reinado de Deus teriam chegado. Assim escreve o profeta
Isaías: "Iahweh dos Exércitos prepara, sobre esta montanha, um banquete
para todos os povos..." (Isaías 25,6).
Talvez seja a partir desta memória profética que o
Jesus das comunidades lucanas esteja sempre a caminho, entrando nas casas,
sentando à mesa para refeições. Assim, estas comunidades guardam-nos seu
projeto de discipulado: o Caminho de Jesus é o Caminho da comunidade. A Casa é
a comunidade que vai se formando ao longo do caminho. A Mesa torna-se o lugar
para apreender e viver a proposta de relações novas com Jesus.
A mesa nos ensina a superar a ambição
pelo primeiro lugar (Lucas 14,7-11)
Antes de continuar minha reflexão, convido você a
fazer um exercício. Visualize, em sua memória, os banquetes das comemorações de
sua cidade, de sua comunidade, de suas festas, de suas quermesses. A quem é
enviado o convite para participar do banquete? Quem senta à mesa? Qual a lógica
da organização das mesas? Em qual das mesas há lugares com nome reservado? Quem
cozinha? Quem serve à mesa? Quem fica espiando pela janela ou com disfarce em
meio aos convidados para o banquete? Você mesmo poderá se fazer outras
perguntas...
Agora, continuando nossa reflexão, voltamos à mesa
onde Jesus está sentado e o escutamos contar uma parábola: "quando alguém
te convidar não sente no primeiro lugar..." (Lucas 14,8). Parece que Jesus
está continuando uma conversa que já havia começado, sentado à outra mesa:
"ai de vós, fariseus, que apreciais o primeiro lugar nas sinagogas e as
saudações nas praças públicas ..." (Lucas 11,43).
Jesus nos convida a não buscar lugares de honra, a não
entrar no jogo da competição. É que essa atitude revela o desejo de ser mais,
de exercer o poder do privilégio sobre outras pessoas. A competição gera
divisões, ciúmes, invejas. Ao contrário, faz parte do seu projeto do Reino quem
viver como irmã e como irmão, em relações de parceria.
A mesa nos ensina a gratuidade da
solidariedade (Lucas 14,12-14)
E, depois, Jesus se dirige diretamente para quem o
convidara: "ao dares um almoço, não convides teus amigos... Antes, convida
os pobres que não têm como te recompensar..." (cf. Lucas 14,12-14).
Esta narrativa de Lucas leva-me a recordar o que
escutei num encontro bíblico: fizemos da casa uma igreja; fizemos da mesa um
altar; fizemos da partilha um sacrifício; fizemos de Jesus um sacerdote. Ao
lembrar-me desta reflexão, vem-me este pensar: a Boa Notícia da inclusão
tornou-se má notícia da exclusão.
Mais uma vez, convido você a visualizar cenas de sua
vida em que a lei e a tradição, a moral e a teologia geraram exclusão do
banquete, impediram de sentar-se à mesa. "O
amor é benigno, o amor não procura os próprios interesses, não se orgulha, não
se alegra com a injustiça..." (1Coríntios 13,4-7). O amor é gratuito.
Por que convidar Jesus para uma
refeição? Para espiar ou apreender a incluir?
A mesa é o lugar onde é colocada em cheque a nossa
fidelidade ao caminho do discipulado. A mesa é o lugar que denuncia as
estruturas excludentes da casa-comunidade-igreja. A mesa nos desafia a retomar
e a praticar as palavras do Cântico de Maria (Lucas 1,46-55), bem como as
palavras que Jesus proclamou na sinagoga de Nazaré (Lucas 4,18-19).
Caminho, Casa, Mesa de Jesus... Ainda hoje, o Caminho,
a Casa e a Mesa continuam nos desafiando para fazer acontecer o Banquete do
Reino...
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