“O caminho dos
fatos ditará a direção que o novo pontificado vai seguir: se entrará em uma
disputa pela conservação do povo em sua generalidade abstrata, consolidando os
postulados conservadores da Igreja, ou se modificará seus fundamentos,
apontando, a partir da ruptura do protocolo, para a parte que corresponde à
Igreja, respondendo às necessidades religiosas das minorias e produzindo novas
condições de governabilidade”. A análise é de Diego Ezequiel Litvinoff, em
artigo publicado no jornal Página/12, 28-03-2013. A tradução é do Cepat.
Eis o artigo.
Eis o artigo.
Uma vez superada a
euforia e a emoção da posse, o Papa Francisco deverá administrar o
Vaticano. Embora por suas características este governo se diferencie de seus
pares europeus, suas situações de crise são similares. E não se trata
unicamente de problemas econômicos, mas do que eles manifestam: uma verdadeira
crise de governabilidade.
Em seu último
livro editado na Argentina, Opus Dei. Arqueologia do ofício, Giorgio
Agamben [a sair no Brasil na segunda quinzena de abril] assinala que a forma
moderna de governo ocidental encontrou seu paradigma no esquema desenvolvido a
partir da institucionalização da Igreja. A necessidade de formar um corpo
permanente de sacerdotes se chocava com o caráter de comunidade carismática da
Igreja primitiva, fundada sobre os princípios cristãos entendidos como
acontecimentos. Para resolver esse dilema, os Padres da Igreja – remetendo-se a
um marco conceitual que tem suas raízes em práticas públicas gregas e reflexões
filosóficas estoicas – definiram a função sacerdotal com a palavra officium.
Este termo indica uma tarefa que só se cumpre ao realizar os atos que lhe
competem enquanto instrumento da economia divina, o que significa que “o
sacerdote é aquele ente cujo ser é imediatamente uma tarefa e um serviço, isto
é, uma liturgia” (p. 136).
A importância que Agamben
outorga a este conceito está em que este funda, na história ocidental, uma nova
ontologia. Diferenciando-se das ações definidas na Antiguidade, o officium refere-se
a uma tarefa cujo único conteúdo é sua efetualidade, dado que o importante já
não é “como é preciso ser para obrar”, mas que, pelo contrário, o que se coloca
em jogo é “como é preciso obrar para ser”.
É essa ontologia
que a modernidade tomou como paradigma e que funda a situação de governo que
lhe é própria, constituindo-se assim o modelo de conduta de toda a instituição
moderna, que “trata de distinguir o indivíduo da função que exerce, de modo a
assegurar a validade dos atos que cumpre em nome da instituição” (p. 42). Mas é
essa mesma ontologia, que chega à sua máxima expressão durante o
neoliberalismo, que, segundo Agamben, está perdendo seu poder. Não é casual,
então, que a crise de governo encontre na Igreja um de seus epicentros.
O novo Papa provém de um continente que deu
respostas inovadoras a esta crise de governabilidade. Com líderes que se
envolveram pessoalmente em sua atividade, revalorizando a político como
reitora da economia, dando relevância à palavra e conteúdo aos gestos e
deixando literalmente sua vida nela, a América Latina redefiniu a ontologia
efetual. O poder político já não se concebe nestas terras como uma função que
representa um país em sua totalidade. Intrincada em uma complexa luta de
interesses, a política assume sua condição de parte, produzindo um espaço que
deixa de ser o vazio a partir do qual se administra os recursos, para
cumular-se de uma parcialidade. O sujeito que o ocupa deixa de ser um
instrumento e coloca sua assinatura nele. Se o preço que paga por isso é ser um
homem comum em circunstâncias excepcionais, esse homem comum, com nome e
sobrenome, pode assumir a representação do povo, do qual nunca deixou de fazer
parte, e que, longe de assumir uma totalidade abstrata, se define
fracionando-se, a partir das diversas minorias.
Sendo uma das partes do conflito de poder na Argentina, não obstante, Bergoglio encontrou no discurso impessoal do acordo e na necessidade do diálogo uma arma para fazer valer os interesses de seu setor. À frente do Estado do Vaticano, diálogo e acordo solicitarão os que cometerem os crimes mais atrozes. Nesse mesmo sentido se pode entender a humildade e o culto à pobreza, que, sendo tão antigos quanto a religião, se assemelham àquilo que Angela Merkel propõe à Europa. Outros sinais, no entanto, permitem vislumbrar uma mudança, como o longo encontro que teve com Cristina e sua referência à América Latina como a Pátria Grande.
Quando Francisco, ao tomar posse, rompeu o protocolo e se aproximou de seus fiéis, não apenas transmitiu um sinal simbólico. Colocou em crise uma função que é 100% protocolar. O caminho dos fatos ditará a direção que o novo pontificado vai seguir: se entrará em uma disputa pela conservação do povo em sua generalidade abstrata, consolidando os postulados conservadores da Igreja, ou se modificará seus fundamentos, apontando, a partir da ruptura do protocolo, para a parte que corresponde à Igreja, respondendo às necessidades religiosas das minorias e produzindo novas condições de governabilidade.
Fonte: http://www.ihu.unisinos.b
Sendo uma das partes do conflito de poder na Argentina, não obstante, Bergoglio encontrou no discurso impessoal do acordo e na necessidade do diálogo uma arma para fazer valer os interesses de seu setor. À frente do Estado do Vaticano, diálogo e acordo solicitarão os que cometerem os crimes mais atrozes. Nesse mesmo sentido se pode entender a humildade e o culto à pobreza, que, sendo tão antigos quanto a religião, se assemelham àquilo que Angela Merkel propõe à Europa. Outros sinais, no entanto, permitem vislumbrar uma mudança, como o longo encontro que teve com Cristina e sua referência à América Latina como a Pátria Grande.
Quando Francisco, ao tomar posse, rompeu o protocolo e se aproximou de seus fiéis, não apenas transmitiu um sinal simbólico. Colocou em crise uma função que é 100% protocolar. O caminho dos fatos ditará a direção que o novo pontificado vai seguir: se entrará em uma disputa pela conservação do povo em sua generalidade abstrata, consolidando os postulados conservadores da Igreja, ou se modificará seus fundamentos, apontando, a partir da ruptura do protocolo, para a parte que corresponde à Igreja, respondendo às necessidades religiosas das minorias e produzindo novas condições de governabilidade.
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