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sexta-feira, 15 de junho de 2012

O jornalista Frei Tito Brandsma, Carmelita.

Por Frei Manoel Wermers, 0.Carm.
(Publicado no Mensageiro do Carmelo em 1948).


O papel grandiosamente nobre da imprensa católica foi por Frei Tito definido em poucas palavras, simples mas decisivas: “uma potência contra as forças inimigas, porque responde não apenas aos ataques feitos, como ainda prega positivamente a verdade, dia a dia”.
A boa imprensa é uma das armas mais poderosas do apostolado, pois penetra todas as camadas sociais, ensinando, exortando, retificando,  cristianizando.   Pela imprensa católica a palavra de Cristo é levada aos doentes entrevados nas camas e aos presos nos cárceres. Pela imprensa católica a palavra de Cristo acompanha os viajantes dos aviões e dos submarinos dos trens e dos navios, dos bondes e dos ônibus. Pela imprensa católica a palavra de Cristo entra nos bolsos e nos escritórios, nas fábricas e nas lojas. E nos poucos momentos de lazer que deixam as ocupações materiais, a palavra de Cristo aí está para formar as consciências. A política é encarada sob um aspecto católico, a vida social examinada segundo os princípios cristãos e a cultura avaliada segundo os valores da verdade e da estética do divino.
Compreende-se o desejo dos Sumos Pontífices que os Católicos, por toda a parte, tenham a sua imprensa própria que, em íntima união com as autoridades eclesiásticas, propague as verdades de Cristo. As Universidades têm o seu boletim para propagar a ciência, as Ordens Religiosas a sua revista para espalhar a sua espiritualidade, a igreja de Cristo precisa ter a sua imprensa que continue o seu ensino nas praças e nas casas de família, e a defenda contra os ataques diários dos seus inimigos sempre solertes e sempre traiçoeiros como Judas o traidor de Jesus.
A alma apostólica de Frei Tito não podia ignorar a importância transcendental da imprensa católica, e desde cedo dedica-lhe uma grande parte dos seus talentos. Já o vimos.
Em 1935 recebe uma carta do Arcebispo, nomeando-o Assistente Eclesiástico dos jornalistas católicos holandeses. Bem depressa revela qualidades técnicas de primeira ordem. O seu trabalho é feito com dedicação e amor, não se limitando a alguns conselhos e avisos sobre moral e bons costumes. Orienta a formação dos jornalistas e se interessa em melhorar a sua situação jurídica. Não somente a corporação mas também cada jornalista em particular merece-lhe a atenção. Conhece a todos, e todos se tornam seus amigos. O nome Tito foi dado muitas vezes os filhos em homenagem e gratidão a este pai dos jornalistas.
Bem ia ele precisar dessa dedicação afim de poder guiá-los através de sacrifícios e abnegações inerentes à tarefa de defender a verdade e a cultura contra, os ataques mais violentos. A atmosfera estava sendo envenenada pejas estúpidas mentiras do nazismo material, desprovido de qualquer elevação cultural e apenas animado do brutal desejo de destruição.
Assistindo em 1937, três anos antes da invasão, à tomada de posse do novo diretor de um diário, Frei Tito faz-lhe a pergunta se se realizava bem a tarefa, “pois ela não será fácil quando Hitler invadir a Holanda”.
Visão real da situação, inspirado pelo bom senso! Imediatamente depois da ocupação foi criado o “Conselho Informativo da Imprensa”. Deu-se a garantia: “A liberdade de consciência será respeitada, pois seria sumamente desprezível violentar as consciências” (!) ...  Pouco a pouco, porém, começam essas violações desprezíveis, na surdina ainda. Quantas vezes foram chamados os diretores, por não terem publicado as notícias fornecidas pelo Conselho Informativo! Em novembro de 1940, meio ano depois da invasão, foi suprimida a associação dos jornalistas católicos de que Frei Tito era Assistente Eclesiástico. Em 1941 foram proibidas quase todas as publicações de caráter religioso. Falta de papel. Havia-o em abundância para as publicações partidárias e pornográficas, quase sempre idênticas. Os protestos dos Bispos de nada adiantaram. A resistência passiva era a única arma que podiam manejar. Em todas as igrejas foi lida uma carta episcopal proibindo prestar auxílios importantes ao nazismo alemão ou holandês.
O Conselho Informativo continuava a mandar publicações de propaganda nazista, que os Católicos não publicavam ou transformavam, seguindo os conselhos de Frei Tito que estava em contínuo contato com o Arcebispo. Em dezembro de 1941 veio a provocação em forma de uma nota particular, dirigida a todas as direções dos jornais, cujo teor é:
Nota nº 1.008 — Para as direções. Não para publicação.
Haia, 18 de dezembro.
O Departamento de Informações e Cultura comunica não ser permitido à imprensa da Holanda recusar a propaganda fornecida pelo N.S.B. (movimento nazista holandês) ou pelas suas associações por motivo de princípios...
Não para publicação.
E a tão apregoada liberdade de consciência? Frei Tito, como Assistente Eclesiástico os jornalistas católicos, está frente à mais completa degeneração pagã e totalitária. Urge dar normas claras e decisivas aos jornalistas e aceitar a responsabilidade da luta. No último dia de 1941 traça as diretrizes a seguir num documento precioso e venerando, selo com a sua própria vida:
Nimegue, 31 de dezembro de 1941.
Ilmo Sr.
Como Assistente Eclesiástico da Associação dos Jornalistas Católicos, nomeado por sua Excia Revma. o Sr. Arcebispo, considero meu dever propor o seguinte à sua atenção:
... Segundo os seus próprios princípios e os princípios do direito internacional, a Igreja Católica na Holanda respeita os direitos das forças de ocupação. Ao mesmo tempo, porém, e em virtude dos mesmos princípios ela viu-se obrigada a agir contra um movimento que repudia esses princípios para propagar outros contrários à Igreja Católica.
A imprensa é forçada a publicar muitas informações. Não havendo conflito com os princípios católicos, satisfez-se a essas exigências na medida do possível...
... Há poucos dias foi baixada uma ordem para a imprensa, cuja execução poria as Direções e as Redações dos diários católicos em conflito com os princípios católicos... Os jornais católicos aqui não podem ceder sem entrar em conflito com a ordem do episcopado a qual proíbe prestar auxílios importantes ao Movimento Nacional Socialista. A ordem emanada do Departamento de Informações e Cultura ainda não se tornou oficial... Caso, porém, se chegar a esse ponto, ou caso houver insistência em que seja publicada a propaganda do Movimento Nacional Socialista, mesmo sob a ameaça de pesadas multas, de suspender ou até de suprimir o jornal, então devem as Direções, e as Redações de acordo com essas, tratando-se de artigos de tendências idênticas, negá-los terminantemente caso queiram conservar o caráter católico de seu jornal. Não pode ser de outra forma. Atingiu-se o limite... Isso, certamente, será duro para muitos, que até hoje têm encontrado no jornalismo um emprego honesto e remunerado; a responsabilidade, porém, fica para aqueles que querem, contra todas as promessas, violentar a consciência da Direção e da Redação.
Por enquanto não posso crer que as instâncias responsáveis chegarão a esse ponto. Se, porém, acontecer isso, Deus terá a última palavra e recompensará o servo fiel.
Com os melhores votos para o Ano Bom.
Frei Tito Brandsma, O. Carm.
Durante a primeira semana de janeiro vê-se Frei Tito a viajar pela Holanda toda, conferenciando com os Bispos e os jornalistas mais destacados e organizando a defesa da verdade. Aos 10 de janeiro comunica ao Arcebispo os resultados das suas conferências.
A resistência parece ter impressionado os chefes nazistas. Eles mostram-se mais acessíveis e até dispostos a fazer concessões embora falem com amargura sobre a ação do Professor Brandsma, qualificando-o de sabotagem. A atmosfera está menos carregada, alguns pensam mesmo que o perigo já tenha passado.
De repente vem o desenlace. Na tarde de 15 de janeiro o Arcebispo telefona para Frei Tito comunicando-lhe que o Movimento Nacional Socialista novamente ofereceu grandes notícias de propaganda aos jornais com a ordem de publicá-las depois de dois dias. O Arcebispo é de opinião que se deve enviar agora a Carta Circular do Episcopado que fora retida em conseqüência das concessões recebidas. A Carta sai com a data de 16 de janeiro.
O testo é de Frei Tito. Nesse documento o Arcebispo, em nome do Episcopado da Holanda, dá as normas definitivas aos jornais católicos sobre as publicações de tendências nazistas.
“Temos a plena consciência da situação extremamente difícil em que se encontra a imprensa católica e dos grandes interesses econômicos que estão em jogo. Lamentaríamos profundamente se a imprensa católica, construída a custo de tantas dificuldades e sacrifícios e que tanto bem tem realizado fosse obrigada a desaparecer. Mas há limites. Não podemos considerar católicos os jornais que propaguem princípios contrários aos católicos. Tais jornais seriam mais perigosos, para os Católicos do que os jornais neutros ou mesmo nazistas, pois os fiéis, de sobreaviso para com esses julgariam aceitável o Movimento Nacional Socialista, se 'esse fosse propagado por jornais católicos. Haveria ainda o escândalo, se fosse permitido aos jornalistas católicos propagar esse movimento, já que é proibido aos outros.
“Por esses motivos o Venerável Episcopado declara expressamente que os vossos jornais perdem o seu caráter católico, publicando propaganda do N.S.B., ou ainda artigos à favor do N. S. B. (a não ser que tenham sido modificados eficazmente),e que o mesmo será levado ao conhecimento dos fiéis. Quanto às notícias e às reportagens nazistas de publicação obrigatória, é preciso indicar as fontes das mesmas.
“O Venerável Episcopado declara outrossim que a não observância dessas normas será considerada como um auxílio importante, prestado ao Movimento Nacional Socialista, com todas as suas sanções para as pessoas repensáveis.
“Afim de conseguir uma atitude uniforme, o Venerável Episcopado deseja, receber, por intermédio, do Assistente, Professor Dr. Tito Brandsma, uma declaração escrita de que vós, como Diretor ou Redator-Chefe seguireis essas diretrizes”.
Durante três dias Frei Tito percorre mais uma vez a Holanda. No terceiro dia, 19 de janeiro, pouco depois de ter chegado em casa, duas pessoas apresentam-se desejando falar com ele. Eram da Polícia de Segurança e vinham para prender Frei Tito. Durante duas horas fazem urna busca no seu quarto, examinando os seus papeis, com que enchem algumas malas. Em seguida Tito abraça pela última vez os confrades e deixa o seu querido Carmo para sempre...
Como bom jornalista Frei 'Tito defendeu a verdade, testemunhando por Cristo contra o paganismo moderno. Conseguiram abafar a sua voz, mas o seu sangue ia clamar mais alto e dar novo esplendor à Verdade Eterna.
(Mensageiro do Carmelo, Ano 36. Abril de 1948, pág. 63 e seg.).

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