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sexta-feira, 2 de junho de 2017

A Igreja na era das mídias digitais

A Internet está mudando a forma como pensamos? Se a Rede muda a forma como pensamos, e a teologia é intellectus fidei, ou seja, “pensar a fé”, a pergunta é imediata: a Internet está mudando a forma como pensamos a fé? Está mudando – entre outras coisas – a nossa forma de pensar e viver o mistério e a experiência da Igreja?
Essas foram as primeiras indagações do padre jesuíta Antonio Spadaro, editor da revista Civiltà Cattolica e autor do livro Ciberteologia, Pensar o Cristianismo nos tempos da rede, recém-publicado em português, pela Editora Paulinas, durante a Conferência A semântica do Mistério de Igreja no contexto da(s) gramática(s) da midiatização, dentro da programação do XIII Simpósio Internacional IHU Igreja, cultura e sociedade. A semântica do Mistério da Igreja no contexto das novas gramáticas da civilização tecnocientífica, realizada ontem, 03, no auditório central da Unisinos.
Bem-humorado, Spadaro atraiu a atenção do público que lotou o auditório, ao abordar de maneira clara e acessível o papel da religião e da religiosidade neste novo cenário que emerge da midiatização da sociedade e da chamada web 2.0. “Quando se fala em Internet e religião, aborda-se em nível sociológico ou tecnológico, mas raramente teológico. Logo, pretendo analisar teologicamente a rede. E esse é o grande desafio”, pondera o jesuíta.

A Internet está mudando nosso modo de pensar?
Essa foi uma das inúmeras inquietações de Antonio Spadarodurante a Conferência. Para ele, a Internet está mudando, sim, nosso modo de pensar e de viver a fé na contemporaneidade. “Se a Internet está mudando nosso modo de pensar, ela não estará modificando a nossa forma de pensar a fé? Está alterando nosso modo de pensar e viver a experiência da Igreja? Está transformando a nossa maneira de ler a Bíblia?”, indaga.

A Rede não é apenas um instrumento
Uma das principais abordagens do padre jesuíta durante a Conferência foi a questão de que a rede não é apenas um instrumento, “mas um ambiente no qual vivemos, está construindo um ambiente de vida. Talvez até mais. Um verdadeiro tecido interligado da nossa experiência da realidade”. Segundo Spadaro, não se deve ser superficial e usar a Internet como meio de evangelização, “mas evangelizar considerando que o meio de evangelização do homem se expressa também no ambiente digital”.
Para Spadaro, as recentes tecnologias digitais não são mais somente tools, isto é, instrumentos completamente externos ao nosso corpo e a nossa mente. “ ‘Os modernos meios de comunicação há tempo fazem parte dos instrumentos comuns através dos quais as comunidades eclesiásticas se expressam, entrando em contato com o seu próprio território e estabelecendo, muitas vezes, formas de diálogo mais abrangentes’.” Foi o próprio Bento XVI, em sua mensagem para o Dia Mundial das Comunicações de 2010, a declará-lo.

Web 2.0 e o conceito de presença
Quem é o meu próximo? Essa é a primeira grande pergunta de Spadaro. A segunda? Onde está o meu próximo?
Segundo o teólogo, não são os conteúdos que estão no centro da web 2.0, nem os indivíduos, mas sim as relações. “Os conteúdos não têm valor se não forem compartilhados, essa é a peculiaridade da web 2.0”, afirma, ao avaliar ainda que devemos entender como o conceito de próximo evolui a partir da rede, uma vez que este conceito “é muito importante para a vivência cristã”. Segundo Spadaro, as redes sociais não expressam um conjunto de indivíduos, mas um conjunto de relações entre os indivíduos. “O conceito chave não é mais a ‘presença’ na Rede, mas a ‘conexão’: estando presente, mas não conectado, se está ‘só’. Se eu interajo eu existo. O indivíduo entra na Rede para experimentar ou ampliar de algum modo a proximidade/vizinhança. Deve-se, portanto, entender como o conceito de ‘próximo’ evolui a partir da Rede.” E indaga: “O que significa estar presente para o outro? Em um evento? Se vocês escutarem um CD de Beethoven, vocês estarão presente naquele evento configurado por um equipamento tecnológico ou não?”

A “praça virtual”
Segundo o teólogo, a ideia de praça, que é um lugar físico, está se tornando cada vez mais o dispositivo tecnológico, como a Internet e as mídias digitais. Mas, “como tudo isso irá impactar no modo de viver na Igreja?”, questiona.  E continua: “Como imaginar o futuro de uma comunidade eclesial no contexto da rede?” Segundo Spadaro, as pessoas deixam de criar comunidades para criar networks, com gostos e preferências específicos.

Hierarquia e autoridade na rede
Ainda na tarde de ontem, Spadaro refletiu sobre como pensar o conceito de hierarquia e autoridade na era da rede e percebeu que a lógica da Internet implica que o conhecimento passa pela relação. “A web 2.0 é uma rede de relações, o conteúdo não é comunicado através da transmissão, mas por compartilhamento. Se um conteúdo é transmitido, ele não é conhecido, mas se é compartilhado, sim. Exemplo: no meu blog, se eu publicar e deixar apenas ali, poucos irão ler. Já tentei fazer isto. Mas seu eu postar no Twitter, imediatamente mais de 2000 pessoas irão ler no mesmo dia.”

Teilhard de Chardin à frente de seu tempo
Segundo Antonio Spadaro, Pierre Teilhard de Chardin foi uma das pessoas que mais compreendeu sobre a Internet. “Ele teve a intuição fundamental para ajudar a compreender a função espiritual que é a rede. Teve ainda condições de analisar as redes e, sobretudo, quais eram os seus fins. O processo de evolução da humanidade, para Chardin, passa de uma condição de um isolamento, homem pastor, que depois dá lugar ao homem agricultor até chegarmos a impérios.”
Para o jesuíta, a Igreja no tempo da rede deve avaliar as formas de sua presença. “É necessário que a instituição católica compreenda o lugar de conexão capaz de fornecer a base de comunhão em uma sociedade cada vez mais fragmentada”, completa. E frisa: “A Igreja de hoje deveria criar espaço de network que permita construir relações significativas”.

Instrumento x ambiente
“O microfone é um instrumento que permite amplificar a minha voz, mas ao mesmo tempo mostrar um contexto. Para a rede isto vale muito mais”, continua o palestrante, ao ponderar que “a rede não é apenas um instrumento que permite fazer as coisas, cria ambientes, como no Facebook, vitais, onde podemos nos expressar. As tecnologias geram ambientes de relações e conhecimentos”.
Logo, para o editor, as mídias digitais são sistemas conectivos de nossa experiência, sem interrupção. “Elas são um tecido conectivo, uma conexão entre minha vida online e off-line.”

Rede como ambiente de vida
São duas as necessidades que as redes causam: conhecer e estar em relação. “Isso desde as antiguidades. As tecnologias não são algo estático. Elas se tornaram cada vez mais complexas.” Deste modo, Spadaro acredita que sim, a comunidade eclesial está dentro de uma mentalidade que considera a rede como um ambiente de vida.

Dualismo digital
“Nós vivemos neste momento um dualismo digital. Por isso, distinguimos a vida online da off-line, a vida que dizemos real com aquela do network social. Essa diferença tão clara leva a uma esquizofrenia. E essa distinção não ajuda a entender. Nós somos chamados a integrar essas duas dimensões. E não opô-las”, esclarece.
Spadaro avaliou também que não se fala mais em meio de comunicação, “mas sim em ambiente”. Para ele, a rede cria ambientes e não instrumentos e a tecnologia das redes é uma revolução antiga, sendo “uma forma nova de expressar as necessidades que o homem sempre teve”.

Questionamentos
A tecnologia está se tornando cada vez mais transparente? Mas não terá a tecnologia um valor espiritual? Como pensar a tecnologia como uma profunda espiritualidade do homem?
Do ponto de vista da Igreja, como a rede pode ser um ambiente e não um instrumento de evangelização?

Qual a contribuição que a Igreja poderá dar para toda a humanidade para compreender o que é a rede verdadeiramente? Fonte: http://www.ihu.unisinos.br

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