UNIVERSIDADE FEDERAL DO
CEARÁ FACULDADE DE EDUCAÇÃO
PROGRAMA DE
PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO BRASILEIRA LINHA DE FILOSOFIA E SOCIOLOGIA DA
EDUCAÇÃO
(DISSERTAÇÃO DE MESTRADO)
VERÔNICA GOMES DOS SANTOS
FORTALEZA – CEARÁ 2011
VERÔNICA GOMES DOS SANTOS
Dissertação
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apresentada
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ao
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Programa de
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Pós-Graduação
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em
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Educação
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Brasileira,
|
da
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Universidade Federal do Ceará,
realizada sob orientação do Prof. Dr. José Gerardo Vasconcelos, como requisito
final para obtenção do título de Mestre em Educação.
FORTALEZA – CE 2011
“Lecturis salutem”
Ficha Catalográfica
elaborada por
Biblioteca de Ciências Humanas – UFC
Esta dissertação foi submetida ao Programa de
Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal do Ceará como parte dos
requisitos necessários para a obtenção
do título de Mestre em Educação e encontra-se à disposição dos
interessados na Biblioteca de Humanidades da referida Universidade. A citação
de qualquer trecho é permitida, desde que seja feita de acordo com as normas
científicas vigentes.
Verônica Gomes dos Santos
BANCA EXAMINADORA
Prof. Dr. José Gerardo Vasconcelos – UFC
(orientador)
Profª. Drª Shara Jane Holanda Costa Adad – UFPI
(1º examinador)
Prof.. Dr. Raimundo Elmo de Paula Vasconcelos Júnior – UECE
(2º examinador)
Tese defendida e aprovada
À Dona Naza, minha fonte de vida.
AGRADECIMENTOS
Meus agradecimentos especiais aos
meus sobrinhos, Lucas e Gabriel, com os quais me (re) descubro diariamente.
Pela alegria infinita que eles me proporcionam a cada sorriso.
Às minhas colegas de trabalho,
particularmente Liduína, Heloísa, Élida e Auricélia, professoras da prefeitura
de Quixadá, que tanto me ajudaram a conciliar a reta final da dissertação com
as atividades laborais.
A
obscenidade é uma maneira imemorial e universal de dizer a sexualidade. Sua
finalidade não é, em primeiro lugar, a
representação precisa de atividades sexuais, mas sua evocação transgressiva em
situações bem particulares.
Dominique Mangueneau – O Discurso Pornográfico.
RESUMO
Tem esse estudo o objetivo de
investigar o processo educacional dos filhos – crianças de 06 a 12 anos - das profissionais do sexo
atuantes nas casas de prazer situadas no Centro da cidade de Fortaleza. Os
filhos das meretrizes têm direito à educação. E é um dever dessas mulheres
educá-los, juntamente com o Estado. As primeiras ações educativas exercidas
sobre os seres humanos são praticadas pela família, no local de moradia,
especialmente pela genitora. Para Simon (1999), as práticas pedagógicas dessa
população em relação aos seus filhos incitam bastante curiosidade e
questionamentos. Acredita-se nos pais como os primeiros grandes preparadores
emocionais dos filhos, influenciando no desenvolvimento dos mesmos não só
através do trabalho educativo que
desempenham, mas também como modelos de identificação, principalmente nos
primeiros anos de vida deles. A existência da prostituição é fato constante e
frequente na história da humanidade.
Também é popularmente chamada de „profissão mais antiga do mundo‟. No Brasil,
desde o século XIX, essa atividade é identificada na sociedade, mas somente em
1987, por ocasião da realização do I Encontro Nacional de Prostitutas e da criação de Associações Estaduais,
percebeu-se uma iniciativa mais estruturada de organização de um movimento
associativo próprio, preocupado com a redução do estigma, do estereótipo e da
discriminação ao redor da atividade. Preocupado também com a melhoria de
condições de trabalho e da qualidade de vida das prostitutas, e com o
estabelecimento de uma linha direta reivindicatória com organizações
governamentais e não-governamentais. Para realizar esta pesquisa, utilizou-se
como procedimentos metodológicos as narrativas das prostitutas em seus locais
de trabalho. Foram selecionadas quatro casas de prostituição para obter os
dados apresentados. Conclui-se com esta pesquisa que a educação dos filhos das
prostitutas é bastante cuidadosa e, em muitos aspectos, chega a ser bastante
conservadora. São mães dedicadas a seus filhos e bastante preocupadas com o
desenvolvimento das crianças. A ideia de que os filhos seriam negligenciados
foi excluída. Eles são bem tratados, na medida do possível.
Palavras-chave: Prostituição,
corpo, infância, família.
ABSTRACT
The objective has this study to investigate the
educational process of the children - children of 06 the 12 years - of the
operating professionals of the sex in the situated houses of pleasure in the
Center of the city of Fortaleza. The children of the prostitutes have right to
the education. E is a duty of these women to educate them, together with the
State. The first exerted educative actions on the human beings are practised by
the family, in the place of housing, especially for the genitora. For Simon (1999).
Practical the pedagogical ones of this population in relation to its children
stir up to curiosity and questionings sufficiently. It is given credit the parents as first the great emotional
preparadores of the children, influencing in the development of the same ones
not only through the educative work whom they play, but also as identification
models, mainly in the first years of life of them. The existence of
prostitution is constant and frequent fact in the history of the humanity. Also
popularly older profession of the world is called `'. In Brazil, since century XIX this activity is identified in
the society, but only in 1987, for occasion of the accomplishment of the I
National Meeting of Prostitutes and of the creation of State Associations, a
structuralized initiative of organization of a proper associative movement was
perceived more, and, worried about the reduction of the stigma, estereótipo and
the discrimination around of the activity. Also worried about the improvement
of conditions of work and the quality of life of the prostitutes, and with the establishment of a vindicative direct
line with governmental and not-governmental organizations. To carry through
this research it was used as metodológicos procedures the narratives of the
prostitutes in its workstations. Four houses of prostitution had been selected
to get the presented data. It is
concluded with this research that the education of the children of the
prostitutes is sufficiently careful e, in many aspects, arrives to be sufficient
conservative. Its children and sufficiently worried about the development of
the children are dedicated mothers. That idea of that the boys were neglected
was excluded. They well are treated, in the possible measure do.
Words Key: prostitution, body, infancy, family.
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
Figura 5:
Garota de programa que atua no Centro de Fortaleza..................................... 31
Figura 6:
Garota de programa que atua no Centro de Fortaleza..................................... 32
Figura 7:
Garota de programa que atua no Centro de Fortaleza..................................... 32
Nota do Blog: Essas figuras se encontram na página da UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ: http://www.repositorio.ufc.br
1. EM BUSCA DO PRAZER – O INÍCIO DE UMA PESQUISA
O mundo da
prostituição já mexia comigo, antes mesmo de eu pensar em pesquisar acerca do
tema. Sempre achei a profissão/atividade atraente. Sexo, dinheiro, orgias,
contatos. Essa quebra de regras e modelos sempre me seduziu.
No entanto, o
interesse pelos filhos das prostitutas surgiu quando presenciei uma conversa
entre garotas de programa sobre as necessidades de cada uma delas, que vinham
de uma espécie de seleção para trabalhar numa casa de strip. Thaís, 21 anos,
disse que precisava daquele trabalho para comprar um carro. As outras duas
disseram: “a gente precisa mais!” E Thaís indagou: “Por quê?” A resposta foi:
“Porque a gente tem filho pra criar”.
A distância
entre a realidade de Thaís e das outras garotas era enorme. Foi então que
resolvi iniciar uma pesquisa focada nessas crianças.
A princípio,
pensei em estudar a APROCE (Associação de Prostitutas do Ceará), uma vez que lá
já se encontrava tudo organizado, mas quando iniciei as visitas nas boates,
constatei que nenhuma das garotas que se prostituíam nos locais do meu
interesse era ligada à referida associação. Decidi ir a campo. Ver de perto o
mundo da prostituição. Invadir seus labirintos. Vasculhar suas entranhas.
Correr o risco que o estranhamento pode proporcionar quando se tem contato com
o diferente. Não foi um contato tão tranquilo. Entretanto, o risco da pesquisa
acompanha o risco da vida quando se percebe que a pesquisa é feita com o
cérebro e com a paixão propulsora de significados.
Dividirei essa primeira parte em três momentos:
Inicialmente
apresento o meu contato inicial com esse mundo tão complexo e singular da
prostituição. Não deixei, é claro, de inventar meu próprio mundo e minhas
expectativas.
Em seguida,
demarco o meu objeto de estudo. Reconto esse mundo e me arrasto e perco em seus
caminhos.
Na terceira
parte, apresento as lentes da pesquisa. Os procedimentos metodológicos de
investigação.
No capítulo
intitulado o corpo da prostituta, procuro caracterizar o conceito de
prostituição no cenário local. Favores sexuais em troca de algum benefício.
No capítulo
seguinte, que denominei Profissão: Garota de Programa, tenho a pretensão de
expor o próprio conceito de profissionalização da prostituição e seus entraves
pelo estado.
Na sequência, o
capítulo denominado Prazeres da difícil vida fácil. É nesse capítulo que
apresento algumas narrativas e depoimentos coletados entra as garotas de
programa que passam a envolver a vida e as expectativas em relação a
prostituição.
Em seguida
abordo as transformações dos modelos familiares para então situar o lugar das
mulheres chefes de família.
Finalmente, trato da relação
entre a prostituição, a infância, a educação e a família.
1.1
O contato inicial
Resolvi
caminhar pelos estabelecimentos do Centro da minha querida cidade, buscando me
apropriar da realidade daquelas garotas que tanto me faziam refletir. E lá
encontrei:
Aqui strip tease diariamente, a partir das 18h,
dizia o cartaz de um cine
privê no centro da capital cearense. O nome do referido estabelecimento lembra
um antigo cinema de Fortaleza que veiculava sua imagem à reprodução de filmes
pornôs. O antigo cine Jangada. Essa nova edição situada nas proximidades da
praça da estação reescreve as conexões com os velhos atores e transeuntes da
cidade. O que se poderia esperar de um cinema que transita entre a ficção e a
realidade. Entre o mundo de imagens e os espetáculos que reproduzem ao vivo a
magia de um ato sexual que pode até ser partilhado pelos partícipes da cena.
Um sábado qualquer do ano de 2008 às 18h.
A artista – uma
jovem de aproximadamente 20 anos, cabelos longos tingidos de loiro, bastante
voluptuosa – prepara-se para o tão esperado SHOW. O cenário cuidadosamente
arrumado. As mesas distribuídas pelo salão. Homens saindo do trabalho e travestis circulam pelo cenário
esperando o grande momento nesse território de
prazer.
No camarim, uma
dose de Martini para facilitar a desinibição. Salto alto. Vestida para matar.
Matar de vontade. Provocar desejos sexuais à plateia. A busca pelo
reconhecimento e a trama que esconde a intenção. Intenção de terminar o mais
rápido possível o espetáculo que se consolida com o ato sexual.
“Reze pra subir
logo alguém no palco” – disse a garota. Percebe-se que ela prefere que o show
termine o mais rápido possível, revelando, discursivamente, um enorme desprazer
naquele território do prazer.
A garota
lubrifica-se artificialmente. Enfeita-se nos mínimos detalhes. Arruma os
cabelos mais uma vez. Reflete sua imagem no espelho. Perfuma-se. Acondiciona
mais uma vez o decote da roupa – ou quase sem roupa. Arruma o elástico da
calcinha presa nas ligas vermelhas.
Às 18:30h, eis
que surge no palco a “stripper” pronta para mais um dia de trabalho. Uma artista que lança seu corpo
ao palco sob os aplausos da uma plateia masculina ávida de prazer. A garota artista
também prostituta encontra nos espetáculos os clientes que a buscaria logo após
a cenografia.
Olhares atentos. Silêncio!
Um som de motel
se espalha pelo salão. Suave, sensual e conectado ao bailado da garota. As
batidas aceleram. O movimento acelera as emoções e as batidas do coração. Todos
ficam acelerados. É a música que comanda o cenário e invade os tímpanos e os
lugares de cada um naquele território de prazer
Onde estão as roupas?
E quem se
importa com as roupas? Nesse momento, o mais importante é o corpo despido. Os
movimentos do corpo em compasso com a música e a dança da sexualidade que todos
esperavam. Ou como diria Foucault,
Como resposta à revolta do corpo,
encontramos um novo investimento que não tem mais a forma de
controle-repressão, mas de controle-estimulação: fique nu... mas seja magro,
bonito, bronzeado. (FOUCAULT, 1986, p. 147).
Alguém sobe ao
palco. O ato sexual se realiza. Lambidas pelo corpo. O silêncio parece se
compadecer e compartilhar com o prazer coletivo que vai se delineando pelo
salão. Ela parece feliz. Pode ser uma personagem. Pode ser a constituição de
prazer programado. Pode ser uma escolha revestida de gozo. Não se sabe o que
ela pensa. Apenas observa-se a prática. Admira-se o lugar de partilha. A
penetração devidamente cuidada pelo látex do preservativo.
O orgasmo masculino enfim é concluído.
Aplausos.
Gritos. Chega de silêncio! Agora é a vez do barulho. Acabou? Nada disso. É
somente o início do grande espetáculo. O prazer partilhado pelos olhares
masculinos pode agora ser experimentado individualmente.
Ela se dirige ao
camarim. Uma fila de clientes vai se formando. Todos aguardam aquele corpo provocante
expostos aos olhares. Ela partilha individualmente com os clientes a
possibilidade de prazer. Um, dois, três... dez, muitos clientes.
Inicia-se o atendimento individual.
Após alguns
minutos, finalmente o último da fila. Ufa! Tudo acontece muito rápido. Ela acha
que durou uma eternidade.
Às 19:30h, final do expediente. Tchau pessoal.
Alguém propõe: “Vamos sair pra jantar?”
“Não. Obrigada. Meus filhos me esperam em casa. Não posso demorar.”
E sai sozinha pelas ruas do centro
da cidade em busca de uma condução que a
leve para casa.
É notório que em nossa sociedade a
prostituição seja alvo de discriminação e estigmatização social.
Enquanto o estranho está à nossa
frente, podem surgir evidências de que ele tem um atributo que o torna
diferente de outros que se encontram numa categoria em que pudesse ser
incluído, sendo, até, de uma espécie menos desejável – num caso extremo, uma pessoa
completamente má, perigosa ou fraca. Tal característica é um estigma,
especialmente quando seu efeito de descrédito é muito grande (...) (GOFFMAN,
1988, p.12).
A família da prostituta também carrega esse estigma, particularmente os
filhos.
O termo estigma, portanto, será
usado em referência a um atributo profundamente depreciativo, mas o que é
preciso, na realidade, é uma linguagem de relações e não de atributos. Um
atributo que estigmatiza alguém pode confirmar a normalidade em outrem, portanto
ele não é, em si mesmo, nem honroso nem desonroso. (GOFFMAN, 1988, p.13).
Sob um estigma moralizante, ela é a puta que pariu e ele é o filho da
puta.
Pode-se
perceber, assim, o pesar da condição de se ter uma meretriz como mãe. Ser filho
de prostituta não é como ser filho de médica, de advogada, de professor ou de
mecânico. Como é ser filho de prostituta? O que a sociedade oferece para eles?
E as mães? O que oferecem? A médica sentiria orgulho ao ver sua filha cursando
medicina. O mecânico ensina o ofício ao garoto desde pequeno. A prostituta
deseja que suas filhas sigam os passos da mãe no quesito trabalho?
São inúmeras as agressões
verbais sofridas pelos meninos e meninas com essa estrutura familiar. Alguém
já viu nome de filho de prostituta com nome júnior?
O escárnio, o
preconceito, a falta de consideração por parte da sociedade é algo temeroso.
Existem muitas meretrizes casadas, com parceiro fixo, com um namorado. Com uma
família para sustentar. Obviamente, em alguns casos não se sabe quem é o pai da
criança, todavia essa situação também permeia o universo das não prostitutas.
(...) infelizmente nos deparamos
continuamente com as discriminações e as nefastas alternativas que a sociedade
oferece a esta "categoria de pessoas" que são os filhos de
prostitutas. (MORGANO, 2009).
Mesmo que o Estatuto da Criança e do Adolescente assegure no Art. 5º:
Nenhuma criança ou adolescente será
objeto de qualquer forma de negligência, discriminação, exploração, violência,
crueldade e opressão, punido na forma da lei qualquer atentado, por ação ou
omissão, aos seus direitos fundamentais.
As crianças
ainda sofrem discriminação pela escolha da profissão da mãe. A prostituição é
uma afronta à família, mesmo que as diversas pesquisas sobre o tema mostrem que
ela existe para que a família também possa existir.
O tema
„prostituição‟ é bastante polêmico, tanto no nível acadêmico como nas demais
instituições, por exemplo, na escola. Trabalhar com ele requer bastante
atenção e cuidado, inclusive com as
abordagens adotadas. Até a terminologia „profissional do sexo‟ é usada com o
intuito de reconhecer as garotas de programa como profissionais, adotada pelos
movimentos sociais que lutam pelos direitos e pelo devido respeito dessa
categoria.
Com isso, a prostituta ganha
liberdade de exibição, controle da própria vida. O desprezo por ela tenderá a
diminuir. Ela se tornará, insensivelmente, uma trabalhadora do sexo e não
encarnação do vício. (ADLER, 1991, p. 198).
O que muitas
vezes se percebe é o discurso de que o meretrício se constitui num mal para a
sociedade. Isso precisa ser superado. De acordo com os estudos de Guedes sobre
a prostituição no centro de Fortaleza no período de 1930 a 1940, já se pode
detectar esse comportamento.
Conter no espaço urbano,
comportamentos considerados imorais e desordeiros que eram, muitas vezes,
relacionados à prostituição. Citada em jornais da cidade como alvo de atenção.
No cotidiano das
ocorrências policiais e dos jornais
de Fortaleza, percebe-se que as prostitutas eram presas por estarem paradas
antes de dez horas da noite em lugares considerados familiares (GUEDES, 2002,
p.55).
Esta pesquisa
não pretende incentivar a representação negativa do tema. Nem apoiar
necessariamente essa prática, e nem ao menos levar à salvação o mundo do
meretrício. A produção de conhecimento aprofundado sobre o assunto ainda é
deficiente, pouca coisa foi encontrada a respeito dos filhos das prostitutas,
Muito ainda permanece reprimido e
proibido a respeito do tema prostituição. Para que falar nisso? Para que tentar
contar a história dessas mulheres que, por definição, como disseram alguns, não
tinham história? (ADLER, 1991, p. 201).
E tal produção
poderia colaborar com a discussão acerca do tema e também para programas
realmente eficazes de assistência e proteção a esse segmento. Ao mesmo tempo, o
que se põe em questão é a liberdade e igualdade dos seres humanos.
Uma certa produção intelectual,
possuindo algumas vertentes com características acadêmicas, muito tem falado
sobre a prostituição, mas pouco apresentou acerca das práticas e discussões
próprias das prostitutas. (MORAES Apud MELO, ).
1.2
Objetivos
O objetivo desta
pesquisa é investigar o processo educacional dos filhos – crianças de 06 a 12 anos – das profissionais
do sexo atuantes nas casas de prazer situadas no Centro da cidade de Fortaleza.
Além disso, estendo o meu olhar sobre o corpo e a cena das mães prostitutas.
Amores contidos, cenários marcados pela embriaguez profundamente encenada pelo
discurso pornográfico. Para tal, procuramos investigar:
·
A influência do exercício do meretrício na
educação dos filhos;
· O
discurso das prostitutas em relação à educação de seus filhos;
· As perspectivas de mães profissionais do sexo acerca da educação de
seus filhos.
O termo „educação‟ tem sentido amplo. Trata-se de educação formal e não-formal.
Segundo Durkheim (1978),
A educação é a ação exercida, pelas
gerações adultas, sobre as gerações que não se encontrem ainda preparadas para
a vida social; tem por objeto suscitar e desenvolver, na criança, certo número
de estados físicos, intelectuais e morais, reclamados pela sociedade política,
no seu conjunto, e pelo meio moral a que a criança, particularmente se destine.
O senso comum
aponta que os filhos das mulheres que trabalham com o sexo se encontram na rua,
não tem boa índole, que as filhas estão sujeitas a seguirem a mesma profissão -
já que as crianças tendem a se espelhar nos pais -, que muitas crianças que
vivem em orfanatos são descendentes dessas profissionais. E ainda que, elas não
cuidam nem de si, muito menos de seus filhos.
(...) um indivíduo que poderia ter
sido facilmente recebido na relação social quotidiana possui um traço que
pode-se impor à atenção e afastar aqueles que ele encontra, destruindo a
possibilidade de atenção para outros atributos seus. Ele possui um estigma, uma
característica diferente da que havíamos previsto. (GOFFMAN, 1988, p.14).
Pretende-se com
esta pesquisa, assim, de certo modo, desmistificar essas características do
grupo supracitado.
As prostitutas não pensam apenas
nelas próprias quando trabalham na indústria do sexo - a maioria delas também é
mãe. Ganhar dinheiro suficiente para criar os filhos independentemente dos
homens é o tema que surge continuamente nas motivações das prostitutas.
(ROBERTS, p.384)
De acordo com Fábregas (2000),
pode-se dividir os locais de prostituição em públicos e privados. A
prostituição de Domínio Público se refere a espaços abertos como: praças, shopping centers, banheiros,
fliperamas, parques e ruas. Já a
prostituição de Domínio Privado trata de casas de massagem, agências de acompanhantes e saunas, apartamentos
privês, boates, salas de vídeo e bares,
anúncios.
A pesquisa foi
realizada em espaços de domínio privado e, ao mesmo tempo, de domínio público.
Participei dos lugares de permanência das garotas de programa e pude vislumbrar
os sentidos que se imprimem nos corpos dessas mulheres. Silêncios e códigos de
conduta. Medos e expectativas. Modos singulares de encarar a vida.
Para este
trabalho, foram entrevistadas 05 garotas de programa, que atuavam em espaços
privados no bairro central de Fortaleza. Seus nomes são aqui substituídos por
pseudônimos, a saber: Amanda, 27 anos e um filho de 11 anos; Débora, 25 anos e
01 filho de 07 anos; Gabriela, 28 anos e duas garotinhas, uma de 06 e outra de
11; Laura, 27 anos, também com duas
filhas de 06 e 09 anos; e Luci, 25 anos, com uma filha de 06 anos e outra de
01. Escolhi quatro espaços para frequentar e assim obter as informações necessárias
para a realização desta pesquisa. Eu já conhecia algumas garotas de programa,
que também faziam strip-tease, isso facilitou a minha entrada nos
estabelecimentos. As meninas circulavam entre esses espaços, além de outros que
funcionam no centro da cidade de Fortaleza. A escolha não foi totalmente
aleatória. Na realidade esses espaços consolidam os novos lugares de
prostituição do centro da cidade. Oferecem vários serviços relacionados ao sexo
e movimentam no imaginário masculino a grande máquina do prazer.
O primeiro
funciona como cine, bar e ainda possui cabines individuais gratuitas. Há
apresentações diárias de streep-tease aproximadamente às 19 horas, seguido de
sexo explícito. O local funciona das 11h00min as 20h30minh. Algumas meninas
ficam no recinto apenas um expediente, outras passam o dia inteiro, isso varia
com base na disponibilidade da jovem. O estabelecimento mudou de nome. Quando
iniciei a pesquisa, esse estabelecimento era chamado de Cine Jangada e estava
situado na Rua General Sampaio, outra rua do centro da cidade de Fortaleza. Em
2010 é fechado e reabre com outro nome muito parecido Cine Janga.
O segundo já
existe há anos. Bem localizado. Na entrada, uma lanchonete; passando por um
estreito corredor, depara-se com um salão rodeado por mulheres do sexo e homens
sedentos. Também há shows de streep, mas esses ocorrem quando um cliente
solicita. É ele quem paga diretamente à dançarina/prostituta. Acontecem muitos
shows durante a noite. É um dos espaços mais antigos do centro em
funcionamento.
O terceiro
espaço escolhido fica ao lado do anterior. As normas da casa são semelhantes e
as portas se abrem em torno das 18 horas. Como descreve Vasconcelos (2010, p.
276 – 277):
Referido salão é revestido de
grandes cartazes de dançarinas em trajes menores. Um bar, situado à esquerda
acoplado ao caixa e sobre o bar o comando de som. As músicas são escolhidas
pelas artistas dançarinas, que se montam em fantasias sensuais que possibilitem
a flexibilidade da dança. Nem todas fazem programas com seus clientes. Algumas
preferem tirar a roupa e dançar em pleno salão e ser vista por todos que ali
circulam no momento. (VASCONCELOS, 2010, p. 276 – 277).
Nos locais visitados, sempre havia
novas garotas, novos olhares. Grande parte era conhecida, pois circulam nas várias
casas de prostituição do centro da
cidade. Tudo depende da necessidade e oportunidades que se vão
constituindo nesses espaços, que são profundamente voláteis em relação ao
público masculino e a participação feminina. Ou como bem percebe
Oliveira (2010, p.
266), ao estudar os territórios de
prostituição em Teresina e apresentá-los como territórios flexíveis. Aqueles
que se são preservados no interior da cidade, mas para se proteger da
concorrência se movimentam em praças e ruas da cidade.
O quarto espaço
pesquisado e também situado no centro de Fortaleza é o Cine Club Majestick.
Reedita o nome de um antigo cinema de Fortaleza, o Majestick, e aproveita o
espaço de outro antigo cinema, o Fortaleza. Os espetáculos consistem em show de
streep e, em seguida, o sexo explícito com algum cliente. Além de um narrador
que atua movimentando o show.
Quem vem aí, essa morena é
saradona, linda, maravilhosa, não é nada mais, nada menos do que a Bia. Vamos
aplaudir galera, porque ela merece. (Locutor)
O Majestick traz garotas lindas
para você e um sexo gostoso, todas as quintas, sextas, sábados e domingos a
partir das 19h30min. Além de você ver o show ainda pode participar subindo no
palco. Isso tudo por apenas 5,00 reais. Ainda temos cinema e serviço de bar.
(Locutor)
Nas várias
conversas que tive com meninas de programa, eu até me esquecia que estava
fazendo pesquisa. O papo tão descontraído tornou a pesquisa mais prazerosa.
Ganhei algumas amigas. Recebi propostas de programas. Conheci muitos clientes
que me confundiam com as garotas de programa. Eu não podia ser indelicada e
acompanhava a conversa que sempre terminava quando eu dizia que não trabalhava
ali. Nem sempre dizia aos clientes que eu era pesquisadora tentando fazer a
minha dissertação de mestrado. Já em relação às meninas, sempre vinha alguma
dica. Parece até que se esqueciam que eu não era uma concorrente e às vezes
vinham com um cliente para mim. Como sempre, eu tinha que me sair de alguma
forma com muito jeito e dizer o mesmo de sempre, que eu não era garota de
programa. Produzir conhecimento no mundo da prostituição é sempre algo muito
delicado. É necessário o estranhamento, o desconhecimento ou como afirma Adad
& Vasconcelos (2008, p. 216): Transver
ou estranhar o mundo é abandonar o conhecimento consagrado.
Entende-se que
o processo de pesquisa é algo inconcluso. Muitas questões que foram
apresentadas no projeto de pesquisa foram redefinidas no momento da coleta de
dados e até na análise deles. Isso se deve por vezes às escolhas do pesquisador
e aos novos conceitos e fontes que passam a ser apropriados. Não somente na
escolha dessas fontes que são coletadas, mas, principalmente, nos relatos que
se tem à disposição e, principalmente, na linguagem que se utiliza para dizer o
que se coletou e se utilizou na pesquisa. Nesse caso, a opção segue os rastros
de uma pesquisa etnográfica.
As lembranças e narrativas
poderiam ser largamente utilizadas nesse tipo de pesquisa, já que a nossa
pretensão não é produzir a verdade sobre a prostituição, mas entender o sentido
que as garotas de programa imprimem ao ato de prostituição e as suas mais variadas formas. Entre lembrança,
esquecimento e discurso movimentam-se grandes fendas que podem ser apropriadas
de formas diferentes. Conforme Ferreira:
As distorções da memória podem se revelar mais um recurso do que um problema,
já que a veracidade dos depoimentos não
é a preocupação central. (FERREIRA, 1994, p. 10).
A pretensão
desta pesquisa, com a utilização de procedimentos etnográficos., seria também
de realizar um acompanhamento sistemático das crianças filhas das prostitutas,
no espaço privado ou educacional, o que possibilitaria uma rica coleta de dados
além da utilização do diário de campo – peça fundamental – para registrar o
cotidiano da prostituição.
(...) onde deve ser feita a
entrevista? (...) Em geral, o melhor lugar será a sua casa. Isso é
particularmente verdadeiro no caso de
uma entrevista centrada na infância ou na família. (THOMPSON, 1992,
p.265).
Esse olhar a
partir do cenário ou espaço privado registrados etnograficamente possibilitaria
a elaboração de códigos, discursos a ações que seriam capturados no interior da
própria coleta de dados. Como diria Malinowski:
(...) quanto maior for o número de
problemas que leve consigo para o trabalho de campo, quanto mais esteja
habituado a moldar suas teorias aos fatos e a decidir quão relevantes eles são
às suas teorias, tanto mais estará bem
equipado para o seu trabalho de pesquisa (1984, p. 22).
O diário de
campo teve grande importância nesta pesquisa. Os registros atividades das mães
prostitutas foram descritos pela etnografia e iconografia. Descrição de
movimentos, gestos, personagens, linguagem das garotas. A utilização dos
instrumentos e suas descrições. Além de possíveis conflitos que se
estabeleceram nesse cenário e os ensinamentos que se apresentaram nas conversas
que acompanhadas no cotidiano.
Como diria Malinowski:
Na etnografia, o autor é, ao mesmo
tempo, o seu próprio cronista e historiador; suas fontes de informação são,
indubitavelmente, bastante acessíveis, mas também extremamente enganosas e
complexas; não estão incorporadas a documentos materiais fixos, mas sim ao
comportamento e a memória de seres humanos (1984, p. 18).
Os dados foram
analisados utilizando a transcrição das entrevistas semi- estruturadas
produzidas com as mães prostitutas. Esse processo permite ao pesquisador ir
reagrupando a entrevista com os destaques que se fixam na linguagem dos
próprios narradores.
2.
O CORPO DA PROSTITUTA
"Mulher da vida, Minha irmã. De todos os tempos.
De todos os povos. Ela vem do fundo imemorial das idades e carrega a carga
pesada dos mais torpes apelidos e apodos: Mulher da zona, Mulher de rua, Mulher
perdida, Mulher à toa." (Cora Coralina)
A prostituição
pode ser definida como a troca consciente de favores sexuais por interesses não sentimentais ou afetivos. Esses interesses podem ser dos mais diversos, porém o mais habitual é
o dinheiro.
Para Sousa não se pode querer abordar um estudo sobre a
prostituição desprezando aspectos que podem parecer exóticos, pecaminosos ou
imorais (1995, p. 67).
A prostituição
se abriga nos territórios de desejos espalhados pela capital do Ceará. Desejo
de prazer, desejo de poder, desejo de sexualidade.
Tiradentes afirma que
A prostituição, em sentido lato,
tem sido compreendida como um estado de
promiscuidade sexual, em que os fins de concupiscência sobrepujam os da
procriação. Neste sentido, alguns autores afirmam sua existência mesmo entre
antropóides e outros animais. No entanto, em sentido estrito, a prostituição
refere-se à prática do ato sexual com fins de lucro (p.27).
As cortesãs, nós as temos para o
prazer; as concubinas, para os cuidados de todos os dias; as esposas, para ter
uma descendência legítima e uma fiel guardiã do lar. (DEMÓSTENES Apud FOUCAULT, 1994).
A prostituta
geralmente é vista sob duas ópticas: a mulher fatal e a vítima. A figura da
mulher fatal, que entende tudo sobre sexo, que é capaz de levar um homem à
loucura na cama, insaciável e bela é uma das imagens da trabalhadora do sexo.
Diante de todos esses atributos, as prostitutas são temidas pelas
esposas. Essa mulher
fatal é
“sensual e misteriosa como os
labirintos da cidade, porém dotada de extremo controle sobre o próprio corpo”
(RAGO, 1991. p. 203). Aqui se encaixa a figura da mais bela cortesã do Rio de
Janeiro do século XIX descrita por José de Alencar, Lucíola.
Elas escolhem
com quem sair, e estipulam o preço que achar conveniente. Não são exploradas
por cafetões ou cafetinas. Por outro lado, há a imagem de vítima. Aquela que
não está ali porque quer, mas devido às condições sociais não teve alternativa.
E é explorada pelo mercado. “... a prostituta traduz um ideal de libertação
social e sexual da mulher (RAGO, 1991, p.201).” Em busca de aventuras, de
conhecer novas pessoas, ou de novas experiências sexuais, a mulher que se
prostitui se sente poderosa ao decidir o que fazer com o próprio corpo,
inclusive vender o seu sexo. “A prostituta, de ser maléfico, passa a ser, para
alguns, um... modelo de emancipação.” (ADLER, p.199)
Para Sousa,
A conduta e os princípios
da esposa são o oposto da trabalhadora do sexo, que não apenas tem relações
sexuais com os homens casados ou solteiros, mas os ouve, os aconselha, e os
diverte. O espaço ocupado pelas meretrizes é alegre. Gargalhadas, cheiros,
música, bebidas. Um espaço verdadeiramente dionisíaco. É possível que por isso
o exercício do meretrício seja considerado uma prática transgressora. Há uma
ruptura com os valores burgueses.
Pode-se ainda
dividir categorias de prostituição em: prostituição de luxo e baixo meretrício.
As prostitutas
de classe social menos favorecida apresentam um discurso de que dentre os
motivos que as levaram a escolher tal ramo de atividade se encontra a “necessidade
de dinheiro, de ter como se sustentar e como sustentar seus filhos” (GUIMARÃES,
2008). Assim se apresenta o baixo meretrício, onde as mulheres cobram preços menores, fazem pontos em locais
públicos e comparada a outra categoria usam roupas e acessórios de baixo custo.
São mais acessíveis, menos exigentes com os clientes, e a maioria tem filhos.
Por outra via,
há prostitutas ditas como de luxo, que pertencem a uma classe social mais
elevada e/ou que possuem um nível de instrução maior, aqui se incluem as
universitárias, que cursam universidades privadas e pagam seu curso com e
dinheiro dos programas. Essas “justificam sua prática também como uma forma de
conseguir dinheiro, com a diferença que esse dinheiro é usado para satisfazer
seus caprichos, para uma ascensão à sociedade do consumo” (idem). Tanto as
vestimentas, os locais freqüentados, e as exigências feitas exibem como são
consumistas. Isso pode ser demonstrado nos inúmeros sites de acompanhantes.
Pude verificar que também os tipos de clientes dessas meninas são outros, assim
como os motéis frequentados.
Os cachês são
bem mais elevados. Algumas delas falam outros idiomas e também levam acessórios
sexuais para o prazer do cliente. Atendem homens, mulheres e casais.
Para a antropóloga Rita
Segato (Apud VARELLA et. al, ,
A existência da
prostituição é fato constante e freqüente na história da humanidade. Também é
popularmente chamada de „profissão mais antiga do mundo‟. Cada uma delas tem
seus motivos para entrar e permanecer fazendo programa.
2 Ludmila, 22 anos, 1.67m, 121 de quadris. Cachê
250,00.
A pobreza geral, a miséria
proletária, a promiscuidade das habitações coletivas, a falta de educação
profissional e de trabalho honesto, os lares desfeitos e defeituosos, o
alcoolismo paterno, a ausência de amparo material e moral à infância desviada,
tudo isso, porque é miséria ou consequência da miséria, constitui a verdadeira
causa da prostituição, a causa fundamental. (TIRADENTES, p.32)
Segundo Melo
(2001), no Brasil, desde o século XIX essa atividade é identificada na
sociedade, mas somente em 1987, por ocasião da realização do I Encontro
Nacional de Prostitutas e da criação de Associações Estaduais, percebeu-se uma
iniciativa mais estruturada de organização de um movimento associativo próprio,
e, preocupado com a redução do estigma, do estereótipo e da discriminação ao
redor da atividade. Preocupado também com a melhoria de condições de trabalho e
da qualidade de vida das prostitutas, e com o estabelecimento de uma linha
direta reivindicatória com organizações governamentais e não-governamentais.
O incômodo
ainda é muito grande em relação as prostitutas e aos lugares de prostituição.
Entretanto, não se pode fechar os olhos a existência de inúmeras vidas que se
seguem e se articular a outras tantas que participam dos prazeres e gozos de
todos os dias. A busca da legalidade, do registro, do reconhecimento
profissional se faz evidente.
2.1 O poder, o corpo e a sexualidade
Houve, durante a época clássica,
uma descoberta do corpo como objeto e alvo do poder. Encontraríamos facilmente
sinais dessa grande atenção dedicada ao corpo – ao corpo que se manipula, se
modela, se treina, que obedece, responde, se torna hábil ou cujas forças se
multiplicam (FOUCAULT, 1977, p.125).
Diz-se que no início do século VII
ainda vigorava uma certa franqueza (...) Gestos diretos, discursos sem
vergonha, transgressões visíveis, anatomias mostradas e facilmente misturadas,
crianças astutas vagando, sem incômodo nem escândalo, entre os risos dos
adultos: os corpos “pavoneavam” (FOUCAULT, 2007, p.09).
É a partir do
século XVIII que se inicia a fase de repressão sexual na sociedade. O sexo
começa a ser fiscalizado, e é apenas dentro de casa, no quarto dos cônjuges que
ela pode ser reconhecida e mesmo assim cheia de regras e recomendações.
As diversas
sexualidades eram vistas como doenças e em hipótese alguma
aceita. Às crianças foi negado o direito de ter uma sexualidade. O
discurso médico- sanitarista do século XIX serviu como base para toda essa vigilância.
De acordo com
Foucault, é a partir desse período que há uma proliferação de discursos sobre
sexo. Para ele foi o próprio poder que incitou essa proliferação de discursos
através de instituições como a Igreja, a família, o consultório médico e a
escola. Essas instituições não visavam proibir ou reduzir a prática sexual, mas
o controle do indivíduo e da população.
Dessa forma, prazer e poder se entrelaçam.
Prazer em exercer um poder que
questiona, fiscaliza, espreita, espia, investiga, apalpa, revela; prazer de
escapar a esse poder. Poder que se deixa invadir pelo prazer que o persegue –
poder que se afirma no prazer de mostrar-se, de escandalizar, de resistir (FOUCAULT, 2007, p.52).
As dançarinas
prostitutas das casas noturnas do Centro de Fortaleza, exibem seus corpos curvilíneos, suas vestimentas
provocantes, e o ar sedutor sob o som de uma música envolvente, onde se pode
observar uma forma prazerosa ao mostrar-se. Aqui também prazer e poder permeiam
o mesmo território.
Durante um
período, em um desses territórios de desejos, essas dançarinas cobravam o valor
que achassem que mereciam por um strip
tease, depois de um tempo, o dono do referido local decidiu estabelecer um
preço único pela dança de qualquer que fosse a garota. A autoridade, o poder do
patrão bane a diversidade das garotas, entre elas loiras, ruivas e negras, dos
mais variados tipos de beleza, dos mais variados motivos e necessidades para o exercício da função, como
se todas dançassem da mesma forma ou os mesmos possuíssem atributos. Afinal, há
prostitutas e prostitutas.
As fantasias
bem vendidas em sex-shops e que fazem parte do figurino do grupo citado acima,
são as de colegial e de militar. A de colegial envolve a pureza da menina que
se dedica a escola e é disciplinada. Já a de militar representa a autoridade,
inclusive pelo significado do uniforme. Espaços de tanta repressão e controle,
principalmente no quesito sexualidade. A escola e as forças armadas incitam o
desejo pela quebra do poder no momento em que esse se mistura ao sexo, pelas
indumentárias e pela fantasia.
3.
PROFISSÃO: GAROTA DE PROGRAMA
O Ministério do Trabalho e do
Emprego (MTE) intitula e descreve a profissão das garotas de programa como:
5198-05 - Profissional do sexo:
Garota de programa, Garoto de programa, Meretriz, Messalina, Michê, Mulher da
vida, Prostituta, Trabalhador do sexo.
Na descrição
sumária, encontra-se: Buscam programas sexuais; atendem e acompanham clientes;
participam em ações educativas no campo da sexualidade. As atividades são
exercidas seguindo normas e procedimentos que minimizam a vulnerabilidades da
profissão.
A presença da
profissão na Classificação Brasileira de Ocupações – CBO, gerou algumas
polêmicas no país,
Brasília, 04/05/2005 - Nas últimas
semanas, reportagens e notas na imprensa fizeram referência à presença na
Classificação Brasileira de Ocupações (CBO), do Ministério do Trabalho e
Emprego, da ocupação de profissional do sexo, como se o Ministério, por decisão
política, estivesse estimulando ou oficializando tal ocupação. Parlamentares
chegaram a tentar relacionar o fato com posições políticas, o que não cabe, por
se tratar de trabalho técnico, por sinal concluído e publicado ainda no governo anterior.
A nível de esclarecimentos o MTE publicou:
Dentre os
vários usuários da CBO, podemos citar o Ministério da Saúde e o Ministério da
Previdência Social, que associam a ocupação exercida à incidência de doenças,
entre outros usos. Por exemplo, interessa ao Ministério da Saúde identificar e
quantificar os profissionais do sexo e trabalhar junto a suas associações
nas campanhas de informação sobre as
doenças sexualmente transmissíveis (DSTs). Os resultados obtidos nas campanhas
de informação sobre AIDS fez do Brasil referência mundial de sucesso no controle
da doença A existência de um código e a organização desses profissionais
facilita tanto o trabalho dos ministérios como potencializa a eficácia dos
programas de disseminação de informações.
Tendo em vista os recentes
questionamentos envolvendo a família ocupacional 5198 - Profissionais do Sexo,
comunicamos que o MTE estará realizando convalidações/revisões, para esta e
outras famílias ocupacionais representadas no documento CBO, visando à
implementação de ajustes que, eventualmente, se fizerem necessários.
Uma medida
imprenscindível para a categoria foi atacada pela imprensa que com sua característica controladora e
preconceituosa, acaba dificultando as poucas conquistas que com tanta luta as
postitutas buscam. O estigma que exclui tantas mulheres e tantas outras categorias,
(...) acreditamos que alguém com um
estigma não seja completamente humano. Com base nisso, fazemos vários tipos de
discriminações através das quais efetivamente, e muitas vezes sem pensar,
reduzimos suas chances de vida. (GOFFMAN, 1988, p.15).
Durante o período
da pesquisa, pude observar o constante interesse da mídia no tema da
prostituição. Alguns locais que foram acompanhados nesses anos tiveram que ser
fechados e/ou readaptados, pois tinham características de exploração sexual.
Emprego no
Brasil é difícil, apesar das estatísticas mostrarem que as taxas de desemprego
estão diminuindo.
Ser prostituta
não requer nenhuma qualificação técnica. Para ter sucesso profissional, um
corpo aparentemente saudável e muita disposição sexual são suficientes. Outro aspecto também
observado é o investimento que as meninas fazem para manter o visual atraente.
Elas precisam comprar roupas insinuantes e sapatos de salto alto. Uma boa
maquiagem não pode faltar. O cabelo também precisa estar em ordem. Unhas e
depilação em dia.
Falta de
emprego e facilidade para entrar na prostituição são os fatores que contribuem
para que se encontrem tantas meninas nesse universo.
Em uma entrevista realizada por
Roberts (1998), uma prostituta se posiciona: (...)Não vamos fazer o que se
espera que façamos, não vamos nos sujeitar como mulheres da classe
trabalhadora. (...)Por que não podemos também seguir nosso próprio caminho e
ser independentes? E ganhar dinheiro, e conseguir uma vida melhor para nós
mesmas e para nossos filhos? (Roberts, 1998, p.384).
4.
OS
PRAZERES DA DIFÍCIL VIDA FÁCIL
“A
questão é tão espinhosa que as tentativas para defini-las serão múltiplas e
algumas
vezes, contraditórias...” (SOUSA)
“Tem gente que
diz a nossa vida é fácil, mas não é. A nossa vida é muito difícil”, desabafa Ana, 24 anos.
“Não consigo
sentir prazer na hora do sexo, procuro pensar em outra coisa na hora.”, diz
Thaís, 21 anos.
“Ás vezes consigo gozar, tem uns clientes que
são carinhosos.” Ana, 22 anos. “O prazer é no final, quando recebo o cachê”.
Susy, 25 anos.
O universo da prostituição não
abriga apenas o prazer, nas declarações de algumas garotas de programa
observa-se a dura realidade da vida delas. São inúmeros os meios para contratar uma prostituta, e a
cada encontro nenhuma delas sabe ao certo o que acontecerá. O gerente
entrevistado também acha que é muito
arriscado, elas nunca sabem quem vão encontrar pela frente. Débora afirmou
que não gostava de colocar anúncio no jornal, para ela é muito perigoso, tenho medo. Aqui pelo menos tem muita gente, se
acontecer alguma coisa comigo vão logo ficar
sabendo.
Amanda mesmo achando arriscado, planeja.
Eu acho que eu vou colocar anúncio no jornal, mas tenho que arranjar um lugar
pra levar os clientes. Aqui não, porque se eu trouxer pra cá as meninas tomam,
e lá em casa não dá, né? Com meu filho lá? Não tem condições.
Drogas, álcool,
violência e discriminação fazem parte desse universo. Numa das casas de
prostituição visitadas, a
uso de drogas
era explícito, e
várias garotas
„precisavam‟ para que pudessem „aguentar‟. Para
suportar a noite que acabara de iniciar e que poderia ser rentável ou não.
Uma nova característica do
esterótipo da prostituta no século XX
tem sido a imagem da “prostituta drogada” – a mulher dependente de droga,
vítima potencial, que comercializa o sexo para sustentar o seu vício (ROBERTS,
1998, p.391).
Contando um
pedacinho de sua história Gabriela diz como foi seu ingresso no mercado do sexo
e fala sobre drogas,
Não obstante, saltar para a
conclusão de que a prostituta “típica” é
uma viciada em heroína será um erro: Dado o uso difundido das drogas na
sociedade, duvidamos de que haja muita diferença na percentagem de mulheres
prostitutas viciadas em drogas e na percentagem de outras pessoas viciadas em
drogas.” (p.391).
Existem muitos
tipos de pessoas levando dessa forma aos vários tipos de prostitutas. Em seus
estudos, Sousa obteve de uma prostituta a seguinte declaração: “Existe a
prostituta pra se drogar, existe a que se droga pra se prostituir.”
Quando
conversava com Amanda sobre a possibilidade de sair da prostituição ela respondeu:
É mais fácil sair quando não é
viciada. Eu, por exemplo, sou viciada em bebida. Eu bebo muito. Não vou
trabalhar à noite porque eu sei que eu
vou beber muito. Ás vezes, os clientes pagam bebida pra gente, mas quando não
tenho cliente pra pagar eu acabo gastando meu dinheiro.
Nas casas que frequentei para
realizar este estudo, o streep estava associado à prostituição e a dança do poste
incentiva as jovens a cuidarem mais do corpo.
A dança, ou seja, o streep melhorou muito, pois
ajuda as meninas a ter certa disciplina, induz a não beber, não se drogar, a
cuidar mais do corpo, né? Quando eu não dançava, eu bebia muito, meu corpo era
horrível. (Aline).
Amanda e
Gabriela também praticam outra atividade física, a musculação, que contribui
para o bem estar físico e mental.
Nesse meio
nunca se sabe, nada é certo, tudo é um risco. O preservativo, como as
propagandas pregam, não é determinante para um sexo seguro.
Grande parte dos clientes que
procuram os serviços dessas garotas é casada. Amanda e Laura já usaram o estado
civil de clientes como escudo: Várias
pessoas da minha rua já me viram lá (se referindo ao local de
prostituição), mas como eram casados não
podiam falar nada. Eu não digo no meu bairro que faço programa, mas já vi um
monte de gente de lá. (Amanda).
Uma vez eu encontrei um vizinho meu. Ele é casado. Eu não falei nada. E
ele também não podia falar, porque a mulher dele não podia saber que ele
freqüentava (Laura).
Os clientes são grandes colaboradores. Sem eles não seria possível.
A mulher pública foi marcada com ferro em
brasa: proscrita e entregue a seus perseguidores; apenas ela, mas nunca o homem
– seu parceiro com igual responsabilidade.
(Flexner apud Adler, 1991: 200)
Com o intuito de finalizar a
dissertação, marquei com uma garota de programa que já não via há seis meses,
dias antes de entregar o trabalho.
Marcamos no
coração do Centro da cidade, próximo ao um dos principais pontos estudados
durante a pesquisa, gostaria de registrar a mudança de endereço e do nome do
estabelecimento. Para minha surpresa e satisfação, ela também havia marcado com
outras garotas, que eu não conhecia, e ao se aproximarem surge o comentário:
“Quem vê assim nem parece que é puta” (Grazielle, 22 anos), referindo-se às vestimentas de
Laura*, 27 anos. Ela usava uma calça preta e
uma camiseta da mesma cor. Sandália baixa. Não usava maquiagem. As demais
estavam com roupas minimalistas.
As meninas
estavam em frente ao local de prostituição, onde também funciona um sex shop.
Adentrando o território da prostituição, encontrei rostos conhecidos e outros
novos. Algo que sempre esteve presente em minhas observações foi essa questão.
Sempre há novas meninas no mercado. Mesmo que a sociedade considere a
prostituição como algo sujo e maléfico, na oferta desse serviço sempre há novidade.
As meninas que
Laura levou para conhecer o estabelecimento foram receptivas, apesar de num
primeiro momento acharem que eu também ia fazer programa. Isso ocorreu inúmeras
vezes. Graziele, uma das moças perguntou onde eu trabalhava, e eu falei que era
professora. Ela soltou: Ah, você trabalha
normal, né? Revelando o próprio conceito que essas mulheres têm de si
mesmas.
Ademais, os padrões que ele
incorporou da sociedade maior tornam-no intimamente suscetível ao que os outros
vêem como seu defeito, levando-o inevitavelmente, mesmo que em alguns poucos
momentos, a concordar que, na verdade, ele ficou abaixo do que realmente
deveria ser. (GOFFMAN, 1988, p.17).
Os clientes,
das casas estudadas, que não me conheciam, também achavam que eu fazia
programa. Afinal, o que uma mulher vai fazer num local onde o sexo impera? Bem,
eu tinha uma pesquisa para fazer. Com um tempo, quando eu já estava acostumada,
até me divertia com a situação. Já não era tão assustador ser confundida com
uma garota de programa, já que eu estava num ambiente onde todas as meninas
faziam a vida. Em alguns momentos, isso até levantava minha autoestima.
As garotas da
casa olharam as “rivais” dos pés à cabeça. Elas se sentem ameaçadas com a
presença de novas garotas. Laura entrou numa espécie de camarim e foi se
produzir para a noite.
Enquanto isso, aproveitei para conversar com o gerente
da casa. Ele logo me deu notícias de Carol, uma garota de programa que conheci
antes de iniciar o mestrado, Lembra da
Carol, uma loirinha? Eu falei que sim. Ela
agora é trocadora, saiu dessa vida. Arranjou um namorado. Toda tarde ela tá lá,
na topic, e a noite ela faz um curso de enfermagem.
Carol saiu da
prostituição. Pode ser que ela volte, pode ser que não. Muitas voltam. O gerente do local deu a sua opinião a
respeito:
É muito difícil. Elas se acomodam.
Chegam aqui, ganham dinheiro fácil e gastam fácil também. Tem dia que apuram
100, 150, 200, mas tem dia que só ganham 30, 50. O problema é que elas se
acomodam.
Nessa hora eu
comentei com ele que muitas das meninas que conheci há uns quatro anos atrás
continuam. E ele completou:
Durante a
conversa a dançarina da noite chegou. Num primeiro momento eu realmente achei
que ela não era prostituta. O rostinho de anjo escondia a fera que existia nos
seus quadris. Pude constatar isso durante a dança.
Dançou. Pegou o dinheiro e foi embora.
Outro aspecto
que me causava curiosidade era o relacionamento amoroso entre essas mulheres.
Laura quando indagada sobre namorados:
Eu nunca arranjei namorado,
acredita? Eu tava ficando com um rapaz aí, mas era só por interesse. Não era
por dinheiro, era porque eu queria que ele arranjasse um emprego pra mim. Dei o
meu currículo pra ele. E tava saindo pra
ele me ajudar. Mas nem valeu a pena. Ele não arranjou foi nada.
Perguntei então se ele sabia que ela fazia programa, a resposta foi:
No começo não. Mas parece uma coisa, toda vida
ele me via na Pedro
I. Só me via naquela rua passando. Eu dizia q ia
visitar uma amiga minha, que eu realmente tenho uma amiga que mora por ali. Mas
um dia ele me viu saído do motel com um velhinho. Ele perguntou e eu disse que
não era programa não. Mas Acho que o velho contou pra ele (risos). Depois ele
ficou me ligando e eu não atendia. Não gostava dele. Era como um cliente. Só
queria o emprego mesmo.
Ainda sobre possíveis namorados ouvi essas declarações:
Nunca mais
arrumei um namorado fixo. Tenho medo que algo possa acontecer a elas. Isso não
quer dizer que não possa sentir atração por algum cliente. Tem alguns
clientes que me despertam grande atração sexual. Chego mesmo a gozar com
alguns. (Gabriela).
Quando um cara
conhece a gente aqui, ele não trata como namorada. Ele não tem tanto respeito.
Acha que pode fazer qualquer coisa com a gente. (Amanda).
Foi difícil
arranjar um namoro sério. Quando conheci o meu atual marido, eu já trabalhava
com isso. Mas eu só disse depois. Ainda bem que ele entendeu. Engravidei e
estamos juntos até hoje. (Luci).
É um pouco
complicado, pois muitos não querem namorar, imagina com uma garota de programa,
mas consegui sim permanecer em um relacionamento sério, precisa de uma pessoa
compreensiva e que saiba que é só o meu trabalho. (Aline).
Sabe-se que
para qualquer mulher que tenha filho é mais complicado arranjar um companheiro, e para as prostitutas isso
não é diferente. A profissão que elas exercem dificulta um pouco mais a
aproximação de homens com interesse em compromisso.
Concordo com
Roberts quando ela fala que “A prostituição é um trabalho difícil, tanto em
termos físicos quanto emocionais.” (p. 391). Todavia o sentido mais apurado da prostituição, provavelmente tenha sido
descrito pelo Marquês libertino, o Marques de Sade.
Para Sade (2003, p. 36 e 37), as prostitutas:
São felizes
e respeitáveis criaturas que a opinião difama, mas a volúpia coroa; e quem, bem
mais necessária à sociedade do que as recatadas, têm a coragem de sacrificar,
para servi-la, a consideração que esta sociedade ousa lhes tirar injustamente. Vivam as que se sentem honradas com
este título.
5.
TRANSFORMAÇÕES NOS MODELOS FAMILIARES
O século XXI
traz consigo mudanças significativas na estrutura familiar. Novos modelos de
famílias podem ser claramente identificados. Baseado em Arriagada (2001),
podemos classificar essas novas famílias em:
b. Nucleares em que ambos os pais trabalham - Estas tratam de tipo de
família que cresce bastante no Brasil atualmente, onde o pai e a mãe trabalham
fora de casa;
c.
Nucleares com chefia masculina - Aqui se
observa o pai como chefe e os filhos;
d. Nucleares com chefia feminina - Em oposição ao modelo anterior a mãe
como chefe e os filhos;
e. Famílias extensas - Esse tipo se parece com o nuclear, mas se acrescenta
a presença de outros parentes no domicílio;
f. Famílias compostas - Aqui se enquadram as nucleares e extensas que
contam com outras pessoas que não são parentes, com exceção das empregadas
domésticas;
g.
Domicílios unipessoais - Uma só pessoa;
h. Domicílios sem núcleo conjugal - Aquelas onde não existe um núcleo
conjugal ou uma relação pai-mãe/filho-filha, mas podem haver outras relações de
parentesco.
A partir dessa
classificação, pode-se verificar em quais desses modelos da atualidade se
enquadram as famílias formadas pelas profissionais do sexo de Fortaleza.
5.1 -
Indicadores Sociais
A Síntese dos
Indicadores Sociais 2000, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
(IBGE), nos mostra um crescimento de núcleos familiares onde as pessoas de
referência (pessoas responsáveis pelo sustento) são mulheres.
Mesmo que o
tradicional modelo de família ainda seja predominante, o número de famílias
chefiadas por mulheres aumenta.
Famílias chefiadas por Mulheres no Brasil
|
|
Ano da pesquisa
|
Mulheres chefes de família
|
1992
|
21,9%
|
1999
|
26%
|
Fonte: Síntese dos indicadores
Sociais 2000 – IBGE.
Vejamos outro gráfico, este da população cearense,
Mulheres chefes de família no Ceará
|
|
Ano da pesquisa
|
Mulheres chefes de família
|
1997
|
26,2%
|
1999
|
26,4%
|
2001
|
28,5%
|
2003
|
28,1%
|
2005
|
31%
|
2007
|
31,2%
|
Fonte: www.ipece.ce.gov.br.
Com o aumento
das famílias chefiadas por mulheres, o número médio de filhos diminui. As mães
precisam se ausentar da casa e um percentual elevado não têm companheiro.
A definição de família de acordo com o IBGE é
O conjunto de pessoas ligadas por laços de
parentesco, dependência doméstica ou normas de convivência, que residissem na
mesma unidade domiciliar e, também, a pessoa que morasse só em uma unidade
domiciliar. Entendeu-se por dependência
doméstica a relação estabelecida entre a pessoa de referência e os empregados domésticos e
agregados da família e por normas de
convivência as regras estabelecidas para o convívio de pessoas que morassem
juntas sem estarem ligadas por laços de parentesco ou dependência doméstica. As
famílias conviventes são aquelas constituídas por, no mínimo, duas pessoas cada
uma, que residissem na mesma unidade domiciliar” (IBGE, 2006b).
Das
profissionais do sexo estudadas, todas são chefes de família, apenas uma, Luci,
mora com um companheiro, mas é ela que sustenta a casa. Isso quer dizer que o retrato das famílias brasileiras está mudando e
as prostitutas se encaixam nesse atual perfil, famílias nucleares com chefia
feminina.
Gabriela mora
com suas 02 filhas e a mãe. Quando ela sai para o serviço é a avó das crianças
que cuida do que for preciso. Amanda mora só com o filho. Ele estuda de manhã, 11 horas ele vai pra casa. Volta da escola
sozinho. Fica em casa sozinho. Ela declarou ser muito difícil arranjar uma
pessoa de confiança para ficar com ele, e que aceite ficar por menos de um
salário mínimo. Ela trabalha durante a tarde, pois que ficar mais tempo com a
criança. E outra profissão não ofereceria horários tão flexíveis como a atual.
Débora não é
daqui, veio do Maranhão, tem 01 filho, de 7 anos. Seu filho mora com o pai, em
São Luis, ela manda dinheiro para ele todo mês. De semblante triste, ela relata
que sente muita falta dele. Mas entende que não tem condições de trazê-lo para
Fortaleza, pois é melhor para ele viver com o pai e sua família. Ela o visita
poucas vezes no ano.
Já Laura tem duas filhas,
atualmente ela trabalha apenas 03
dias por semana.
Quando vai trabalhar, paga uma pessoa para cuidar das meninas.
Nas entrevistas
realizadas, as garotas afirmam que seus filhos estudam, todos em escolas
públicas, freqüentam as aulas, e sua vida escolar é acompanhada por elas. Mesmo
que precisem sair de casa para fazer programa, as mães procuram saber do
desempenho dos filhos na escola e também sobre o que fazem quando estão fora
dela.
Cumpri-se assim o artigo 55 do
ECA: Art. 55. Os pais ou responsável têm
a obrigação de matricular seus filhos ou pupilos na rede regular de ensino.
Acho que sou uma boa mãe. Procuro acompanhar o
desenvolvimento delas. Procuro participar das reuniões na escola. Fico muito
chateada quando a mais velha, a Débora*, tira notas baixas. Ela me dá muito
trabalho. Não quer estudar. Quer passar o dia todo na rua. Brigo muito com ela.
Gabriela, 28 anos.
O discurso de
Gabriela demonstra dedicação e cuidado com a educação das filhas, mas as
meninas também não sabem que ela faz programa,
Tenho duas filhas para sustentar.
Elas estudam e tenho muitos gastos. Na escola as professoras e a diretora não
sabem que faço programa. Tenho medo que descubram. Sei lá. Podem tentar tirar
as minhas filhas. Adoro as minhas filhas. Faço tudo por elas.
Amanda também se preocupa com
a higiene do filho: Ontem eu cheguei em
casa, ele tava lá fora jogando bila. Todo suado. Mandei logo ele ir tomar
banho. Contou envaidecida a precocidade do garoto em poupar,
Todo dia eu dou 1 real pra ele. Uma
vez ele juntou 60 reais pra comprar a blusa que ele queria. Tá certo. Ele já tá
me ajudando. Me ajuda em casa e tudo mais. Uma vez ele arranjou um serviço numa
bodega pertinho lá de casa, mas a mulher mandava ele fazer tudo, ele ficava
cansado, e também ela queria pagar muito pouco. Aí ele me pediu pra ir lá e
dizer que ele não ia mais (risos).
Ela também se mostrou
apreensiva a respeito do futuro da criança: Eu
fico muito preocupada com o caminho que o meu filho vai seguir. Porque tem dois
caminhos, sabe? Eu fico com medo de qual caminho ele vai escolher. Por isso eu
procuro tá lá, pertinho. Vendo o que ele tá fazendo.
6.
SOBRE INFÂNCIA, EDUCAÇÃO E FAMÍLIA
Em 1998, na
cidade de Jundiaí – SP foi aberta a Escola Maria de Magdala, com o apoio da Pastoral da Mulher, da Prefeitura
e da iniciativa privada, destinada a filhos
de prostitutas e ex-prostitutas. Segundo a coordenadoria da escola cerca
de 40% das crianças não são alfabetizadas.
A cada ano, o
número de prostitutas tem aumentado significativamente estando a cidade de
Fortaleza entre os quatro centros de tráfico
de mulheres no
Brasil, perdendo apenas para São
Paulo, Rio de Janeiro e Goiânia.
Nas grandes cidades o meretrício
cada dia mais cresce e se agiganta, porque a miséria rural alimenta e engrossa
a miséria urbana, devido ao êxodo dos campos empobrecidos e o urbanismo
insaciável, por sua vez, atua como corruptor por excelência da juventude
desprotegida. (TIRADENTES, p.33)
Todavia, em Fortaleza é desconhecida iniciativa
semelhante a de Jundiaí. No Art. 2º da LDB encontra-se:
A educação, dever da família e do
Estado, inspirada nos princípios de liberdade e nos ideais de solidariedade
humana, tem por finalidade o pleno desenvolvimento do educando, seu preparo
para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.
Os filhos das
meretrizes têm direito à educação. E é um dever dessas mulheres educá-los,
juntamente com o Estado.
O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) assegura:
Art. 4º É dever da família, da
comunidade, da sociedade em geral e do poder público assegurar, com absoluta
prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à
alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à
cultura, à dignidade, ao respeito, à
liberdade e à convivência familiar e comunitária.
As primeiras
ações educativas exercidas sobre os seres humanos são praticadas pela família,
no local de moradia, especialmente pela genitora. Para Simon (1999),
O contexto familiar compreenderia
relações intrafamiliares conflituosas em função da educação autoritária dos
pais, ou ainda a total alienação e
ausência dos pais frente aos filhos.
Dessa forma, Silveira (2000) acrescenta:
O espaço escolar representa oportunidade de
resgate e superação das inúmeras carências presentes nesse contexto.
A importância
da escola como meio de superação de carências merece destaque. Nesse espaço as
crianças podem ser discriminadas, e cabe a instituição rever suas práticas. Se
o indivíduo não encontra subsídios para seu crescimento pessoal em casa, e ao
chegar à escola se depara com situações não favoráveis para esse crescimento
esta não está realizando sua função.
As práticas
pedagógicas dessa população em relação aos seus filhos incitam bastante
curiosidade e questionamentos. Acredita-se nos pais como os primeiros grandes preparadores emocionais dos filhos,
influenciando no desenvolvimento dos mesmos não só através do trabalho
educativo que desempenham, mas também como modelos de identificação,
principalmente nos primeiros anos de vida deles.
Alguns
pesquisadores percebem um esforço das prostitutas em separar o aspecto familiar
do profissional, como mostra Moraes (Apud
MELO, 2001):
É como se uma
atividade fosse separada da outra, como se fossem dissociáveis: a mãe e a prostituta. Pode-se interpretar
como o exercício do meretrício negasse o exercício da maternidade. Preconceitos advindos da elite dominante da sociedade na qual vivemos, ditadoras dos bons
modos e costumes, também participam da forma de pensar das prostitutas. Os
relatos mostram as dificuldades dessas profissionais em administrar as duas
coisas, maternidade e prostituição.
O fato de muitas delas
passarem muito tempo longe de seus filhos, para trabalhar mesmo que justifiquem
a profissão como artifício de melhor
querer e atender as necessidades dos filhos (idem).
Não são raros
os casos em que os filhos não têm conhecimento da profissão da mãe. Elas omitem
como forma de protegê-los de estigmas,
Isso realmente foi constatado:
No local onde moro não me apresento
como garota de programa. Sou dançarina. Minhas filhas sabem que sou dançarina.
È claro que faço programa também. Sabe como é. Nem sempre a dança é suficiente
para pagar as minhas contas. (Gabriela).
Eu digo que lá em casa que cuido de
idosos. Mas se sabem, fingem que não sabem. E eu também não devo nada a ninguém.
Uma parte da minha família tá no interior, e minha mãe tá no Rio. (Laura).
Meu filho não sabe que faço
programa. Não conto pra ninguém. Falo que sou vendedora ambulante. Assim me
livro dos comentários. (Amanda).
Segundo Moraes (Apud MELO,
2001):
(...) assim como acontece em outras
situações, este aparato influenciou as vivências maternas e familiares destas
mulheres e também produziu ambigüidades na assunção da identidade, fazendo com
que elas assumissem diversamente discursos de resistência e defesas diante das
concepções que negam às prostitutas o desempenho do papel materno (p.68).
A autora apresenta mais algumas interessantes considerações:
outras elaborações interpretativas também são
acionadas por elas para reduzir a oposição entre o papel de mãe e de
prostituta. É uma forma de buscarem atitudes compensadoras frente à negação da
sua maternidade. Defendem-se deste mecanismo acusatório através de
comportamentos que revelam excessivos cuidados e zelos para com seus filhos
(...) (idem, p. 68).
Em grande parte
de entrevistas feitas com prostitutas mães, detecta-se que a justificativa mais
presente é o sustento dos filhos, como dizia Juliana (SOUSA, 1995),
Um dos motivos que me levaram a
entrar nessa vida de profissional do sexo, foi porque eu era muito compulsiva,
comprava tudo que vinha na minha frente, fiz várias dívidas, fiz tratamento
hoje não sou mais tão consumista, mas sair da vida de garota de programa é difícil. (Aline)
Em uma das vezes que conversei
com Amanda, ela me disse: Eu faço outras
coisas, vendo perfume, vendo roupa, eu me viro de todo jeito. Eu gosto de
vender porque tem dia que eu saio daqui sem nada. Ela ainda revelou que já
fez muita coisa na vida, mas o que ela pensa sobre outro emprego:
Outros estudos confirmam isso: o
fato é que, para a grande maioria das
mulheres, seja qual for a sua classe, educação e perspectivas de carreira, a
prostituição ainda representa a opção mais lucrativa. Nem toda mulher pode se tornar
uma primeira-ministra.”(ROBERTS, 1998, p.383).
Em MELO (2001) observa-se que
(...) colaboradoras iniciavam seus
discursos apresentando dificuldades, problemas financeiros e necessidades.
Porém, no decorrer das entrevistas, deixavam escapar alguns pontos que
demonstravam a existência de outros fatores envolvidos, tais como prazer,
outras oportunidades, etc.
É a necessidade
que arrasta essa grande quantidade de mulheres ao universo da prostituição.
Necessidade de dinheiro, de prazer, por sexo ou drogas.
Martin (Apud MELO, 2001) refere-se a essa
questão apresentando o termo estereótipo da necessidade, que diz
respeito à postura dessa profissional. Postura que tem como base um discurso
simplista, utilizado como uma forma de comover os interlocutores e a coloca
como vítima do destino e da sociedade, não restando outra opção que não a prostituição.
Diante das
inúmeras vezes que se escutou tal explicação, surgiu a curiosidade e o interesse em compreender como é, então, que
as crianças são instruídas. Se há realmente um investimento no sustento e
educação dos filhos, e se as mães estão satisfeitas com o retorno. Se, ir a
batalha é suficiente e efetivamente decisivo para uma vida melhor, tão sonhada
pelas mães para seus descendentes.
CONCLUSÃO
Ao caminhar
pelos locais de prazer do Centro da capital do Ceará, buscando me apropriar da
realidade daquelas garotas que tanto me faziam refletir, me deparei com
situações inusitadas. Algumas engraçadas, outras nem tanto. Muitas questões só
puderam ser esclarecidas através do contato direto. Algumas até me propuseram
entrar no mercado do sexo. Aqui se confirma o que muitos estudiosos defendem:
sempre há uma amiga que incentiva a entrada de uma garota no mundo da venda
sexual.
Diante da
vigilância instaurada no século XVIII pela família burguesa, a prostituição
seria a ruptura com os discursos sobre sexo desse período. Contrariar o modelo
da família burguesa não seria algo imoral, mas uma atitude de revolução e
libertação.
Nos
espaços de prostituição do Centro de Fortaleza é construída uma relação de poder referente ao lucro que a prostituta
certamente oferece. A exploração se faz presente. A busca pelo controle das
garotas é constante. Quanto mais mulheres
para vender os donos desses espaços conseguirem, maior produtividade, maior o
ganho. É a mercadoria que é oferecida nesse mercado tão promissor. Aqui se
perde o caráter emancipatório que o
meretrício deveria ter e prevalecem os esquemas de poder e controle. O corpo
permanece dócil. É dócil o corpo que pode
ser submetido, que pode ser utilizado, que pode ser transformado e aperfeiçoado
(FOUCAULT, 1977, p.126).
Falta um
movimento organizado das prostitutas da cidade, que poderia acarretar numa
transformação da sociedade, diminuindo o preconceito que permanece sobre a
classe e melhorando as suas condições de trabalho.
Aprendi sobre
as dificuldades da vida e também sobre o lado prazeroso dessa atividade. Sim,
existe prazer nesse meio. As vozes, os odores, os sabores experimentados por mim nesse tempo foram de
grande valia. Todo o movimento contribuiu para que eu pudesse enxergar, mesmo
que parcialmente, um pouco do que os olhos daquelas meninas veem. Meninas que
não são más. E estão longe de serem boazinhas. A natureza do ser humano
atravessa qualquer definição contrária.
Elas são
batalhadoras. Elas buscam sustento para si, para os filhos, e até para os pais.
Para os irmãos, tios, e outros parentes. Elas mudam de cidade com intuito de
oferecerem melhores condições
para os familiares.
Elas mentem. Elas
fingem. Na verdade, elas não veem outra possibilidade de
proteção senão a máscara que muitas delas põem para poderem sobreviver. Tentam,
dessa forma, fugir do estigma.
Verifiquei que
os movimentos das associações ainda não corresponde ao esperado e que
prostituta, prima, taxigirl, garota de programa ou qualquer outra qualificação,
inclusive profissional do sexo, que tenha como objetivo tirar as marcas
pejorativas da atividade prostituinte, não tem surtido o efeito esperado de
enfrentamento do preconceito.
Certamente, o
contato com algumas delas se prolongará, e talvez mais tarde novas publicações
acerca do tema possam ser apresentadas.
O mercado do
sexo é traiçoeiro. A concorrência é grande e desleal. O tempo não colabora com
a boa forma corporal dos humanos. Assim, não dá para sustentar uma família
durante a vida inteira, trabalhando como garota de programa.
Elas têm muitas
histórias para contar. A imaginação delas também é muito elaborada.
Mas eu não
estava interessada em verdades ou mentiras. Interessa-me mais a realidade de
cada prostituta mãe que pude acompanhar. As declarações feitas por essas
mulheres me fizeram pensar muito sobre que mundo queremos para os nossos filhos
e o que uma mãe estaria disposta a fazer para o bem estar de suas crianças.
Também fiquei curiosa em saber a respeito das mães das prostitutas.
As
oportunidades de emprego para essa meninas são raras, e as chances de arranjar
um parceiro fixo quando se trabalha com a venda do corpo são mínimas. As
crianças têm uma estrutura familiar abalada, isso é inegável, e o futuro delas
não está nas mãos apenas das mães. A
sociedade inteira é responsável por esses filhos da Terra.
O que pode
ocorrer com os filhos das damas da noite, quando elas atingirem a idade e/ou
estado físico que já não lhes permitam trabalhar nas casas noturnas? Pode ser
que essas crianças também se vejam sem escolhas e entrem no universo do prazer,
que pode lhes sustentar por um bom tempo. Mas o estudo mostra que, enquanto
podem, como podem, as mães prostitutas investem na educação das crianças,
esperando que elas não ingressem nesse universo.
Não há meios
para se acabar com a prostituição. Ela sempre existiu e sempre vai existir. E
acho, profundamente, que ela é necessária. É preciso ter saídas. Muitas
vezes a prostituição é a saída, numa
sociedade onde a concorrência de trabalho só se expande. E, nas casas de
prazer, a concorrência também aumenta.
A prostituição
é vista pelas garotas como meio de melhorar de vida, opinião essa que caminha
contrário ao que a sociedade pensa. Mesmo que se ache que a prostituição é um
mal que assola a humanidade, as garotas que entram nesse meio interpretam como
uma forma de ascensão, jamais pensam que estão se diminuindo.
Não foi
detectado que o meretrício interfere negativamente na educação dos filhos,
principalmente porque em todos os casos investigados as crianças não tinham
conhecimento da profissão das mães, estas preferem mentir, ou omitir o que
fazem para que as crianças não sofram possíveis agressões oriundas desse tipo
de trabalho. Elas veem a prostituição como uma atividade que gera dinheiro em
poucas horas trabalhadas, permitindo assim que elas fiquem mais tempo com os
filhos.
Elas têm a
conscientização de que, para crescerem, as crianças precisam de um lar. Este é
um lugar preservado pelas meninas e a promiscuidade e a falta de zelo passam longe. Aquela ideia de que os meninos
eram negligenciados foi extinta. Eles são bem cuidados. Na medida do possível.
Dá sim para ser mãe e prostituta. Mãe, ela vai ser durante toda a vida,
entretanto a atividade profissional que ela exerce um dia tem que ser encerrada. O tempo se encarrega de tirar
a beleza e a juventude essencial na carreira. Algumas, já próximo aos 30 anos,
pensam em virar cafetinas.
Dos relatos
coletados, observa-se que os filhos das prostitutas iniciam a vida escolar
cedo, já que as mães precisam trabalhar e matriculam seus filhos em creches.
Acredito que
não é necessário que a escola, em qualquer que seja a vertente, deva saber da
profissão das mães dessas crianças, pois quando se têm essa informação a escola
tende a ter uma postura preconceituosa. Conversas com professores da rede municipal
de Fortaleza confirmam a hipótese supracitada. Eles dizem que não se deve
diferenciar o tratamento do filho de uma garota de programa, todavia, diante de
uma situação complicada, eles relacionam tal fato à criação familiar e
diretamente mencionam a prostituição.
Quando a
criança tem conhecimento da profissão da mãe, é provável que ela não tenha
ideia de todos os percalços da opção da última.
As mães se
dedicam à educação de suas crianças, como uma grande parcela da população, já
que acreditam nela como único meio de “conseguir alguma coisa na vida”. Elas se entristecem ao saber que seus
filhos não vão bem na escola, ou quando não agem conforme as convenções
sociais. A escola é, para as prostitutas e para a sociedade, uma estrutura
segura capaz de garantir, no futuro, uma profissão diferente da de sua mãe.
Realmente, a
família da prostituta não sabe, ou sabe e finge que não sabe, o que ela faz.
Elas optam pelo sigilo, afinal isso é o que a profissão mais requer. Todos os
que rodeiam e colaboram para que a prática aconteça, precisam ser secretos. Nem
tudo pude ver. Nem tudo pude ouvir. Adentrar esse território foi o mais difícil
nesse período.
Obviamente, a
vida dessas crianças não é um conto de fadas, onde tudo é perfeito. Enfrentando
as dificuldades do dia a dia, nas mais diversas nuances, esses meninos e
meninas se desenvolvem naquilo que é possível, montam estratégias e vivem com
que lhes é oferecido, e o fato de serem filhos de garotas de programa não o
diferenciam dos filhos das diversas categorias de trabalhadores.
São muitos os
sinônimos de prostituta, dentre eles, “mulher da vida”. O que é ser mulher da
vida? É viver. É realmente fazer a vida. Afirmo que essas mulheres vivem com
toda a intensidade. Não há uma terminologia melhor. Sorrir, chorar, gritar,
dançar, transar, gastar. As mulheres da vida vivem.
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