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domingo, 14 de maio de 2017

PROSTITUTAS MÃES E A EDUCAÇÃO DE SEUS FILHOS: CORPO, CENA E DISCURSO NO CENTRO DE FORTALEZA - CE

UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ FACULDADE DE EDUCAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO BRASILEIRA LINHA DE FILOSOFIA E SOCIOLOGIA DA EDUCAÇÃO


 PROSTITUTAS MÃES E A EDUCAÇÃO DE SEUS FILHOS: CORPO, CENA E DISCURSO NO CENTRO DE FORTALEZA - CE

(DISSERTAÇÃO DE MESTRADO)

  
VERÔNICA GOMES DOS SANTOS

  
FORTALEZA – CEARÁ 2011

VERÔNICA GOMES DOS SANTOS


 PROSTITUTAS MÃES E A EDUCAÇÃO DE SEUS FILHOS: CORPO, CENA E DISCURSO NO CENTRO DE FORTALEZA - CE




Dissertação
apresentada
ao
Programa  de
Pós-Graduação
em
Educação
Brasileira,
da
Universidade Federal do Ceará, realizada sob orientação do Prof. Dr. José Gerardo Vasconcelos, como requisito final para obtenção do título de Mestre em Educação.

  

FORTALEZA – CE 2011



  
“Lecturis salutem”
Ficha Catalográfica elaborada por
Telma Regina Abreu Camboim – Bibliotecária – CRB-3/593 tregina@ufc.br
Biblioteca de Ciências Humanas – UFC



 Esta dissertação foi submetida ao Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal do Ceará como parte dos requisitos necessários para a obtenção  do título de Mestre em Educação e encontra-se à disposição dos interessados na Biblioteca de Humanidades da referida Universidade. A citação de qualquer trecho é permitida, desde que seja feita de acordo com as normas científicas vigentes.


Verônica Gomes dos Santos


 BANCA EXAMINADORA



Prof. Dr. José Gerardo Vasconcelos – UFC
(orientador)  

Profª. Drª Shara Jane Holanda Costa Adad – UFPI
(1º examinador)


Prof.. Dr. Raimundo Elmo de Paula Vasconcelos Júnior – UECE
(2º examinador)



  

Tese defendida e aprovada 

 À Dona Naza, minha fonte de vida.


  AGRADECIMENTOS


Meus agradecimentos especiais aos meus sobrinhos, Lucas e Gabriel, com os quais me (re) descubro diariamente. Pela alegria infinita que eles me proporcionam a cada sorriso.
 Aos meus irmãos, Adriana e Júnior, que me acompanharam ao longo da minha existência, me dando suporte nos momentos mais difíceis.
 Ao meu orientador, Prof. Dr. José Gerardo Vasconcelos, pela oportunidade, pelo incentivo, pela paciência de aguardar o meu tempo para finalizar a dissertação. Agradeço também pelo apoio e dedicação nos momentos fundamentais.
 Minha profunda gratidão às garotas de programa que possibilitaram a realização desta pesquisa, me recebendo em seus serviços e cedendo seu precioso tempo para mim, gratuitamente.
 Aos funcionários das casas de prazer que permitiram a minha entrada e me apoiaram. Muito obrigada! E agradeço também aos clientes, grandes colaboradores, com os quais foi muito divertido o contato.
 Ao professor Raimundo Elmo Vasconcelos e à professora Ilnar de Sousa, que participaram da minha qualificação e assim contribuíram para o aprimoramento desse trabalho. Suas considerações foram de grande valia.
 Ao meu amigo do peito, Dody, que é uma parte de mim, um anjo protetor, com quem posso contar sempre.
 À minha amiga Ana Maria Gomes, com quem compartilhei todos os momentos deste trabalho, pelas ligações nas madrugadas, e por estar sempre por perto adoçando a minha vida.
Às minhas colegas de trabalho, particularmente Liduína, Heloísa, Élida e Auricélia, professoras da prefeitura de Quixadá, que tanto me ajudaram a conciliar a reta final da dissertação com as atividades laborais.
 Ao Marcelo Sabóia, meu vizinho querido, com quem tanto joguei conversa fora nas noites sem graça da cidade de Quixadá, em que eu deveria estar dissertando.
 Aos meus companheiros da Pós-Graduação, em especial aos da Linha de Filosofia e Sociologia da Educação e da linha de História e Memória da Educação, pelos conhecimentos compartilhados.
 À Capes pelo apoio financeiro.
 E a tantos outros que direta ou indiretamente contribuíram!

A obscenidade é uma maneira imemorial e universal de dizer a sexualidade. Sua finalidade não é, em primeiro lugar,  a representação precisa de atividades sexuais, mas sua evocação transgressiva em situações bem particulares.

Dominique Mangueneau – O Discurso Pornográfico.


 RESUMO

 Tem esse estudo o objetivo de investigar o processo educacional dos filhos – crianças  de 06 a 12 anos - das profissionais do sexo atuantes nas casas de prazer situadas no Centro da cidade de Fortaleza. Os filhos das meretrizes têm direito à educação. E é um dever dessas mulheres educá-los, juntamente com o Estado. As primeiras ações educativas exercidas sobre os seres humanos são praticadas pela família, no local de moradia, especialmente pela genitora. Para Simon (1999), as práticas pedagógicas dessa população em relação aos seus filhos incitam bastante curiosidade e questionamentos. Acredita-se nos pais como os primeiros grandes preparadores emocionais dos filhos, influenciando no desenvolvimento dos mesmos não só através do trabalho educativo  que desempenham, mas também como modelos de identificação, principalmente nos primeiros anos de vida deles. A existência da prostituição é fato constante e frequente  na história da humanidade. Também é popularmente chamada de „profissão mais antiga do mundo‟. No Brasil, desde o século XIX, essa atividade é identificada na sociedade, mas somente em 1987, por ocasião da realização do I Encontro Nacional de Prostitutas  e da criação de Associações Estaduais, percebeu-se uma iniciativa mais estruturada de organização de um movimento associativo próprio, preocupado com a redução do estigma, do estereótipo e da discriminação ao redor da atividade. Preocupado também com a melhoria de condições de trabalho e da qualidade de vida das prostitutas, e com o estabelecimento de uma linha direta reivindicatória com organizações governamentais e não-governamentais. Para realizar esta pesquisa, utilizou-se como procedimentos metodológicos as narrativas das prostitutas em seus locais de trabalho. Foram selecionadas quatro casas de prostituição para obter os dados apresentados. Conclui-se com esta pesquisa que a educação dos filhos das prostitutas é bastante cuidadosa e, em muitos aspectos, chega a ser bastante conservadora. São mães dedicadas a seus filhos e bastante preocupadas com o desenvolvimento das crianças. A ideia de que os filhos seriam negligenciados foi excluída. Eles são bem tratados, na medida do possível.
Palavras-chave: Prostituição, corpo, infância, família.


 ABSTRACT

 The objective has this study to investigate the educational process of the children - children of 06 the 12 years - of the operating professionals of the sex in the situated houses of pleasure in the Center of the city of Fortaleza. The children of the prostitutes have right to the education. E is a duty of these women to educate them, together with the State. The first exerted educative actions on the human beings are practised by the family, in the place of housing, especially for the genitora. For Simon (1999). Practical the pedagogical ones of this population in relation to its children stir up to curiosity and questionings sufficiently. It is given credit the parents as first the great emotional preparadores of the children, influencing in the development of the same ones not only through the educative work whom they play, but also as identification models, mainly in the first years of life of them. The existence of prostitution is constant and frequent fact in the history of the humanity. Also popularly older profession of the world is called `'. In Brazil, since century XIX this activity is identified in the society, but only in 1987, for occasion of the accomplishment of the I National Meeting of Prostitutes and of the creation of State Associations, a structuralized initiative of organization of a proper associative movement was perceived more, and, worried about the reduction of the stigma, estereótipo and the discrimination around of the activity. Also worried about the improvement of conditions of work and the quality of life of the prostitutes, and with  the establishment of a vindicative direct line with governmental and not-governmental organizations. To carry through this research it was used as metodológicos procedures the narratives of the prostitutes in its workstations. Four houses of prostitution had been selected to get the presented data. It is concluded with this research that the education of the children of the prostitutes is sufficiently careful e, in many aspects, arrives to be sufficient conservative. Its children and sufficiently worried about the development of the children are dedicated mothers. That idea of that the boys were neglected was excluded. They well are treated, in the possible measure do.

Words Key: prostitution, body, infancy, family.




1.             EM BUSCA DO PRAZER – O INÍCIO DE UMA PESQUISA
 O mundo da prostituição já mexia comigo, antes mesmo de eu pensar em pesquisar acerca do tema. Sempre achei a profissão/atividade atraente. Sexo, dinheiro, orgias, contatos. Essa quebra de regras e modelos sempre me seduziu.
No entanto, o interesse pelos filhos das prostitutas surgiu quando presenciei uma conversa entre garotas de programa sobre as necessidades de cada uma delas, que vinham de uma espécie de seleção para trabalhar numa casa de strip. Thaís, 21 anos, disse que precisava daquele trabalho para comprar um carro. As outras duas disseram: “a gente precisa mais!” E Thaís indagou: “Por quê?” A resposta foi: “Porque a gente  tem filho pra criar”.
A distância entre a realidade de Thaís e das outras garotas era enorme. Foi então que resolvi iniciar uma pesquisa focada nessas crianças.
A princípio, pensei em estudar a APROCE (Associação de Prostitutas do Ceará), uma vez que lá já se encontrava tudo organizado, mas quando iniciei as visitas nas boates, constatei que nenhuma das garotas que se prostituíam nos locais do meu interesse era ligada à referida associação. Decidi ir a campo. Ver de perto o mundo da prostituição. Invadir seus labirintos. Vasculhar suas entranhas. Correr o risco que o estranhamento pode proporcionar quando se tem contato com o diferente. Não foi um contato tão tranquilo. Entretanto, o risco da pesquisa acompanha o risco da vida quando se percebe que a pesquisa é feita com o cérebro e com a paixão propulsora de significados.
Dividirei essa primeira parte em três momentos:
Inicialmente apresento o meu contato inicial com esse mundo tão complexo e singular da prostituição. Não deixei, é claro, de inventar meu próprio mundo e minhas expectativas.
Em seguida, demarco o meu objeto de estudo. Reconto esse mundo e me arrasto e perco em seus caminhos.
Na terceira parte, apresento as lentes da pesquisa. Os procedimentos metodológicos de investigação.
No capítulo intitulado o corpo da prostituta, procuro caracterizar o conceito de prostituição no cenário local. Favores sexuais em troca de algum benefício.
No capítulo seguinte, que denominei Profissão: Garota de Programa, tenho a pretensão de expor o próprio conceito de profissionalização da prostituição e seus entraves pelo estado.
Na sequência, o capítulo denominado Prazeres da difícil vida fácil. É nesse capítulo que apresento algumas narrativas e depoimentos coletados entra as garotas de programa que passam a envolver a vida e as expectativas em relação a prostituição.
Em seguida abordo as transformações dos modelos familiares para então situar o lugar das mulheres chefes de família.
Finalmente, trato da relação entre a prostituição, a infância, a educação e a família.


1.1   O contato inicial


 Resolvi caminhar pelos estabelecimentos do Centro da minha querida cidade, buscando me apropriar da realidade daquelas garotas que tanto me faziam refletir. E lá encontrei:
Aqui strip tease diariamente, a partir das 18h, dizia o cartaz de um cine privê no centro da capital cearense. O nome do referido estabelecimento lembra um antigo cinema de Fortaleza que veiculava sua imagem à reprodução de filmes pornôs. O antigo cine Jangada. Essa nova edição situada nas proximidades da praça da estação reescreve as conexões com os velhos atores e transeuntes da cidade. O que se poderia esperar de um cinema que transita entre a ficção e a realidade. Entre o mundo de imagens e os espetáculos que reproduzem ao vivo a magia de um ato sexual que pode até ser partilhado pelos partícipes da cena.
Um sábado qualquer do ano de 2008 às 18h.

A artista – uma jovem de aproximadamente 20 anos, cabelos longos tingidos de loiro, bastante voluptuosa – prepara-se para o tão esperado SHOW. O cenário cuidadosamente arrumado. As mesas distribuídas pelo salão. Homens saindo do  trabalho e travestis circulam pelo cenário esperando o grande momento nesse território de prazer.
No camarim, uma dose de Martini para facilitar a desinibição. Salto alto. Vestida para matar. Matar de vontade. Provocar desejos sexuais à plateia. A busca pelo reconhecimento e a trama que esconde a intenção. Intenção de terminar o mais rápido possível o espetáculo que se consolida com o ato sexual.
“Reze pra subir logo alguém no palco” – disse a garota. Percebe-se que ela prefere que o show termine o mais rápido possível, revelando, discursivamente, um enorme desprazer naquele território do prazer.
A garota lubrifica-se artificialmente. Enfeita-se nos mínimos detalhes. Arruma os cabelos mais uma vez. Reflete sua imagem no espelho. Perfuma-se. Acondiciona mais uma vez o decote da roupa – ou quase sem roupa. Arruma o elástico da calcinha presa nas ligas vermelhas.
Às 18:30h, eis que surge no palco a “stripper” pronta para mais um dia  de trabalho. Uma artista que lança seu corpo ao palco sob os aplausos da uma plateia masculina ávida de prazer. A garota artista também prostituta encontra nos espetáculos os clientes que a buscaria logo após a cenografia.
Olhares atentos. Silêncio!

Um som de motel se espalha pelo salão. Suave, sensual e conectado ao bailado da garota. As batidas aceleram. O movimento acelera as emoções e as batidas do coração. Todos ficam acelerados. É a música que comanda o cenário e invade os tímpanos e os lugares de cada um naquele território de prazer
Onde estão as roupas?

E quem se importa com as roupas? Nesse momento, o mais importante é o corpo despido. Os movimentos do corpo em compasso com a música e a dança da sexualidade que todos esperavam. Ou como diria Foucault,
Como resposta à revolta do corpo, encontramos um novo investimento que não tem mais a forma de controle-repressão, mas de controle-estimulação: fique nu... mas seja magro, bonito, bronzeado. (FOUCAULT, 1986, p. 147).
Alguém sobe ao palco. O ato sexual se realiza. Lambidas pelo corpo. O silêncio parece se compadecer e compartilhar com o prazer coletivo que vai se delineando pelo salão. Ela parece feliz. Pode ser uma personagem. Pode ser a constituição de prazer programado. Pode ser uma escolha revestida de gozo. Não se sabe o que ela pensa. Apenas observa-se a prática. Admira-se o lugar de partilha. A penetração devidamente cuidada pelo látex do preservativo.
O orgasmo masculino enfim é concluído.

Aplausos. Gritos. Chega de silêncio! Agora é a vez do barulho. Acabou? Nada disso. É somente o início do grande espetáculo. O prazer partilhado pelos olhares masculinos pode agora ser experimentado individualmente.
Ela se dirige ao camarim. Uma fila de clientes vai se formando. Todos aguardam aquele corpo provocante expostos aos olhares. Ela partilha individualmente com os clientes a possibilidade de prazer. Um, dois, três... dez, muitos clientes.
Inicia-se o atendimento individual.

Após alguns minutos, finalmente o último da fila. Ufa! Tudo acontece muito rápido. Ela acha que durou uma eternidade.
Às 19:30h, final do expediente. Tchau pessoal.
Alguém propõe: “Vamos sair pra jantar?”

“Não. Obrigada. Meus filhos me esperam em casa. Não posso demorar.”

E sai sozinha pelas ruas do centro da cidade em busca de uma condução que a  leve para casa.
É notório que em nossa sociedade a prostituição seja alvo de discriminação e estigmatização social.
Enquanto o estranho está à nossa frente, podem surgir evidências de que ele tem um atributo que o torna diferente de outros que se encontram numa categoria em que pudesse ser incluído, sendo, até, de uma espécie menos desejável – num caso extremo, uma pessoa completamente má, perigosa ou fraca. Tal característica é um estigma, especialmente quando seu efeito de descrédito é muito grande (...) (GOFFMAN, 1988, p.12).
A família da prostituta também carrega esse estigma, particularmente os filhos.

O termo estigma, portanto, será usado em referência a um atributo profundamente depreciativo, mas o que é preciso, na realidade, é uma linguagem de relações e não de atributos. Um atributo que estigmatiza alguém pode confirmar a normalidade em outrem, portanto ele não é, em si mesmo, nem honroso nem desonroso. (GOFFMAN, 1988, p.13).
Sob um estigma moralizante, ela é a puta que pariu e ele é o filho da puta.

Pode-se perceber, assim, o pesar da condição de se ter uma meretriz como mãe. Ser filho de prostituta não é como ser filho de médica, de advogada, de professor ou de mecânico. Como é ser filho de prostituta? O que a sociedade oferece para eles? E as mães? O que oferecem? A médica sentiria orgulho ao ver sua filha cursando medicina. O mecânico ensina o ofício ao garoto desde pequeno. A prostituta deseja que suas filhas sigam os passos da mãe no quesito trabalho?
São inúmeras as agressões verbais sofridas pelos meninos e meninas com essa estrutura familiar.  Alguém já viu nome de filho de prostituta com nome júnior?
O escárnio, o preconceito, a falta de consideração por parte da sociedade é algo temeroso. Existem muitas meretrizes casadas, com parceiro fixo, com um namorado. Com uma família para sustentar. Obviamente, em alguns casos não se sabe quem é o pai da criança, todavia essa situação também permeia o universo das não prostitutas.
(...) infelizmente nos deparamos continuamente com as discriminações e as nefastas alternativas que a sociedade oferece a esta "categoria de pessoas" que são os filhos de prostitutas. (MORGANO, 2009).
Mesmo que o Estatuto da Criança e do Adolescente assegure no Art. 5º:

Nenhuma criança ou adolescente será objeto de qualquer forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão, punido na forma da lei qualquer atentado, por ação ou omissão, aos seus direitos fundamentais.

As crianças ainda sofrem discriminação pela escolha da profissão da mãe. A prostituição é uma afronta à família, mesmo que as diversas pesquisas sobre o tema mostrem que ela existe para que a família também possa existir.
O tema „prostituição‟ é bastante polêmico, tanto no nível acadêmico como nas demais instituições, por exemplo, na escola. Trabalhar com ele requer bastante atenção  e cuidado, inclusive com as abordagens adotadas. Até a terminologia „profissional do sexo‟ é usada com o intuito de reconhecer as garotas de programa como profissionais, adotada pelos movimentos sociais que lutam pelos direitos e pelo devido respeito dessa categoria.
Com isso, a prostituta ganha liberdade de exibição, controle da própria vida. O desprezo por ela tenderá a diminuir. Ela se tornará, insensivelmente, uma trabalhadora do sexo e não encarnação do vício. (ADLER, 1991, p. 198).
O que muitas vezes se percebe é o discurso de que o meretrício se constitui num mal para a sociedade. Isso precisa ser superado. De acordo com os estudos de Guedes sobre a prostituição no centro de Fortaleza no período de 1930 a 1940, já se pode detectar esse comportamento.
Conter no espaço urbano, comportamentos considerados imorais e desordeiros que eram, muitas vezes, relacionados à prostituição. Citada em jornais da cidade como alvo de atenção. No cotidiano   das

ocorrências policiais e dos jornais de Fortaleza, percebe-se que as prostitutas eram presas por estarem paradas antes de dez horas da noite em lugares considerados familiares (GUEDES, 2002, p.55).
Esta pesquisa não pretende incentivar a representação negativa do tema. Nem apoiar necessariamente essa prática, e nem ao menos levar à salvação o mundo do meretrício. A produção de conhecimento aprofundado sobre o assunto ainda é deficiente, pouca coisa foi encontrada a respeito dos filhos das prostitutas,
Muito ainda permanece reprimido e proibido a respeito do tema prostituição. Para que falar nisso? Para que tentar contar a história dessas mulheres que, por definição, como disseram alguns, não tinham história? (ADLER, 1991, p. 201).
E tal produção poderia colaborar com a discussão acerca do tema e também para programas realmente eficazes de assistência e proteção a esse segmento. Ao mesmo tempo, o que se põe em questão é a liberdade e igualdade dos seres humanos.
Uma certa produção intelectual, possuindo algumas vertentes com características acadêmicas, muito tem falado sobre a prostituição, mas pouco apresentou acerca das práticas e discussões próprias das prostitutas. (MORAES Apud MELO, ).

1.2   Objetivos


O objetivo desta pesquisa é investigar o processo educacional dos filhos –  crianças de 06 a 12 anos – das profissionais do sexo atuantes nas casas de prazer situadas no Centro da cidade de Fortaleza. Além disso, estendo o meu olhar sobre o corpo e a cena das mães prostitutas. Amores contidos, cenários marcados pela embriaguez profundamente encenada pelo discurso pornográfico. Para tal, procuramos investigar:
·   A influência do exercício do meretrício na educação dos filhos;

·   O discurso das prostitutas em relação à educação de seus filhos;

·   As perspectivas de mães profissionais do sexo acerca da educação de seus  filhos.
O termo „educação‟ tem sentido amplo. Trata-se de educação formal e   não-formal.
Segundo Durkheim (1978),

A educação é a ação exercida, pelas gerações adultas, sobre as gerações que não se encontrem ainda preparadas para a vida social; tem por objeto suscitar e desenvolver, na criança, certo número de estados físicos, intelectuais e morais, reclamados pela sociedade política, no seu conjunto, e pelo meio moral a que a criança, particularmente se destine.
O senso comum aponta que os filhos das mulheres que trabalham com o sexo se encontram na rua, não tem boa índole, que as filhas estão sujeitas a seguirem a mesma profissão - já que as crianças tendem a se espelhar nos pais -, que muitas crianças que vivem em orfanatos são descendentes dessas profissionais. E ainda que, elas não cuidam nem de si, muito menos de seus filhos.
(...) um indivíduo que poderia ter sido facilmente recebido na relação social quotidiana possui um traço que pode-se impor à atenção e afastar aqueles que ele encontra, destruindo a possibilidade de atenção para outros atributos seus. Ele possui um estigma, uma característica diferente da que havíamos previsto. (GOFFMAN, 1988, p.14).
Pretende-se com esta pesquisa, assim, de certo modo, desmistificar essas características do grupo supracitado.
As prostitutas não pensam apenas nelas próprias quando trabalham na indústria do sexo - a maioria delas também é mãe. Ganhar dinheiro suficiente para criar os filhos independentemente dos homens é o tema que surge continuamente nas motivações das prostitutas. (ROBERTS, p.384)
 Dessa forma, o trabalho busca contribuir com as profissionais do sexo e com seus filhos, reconhecendo sua importância, tentando diminuir o estigma social, apontar novas possibilidades de pesquisa, ressaltar o papel da universidade a partir de seus objetivos de pesquisa.
De acordo com Fábregas (2000), pode-se dividir os locais de prostituição em públicos e privados. A prostituição de Domínio Público se refere a espaços abertos como: praças, shopping centers, banheiros, fliperamas, parques e ruas. Já a  prostituição de Domínio Privado trata de casas de massagem, agências de acompanhantes e saunas, apartamentos privês, boates, salas de vídeo e  bares, anúncios.
A pesquisa foi realizada em espaços de domínio privado e, ao mesmo tempo, de domínio público. Participei dos lugares de permanência das garotas de programa e pude vislumbrar os sentidos que se imprimem nos corpos dessas mulheres. Silêncios e códigos de conduta. Medos e expectativas. Modos singulares de encarar a vida.

 1.3   Procedimentos Metodológicos da Investigação

Para este trabalho, foram entrevistadas 05 garotas de programa, que atuavam em espaços privados no bairro central de Fortaleza. Seus nomes são aqui substituídos por pseudônimos, a saber: Amanda, 27 anos e um filho de 11 anos; Débora, 25 anos e 01 filho de 07 anos; Gabriela, 28 anos e duas garotinhas, uma de 06 e outra de 11; Laura,  27 anos, também com duas filhas de 06 e 09 anos; e Luci, 25 anos, com uma filha de 06 anos e outra de 01. Escolhi quatro espaços para frequentar e assim obter as informações necessárias para a realização desta pesquisa. Eu já conhecia algumas garotas de programa, que também faziam strip-tease, isso facilitou a minha entrada nos estabelecimentos. As meninas circulavam entre esses espaços, além de outros que funcionam no centro da cidade de Fortaleza. A escolha não foi totalmente aleatória. Na realidade esses espaços consolidam os novos lugares de prostituição do centro da cidade. Oferecem vários serviços relacionados ao sexo e movimentam no imaginário masculino a grande máquina do prazer.

O primeiro funciona como cine, bar e ainda possui cabines individuais gratuitas. Há apresentações diárias de streep-tease aproximadamente às 19 horas, seguido de sexo explícito. O local funciona das 11h00min as 20h30minh. Algumas meninas ficam no recinto apenas um expediente, outras passam o dia inteiro, isso varia com base na disponibilidade da jovem. O estabelecimento mudou de nome. Quando iniciei a pesquisa, esse estabelecimento era chamado de Cine Jangada e estava situado na Rua General Sampaio, outra rua do centro da cidade de Fortaleza. Em 2010 é fechado e reabre com outro nome muito parecido Cine Janga.

O segundo já existe há anos. Bem localizado. Na entrada, uma lanchonete; passando por um estreito corredor, depara-se com um salão rodeado por mulheres do sexo e homens sedentos. Também há shows de streep, mas esses ocorrem quando um cliente solicita. É ele quem paga diretamente à dançarina/prostituta. Acontecem muitos shows durante a noite. É um dos espaços mais antigos do centro em funcionamento.

O terceiro espaço escolhido fica ao lado do anterior. As normas da casa são semelhantes e as portas se abrem em torno das 18 horas. Como descreve Vasconcelos (2010, p. 276 – 277):
Referido salão é revestido de grandes cartazes de dançarinas em trajes menores. Um bar, situado à esquerda acoplado ao caixa e sobre o bar o comando de som. As músicas são escolhidas pelas artistas dançarinas, que se montam em fantasias sensuais que possibilitem a flexibilidade da dança. Nem todas fazem programas com seus clientes. Algumas preferem tirar a roupa e dançar em pleno salão e ser vista por todos que ali circulam no momento. (VASCONCELOS, 2010, p. 276 – 277).

 Nos locais visitados, sempre havia novas garotas, novos olhares. Grande parte era conhecida, pois circulam nas várias casas de prostituição do centro da  cidade. Tudo depende da necessidade e oportunidades que se vão constituindo nesses espaços, que são profundamente voláteis em relação ao público  masculino e a participação feminina. Ou como bem percebe Oliveira (2010, p.

266), ao estudar os territórios de prostituição em Teresina e apresentá-los como territórios flexíveis. Aqueles que se são preservados no interior da cidade, mas para se proteger da concorrência se movimentam em praças e ruas da cidade.


O quarto espaço pesquisado e também situado no centro de Fortaleza é o Cine Club Majestick. Reedita o nome de um antigo cinema de Fortaleza, o Majestick, e aproveita o espaço de outro antigo cinema, o Fortaleza. Os espetáculos consistem em show de streep e, em seguida, o sexo explícito com algum cliente. Além de um narrador que atua movimentando o show.
Quem vem aí, essa morena é saradona, linda, maravilhosa, não é nada mais, nada menos do que a Bia. Vamos aplaudir galera, porque ela merece. (Locutor)
 Uma pequena escada leva à parte superior onde funciona um bar e alguns computadores que são disponibilizados aos clientes que pagam ingresso de 5,00 reais para terem acesso aos serviços pornográficos e sexuais.

O Majestick traz garotas lindas para você e um sexo gostoso, todas as quintas, sextas, sábados e domingos a partir das 19h30min. Além de você ver o show ainda pode participar subindo no palco. Isso tudo por apenas 5,00 reais. Ainda temos cinema e serviço de bar. (Locutor)
 No Centro também prevalece o horário comercial. Locais de prazer que só funcionam a tarde, para atender a clientela que só tem esse horário disponível, ou para empregar as garotas que trabalham com sexo, mas que precisa estar em casa às 18h porque a mãe acha que ela trabalha numa loja, como vendedora. Na verdade ela trabalha sim como vendedora. Ela vende o sexo, seu sexo. Mas o estigma que a prostituta  carrega não a permite dizer que ela vende seus próprios atributos.
Nas várias conversas que tive com meninas de programa, eu até me esquecia que estava fazendo pesquisa. O papo tão descontraído tornou a pesquisa mais prazerosa. Ganhei algumas amigas. Recebi propostas de programas. Conheci muitos clientes que me confundiam com as garotas de programa. Eu não podia ser indelicada e acompanhava a conversa que sempre terminava quando eu dizia que não trabalhava ali. Nem sempre dizia aos clientes que eu era pesquisadora tentando fazer a minha dissertação de mestrado. Já em relação às meninas, sempre vinha alguma dica. Parece até que se esqueciam que eu não era uma concorrente e às vezes vinham com um cliente para mim. Como sempre, eu tinha que me sair de alguma forma com muito jeito e dizer o mesmo de sempre, que eu não era garota de programa. Produzir conhecimento no mundo da prostituição é sempre algo muito delicado. É necessário o estranhamento, o desconhecimento ou como afirma Adad & Vasconcelos (2008, p. 216): Transver ou estranhar o mundo é abandonar o conhecimento consagrado.
Entende-se que o processo de pesquisa é algo inconcluso. Muitas questões que foram apresentadas no projeto de pesquisa foram redefinidas no momento da coleta de dados e até na análise deles. Isso se deve por vezes às escolhas do pesquisador e aos novos conceitos e fontes que passam a ser apropriados. Não somente na escolha dessas fontes que são coletadas, mas, principalmente, nos relatos que se tem à disposição e, principalmente, na linguagem que se utiliza para dizer o que se coletou e se utilizou na pesquisa. Nesse caso, a opção segue os rastros de uma pesquisa etnográfica.


 As lembranças e narrativas poderiam ser largamente utilizadas nesse tipo de pesquisa, já que a nossa pretensão não é produzir a verdade sobre a prostituição, mas entender o sentido que as garotas de programa imprimem ao ato de prostituição e as  suas mais variadas formas. Entre lembrança, esquecimento e discurso movimentam-se grandes fendas que podem ser apropriadas de formas diferentes. Conforme Ferreira: As distorções da memória podem se revelar mais um recurso do que um problema, já que  a veracidade dos depoimentos não é a preocupação central. (FERREIRA, 1994, p. 10).
A pretensão desta pesquisa, com a utilização de procedimentos etnográficos., seria também de realizar um acompanhamento sistemático das crianças filhas das prostitutas, no espaço privado ou educacional, o que possibilitaria uma rica coleta de dados além da utilização do diário de campo – peça fundamental – para registrar o cotidiano da prostituição.
(...) onde deve ser feita a entrevista? (...) Em geral, o melhor lugar será a sua casa. Isso é particularmente verdadeiro no caso de  uma entrevista centrada na infância ou na família. (THOMPSON, 1992, p.265).
Esse olhar a partir do cenário ou espaço privado registrados etnograficamente possibilitaria a elaboração de códigos, discursos a ações que seriam capturados no interior da própria coleta de dados. Como diria Malinowski:
(...) quanto maior for o número de problemas que leve consigo para o trabalho de campo, quanto mais esteja habituado a moldar suas teorias aos fatos e a decidir quão relevantes eles são às suas teorias, tanto  mais estará bem equipado para o seu trabalho de pesquisa (1984, p. 22).
O diário de campo teve grande importância nesta pesquisa. Os registros atividades das mães prostitutas foram descritos pela etnografia e iconografia. Descrição de movimentos, gestos, personagens, linguagem das garotas. A utilização dos instrumentos e suas descrições. Além de possíveis conflitos que se estabeleceram nesse cenário e os ensinamentos que se apresentaram nas conversas que acompanhadas no cotidiano.

Como diria Malinowski:
Na etnografia, o autor é, ao mesmo tempo, o seu próprio cronista e historiador; suas fontes de informação são, indubitavelmente, bastante acessíveis, mas também extremamente enganosas e complexas; não estão incorporadas a documentos materiais fixos, mas sim ao comportamento e a memória de seres humanos (1984, p. 18).
Os dados foram analisados utilizando a transcrição das entrevistas semi- estruturadas produzidas com as mães prostitutas. Esse processo permite ao pesquisador ir reagrupando a entrevista com os destaques que se fixam na linguagem dos próprios narradores.


 2.             O CORPO DA PROSTITUTA


"Mulher da vida, Minha irmã. De todos os tempos. De todos os povos. Ela vem do fundo imemorial das idades e carrega a carga pesada dos mais torpes apelidos e apodos: Mulher da zona, Mulher de rua, Mulher perdida, Mulher à toa." (Cora Coralina)
  
A prostituição pode ser definida como a troca consciente de favores sexuais por interesses não sentimentais ou afetivos. Esses interesses podem ser dos mais diversos, porém o mais habitual é o dinheiro.
Para Sousa não se pode querer abordar um estudo sobre a prostituição desprezando aspectos que podem parecer exóticos, pecaminosos ou imorais (1995, p. 67).
A prostituição se abriga nos territórios de desejos espalhados pela capital do Ceará. Desejo de prazer, desejo de poder, desejo de sexualidade.
Tiradentes afirma que
A prostituição, em sentido lato, tem sido compreendida como  um estado de promiscuidade sexual, em que os fins de concupiscência sobrepujam os da procriação. Neste sentido, alguns autores afirmam sua existência mesmo entre antropóides e outros animais. No entanto, em sentido estrito, a prostituição refere-se à prática do ato sexual com fins de lucro (p.27).

As cortesãs, nós as temos para o prazer; as concubinas, para os cuidados de todos os dias; as esposas, para ter uma descendência legítima e uma fiel guardiã do lar. (DEMÓSTENES Apud FOUCAULT, 1994).

A prostituta geralmente é vista sob duas ópticas: a mulher fatal e a vítima. A figura da mulher fatal, que entende tudo sobre sexo, que é capaz de levar um homem à loucura na cama, insaciável e bela é uma das imagens da trabalhadora do sexo. Diante de todos esses atributos, as prostitutas são temidas pelas esposas. Essa mulher fatal é
“sensual e misteriosa como os labirintos da cidade, porém dotada de extremo controle sobre o próprio corpo” (RAGO, 1991. p. 203). Aqui se encaixa a figura da mais bela cortesã do Rio de Janeiro do século XIX descrita por José de Alencar, Lucíola.
Elas escolhem com quem sair, e estipulam o preço que achar conveniente. Não são exploradas por cafetões ou cafetinas. Por outro lado, há a imagem de vítima. Aquela que não está ali porque quer, mas devido às condições sociais não teve alternativa. E é explorada pelo mercado. “... a prostituta traduz um ideal de libertação social e sexual da mulher (RAGO, 1991, p.201).” Em busca de aventuras, de conhecer novas pessoas, ou de novas experiências sexuais, a mulher que se prostitui se sente poderosa ao decidir o que fazer com o próprio corpo, inclusive vender o seu sexo. “A prostituta, de ser maléfico, passa a ser, para alguns, um... modelo de emancipação.” (ADLER, p.199)


Para Sousa,

 No âmbito simbólico e no imaginário social, as prostitutas representam tudo o que uma esposa e mãe não poderia eventualmente ser: sensual, despudorada, misteriosa, sem dono, livre para o sexo (SOUSA, 1995, p.69).
A conduta e os princípios da esposa são o oposto da trabalhadora do sexo, que não apenas tem relações sexuais com os homens casados ou solteiros, mas os ouve, os aconselha, e os diverte. O espaço ocupado pelas meretrizes é alegre. Gargalhadas, cheiros, música, bebidas. Um espaço verdadeiramente dionisíaco. É possível que por isso o exercício do meretrício seja considerado uma prática transgressora. Há uma ruptura com os valores burgueses.
Pode-se ainda dividir categorias de prostituição em: prostituição de luxo e baixo meretrício.


As prostitutas de classe social menos favorecida apresentam um discurso de que dentre os motivos que as levaram a escolher tal ramo de atividade se encontra a “necessidade de dinheiro, de ter como se sustentar e como sustentar seus filhos” (GUIMARÃES, 2008). Assim se apresenta o baixo meretrício, onde as mulheres  cobram preços menores, fazem pontos em locais públicos e comparada a outra categoria usam roupas e acessórios de baixo custo. São mais acessíveis, menos exigentes com os clientes, e a maioria tem filhos.


 Por outra via, há prostitutas ditas como de luxo, que pertencem a uma classe social mais elevada e/ou que possuem um nível de instrução maior, aqui se incluem as universitárias, que cursam universidades privadas e pagam seu curso com e dinheiro dos programas. Essas “justificam sua prática também como uma forma de conseguir dinheiro, com a diferença que esse dinheiro é usado para satisfazer seus caprichos, para uma ascensão à sociedade do consumo” (idem). Tanto as vestimentas, os locais freqüentados, e as exigências feitas exibem como são consumistas. Isso pode ser demonstrado nos inúmeros sites de acompanhantes. Pude verificar que também os tipos de clientes dessas meninas são outros, assim como os motéis frequentados.
 Os cachês são bem mais elevados. Algumas delas falam outros idiomas e também levam acessórios sexuais para o prazer do cliente. Atendem homens, mulheres e casais.
  
Para a antropóloga Rita Segato (Apud VARELLA et. al, ,

 Cada uma dessas formas de prostituição vai implicar um tipo diferente de relação entre mães e filhos, [...] Mas há uma coisa comum entre todas as formas de comercialização do sexo: a de que ser filho de uma prostituta não é a mesma coisa do que ser filho de qualquer outro profissional.
  
A existência da prostituição é fato constante e freqüente na história da humanidade. Também é popularmente chamada de „profissão mais antiga do mundo‟. Cada uma delas tem seus motivos para entrar e permanecer fazendo programa.


2 Ludmila, 22 anos, 1.67m, 121 de quadris. Cachê 250,00.


 A pobreza geral, a miséria proletária, a promiscuidade das habitações coletivas, a falta de educação profissional e de trabalho honesto, os lares desfeitos e defeituosos, o alcoolismo paterno, a ausência de amparo material e moral à infância desviada, tudo isso, porque é miséria ou consequência da miséria, constitui a verdadeira causa da prostituição, a causa fundamental. (TIRADENTES, p.32)
  
Segundo Melo (2001), no Brasil, desde o século XIX essa atividade é identificada na sociedade, mas somente em 1987, por ocasião da realização do I Encontro Nacional de Prostitutas e da criação de Associações Estaduais, percebeu-se uma iniciativa mais estruturada de organização de um movimento associativo próprio, e, preocupado com a redução do estigma, do estereótipo e da discriminação ao redor da atividade. Preocupado também com a melhoria de condições de trabalho e da qualidade de vida das prostitutas, e com o estabelecimento de uma linha direta reivindicatória com organizações governamentais e não-governamentais.
O incômodo ainda é muito grande em relação as prostitutas e aos lugares de prostituição. Entretanto, não se pode fechar os olhos a existência de inúmeras vidas que se seguem e se articular a outras tantas que participam dos prazeres e gozos de todos os dias. A busca da legalidade, do registro, do reconhecimento profissional se faz evidente.

2.1 O poder, o corpo e a sexualidade

 Houve, durante a época clássica, uma descoberta do corpo como objeto e alvo do poder. Encontraríamos facilmente sinais dessa grande atenção dedicada ao corpo – ao corpo que se manipula, se modela, se treina, que obedece, responde, se torna hábil ou cujas forças se multiplicam (FOUCAULT, 1977, p.125).
 De acordo com Foucault, o poder nas sociedades está relacionado ao corpo, já que é sobre ele que se impõem as obrigações, as limitações e as proibições. Assim, o sexo não poderia escapar desse esquema de controle.

Diz-se que no início do século VII ainda vigorava uma certa franqueza (...) Gestos diretos, discursos sem vergonha, transgressões visíveis, anatomias mostradas e facilmente misturadas, crianças astutas vagando, sem incômodo nem escândalo, entre os risos dos adultos: os corpos “pavoneavam” (FOUCAULT, 2007, p.09).

É a partir do século XVIII que se inicia a fase de repressão sexual na sociedade. O sexo começa a ser fiscalizado, e é apenas dentro de casa, no quarto dos cônjuges que ela pode ser reconhecida e mesmo assim cheia de regras e recomendações.
As diversas sexualidades eram vistas como doenças e em hipótese  alguma  aceita. Às crianças foi negado o direito de ter uma sexualidade. O discurso médico- sanitarista do século XIX serviu como base para toda essa vigilância.
De acordo com Foucault, é a partir desse período que há uma proliferação de discursos sobre sexo. Para ele foi o próprio poder que incitou essa proliferação de discursos através de instituições como a Igreja, a família, o consultório médico e a escola. Essas instituições não visavam proibir ou reduzir a prática sexual, mas o  controle do indivíduo e da população.
Dessa forma, prazer e poder se entrelaçam.
Prazer em exercer um poder que questiona, fiscaliza, espreita, espia, investiga, apalpa, revela; prazer de escapar a esse poder. Poder que se deixa invadir pelo prazer que o persegue – poder que se afirma no prazer de mostrar-se, de escandalizar, de  resistir (FOUCAULT, 2007, p.52).

As dançarinas prostitutas das casas noturnas do Centro de Fortaleza, exibem  seus corpos curvilíneos, suas vestimentas provocantes, e o ar sedutor sob o som de uma música envolvente, onde se pode observar uma forma prazerosa ao mostrar-se. Aqui também prazer e poder permeiam o mesmo território.
Durante um período, em um desses territórios de desejos, essas dançarinas cobravam o valor que achassem que mereciam por um strip tease, depois de um tempo, o dono do referido local decidiu estabelecer um preço único pela dança de qualquer que fosse a garota. A autoridade, o poder do patrão bane a diversidade das garotas, entre elas loiras, ruivas e negras, dos mais variados tipos de beleza, dos mais variados motivos e necessidades para o exercício da função, como se todas dançassem da mesma forma ou os mesmos possuíssem atributos. Afinal, há prostitutas e prostitutas.
As fantasias bem vendidas em sex-shops e que fazem parte do figurino do grupo citado acima, são as de colegial e de militar. A de colegial envolve a pureza da menina que se dedica a escola e é disciplinada. Já a de militar representa a autoridade, inclusive pelo significado do uniforme. Espaços de tanta repressão e controle, principalmente no quesito sexualidade. A escola e as forças armadas incitam o desejo pela quebra do poder no momento em que esse se mistura ao sexo, pelas indumentárias e pela fantasia.

 3.             PROFISSÃO: GAROTA DE PROGRAMA

 O Ministério do Trabalho e do Emprego (MTE) intitula e descreve a profissão das garotas de programa como:
5198-05 - Profissional do sexo: Garota de programa, Garoto de programa, Meretriz, Messalina, Michê, Mulher da vida, Prostituta, Trabalhador do sexo.
Na descrição sumária, encontra-se: Buscam programas sexuais; atendem e acompanham clientes; participam em ações educativas no campo da sexualidade. As atividades são exercidas seguindo normas e procedimentos que minimizam a vulnerabilidades da profissão.
A presença da profissão na Classificação Brasileira de Ocupações – CBO, gerou algumas polêmicas no país,

Brasília, 04/05/2005 - Nas últimas semanas, reportagens e notas na imprensa fizeram referência à presença na Classificação Brasileira de Ocupações (CBO), do Ministério do Trabalho e Emprego, da ocupação de profissional do sexo, como se o Ministério, por decisão política, estivesse estimulando ou oficializando tal ocupação. Parlamentares chegaram a tentar relacionar o fato com posições políticas, o que não cabe, por se tratar de trabalho técnico, por sinal concluído e publicado ainda no governo anterior.


 A nível de esclarecimentos o MTE publicou:
 A nomenclatura CBO-2002 foi elaborada a partir do padrão da Classificação Internacional Uniforme de Ocupações (CIUO-88, sigla em espanhol e ISCO-88, sigla em inglês), elaborada pela Organização Internacional do Trabalho (OIT). O Brasil é signatário da classificação internacional.

Dentre os vários usuários da CBO, podemos citar o Ministério da Saúde e o Ministério da Previdência Social, que associam a ocupação exercida à incidência de doenças, entre outros usos. Por exemplo, interessa ao Ministério da Saúde identificar e quantificar os profissionais do sexo e trabalhar junto a suas associações nas  campanhas de informação sobre as doenças sexualmente transmissíveis (DSTs). Os resultados obtidos nas campanhas de informação sobre AIDS fez do Brasil referência mundial de sucesso no controle da doença A existência de um código e a organização desses profissionais facilita tanto o trabalho dos ministérios como potencializa a eficácia dos programas de disseminação de informações.

Tendo em vista os recentes questionamentos envolvendo a família ocupacional 5198 - Profissionais do Sexo, comunicamos que o MTE estará realizando convalidações/revisões, para esta e outras famílias ocupacionais representadas no documento CBO, visando à implementação de ajustes que, eventualmente, se fizerem necessários.

Uma medida imprenscindível para a categoria foi atacada pela imprensa que  com sua característica controladora e preconceituosa, acaba dificultando as poucas conquistas que com tanta luta as postitutas buscam. O estigma que exclui tantas mulheres e tantas outras categorias,
(...) acreditamos que alguém com um estigma não seja completamente humano. Com base nisso, fazemos vários tipos de discriminações através das quais efetivamente, e muitas vezes sem pensar, reduzimos suas chances de vida. (GOFFMAN, 1988, p.15).

Durante o período da pesquisa, pude observar o constante interesse da mídia no tema da prostituição. Alguns locais que foram acompanhados nesses anos tiveram que ser fechados e/ou readaptados, pois tinham características de exploração sexual.
Emprego no Brasil é difícil, apesar das estatísticas mostrarem que as taxas de desemprego estão diminuindo.
Ser prostituta não requer nenhuma qualificação técnica. Para ter sucesso profissional, um corpo aparentemente saudável e muita disposição sexual  são suficientes. Outro aspecto também observado é o investimento que as meninas fazem para manter o visual atraente. Elas precisam comprar roupas insinuantes e sapatos de salto alto. Uma boa maquiagem não pode faltar. O cabelo também precisa estar em ordem. Unhas e depilação em dia.
Falta de emprego e facilidade para entrar na prostituição são os fatores que contribuem para que se encontrem tantas meninas nesse universo.
Em uma entrevista realizada por Roberts (1998), uma prostituta se posiciona: (...)Não vamos fazer o que se espera que façamos, não vamos nos sujeitar como mulheres da classe trabalhadora. (...)Por que não podemos também seguir nosso próprio caminho e ser independentes? E ganhar dinheiro, e conseguir uma vida melhor para nós mesmas e para nossos filhos? (Roberts, 1998, p.384).


 4.             OS PRAZERES DA DIFÍCIL VIDA FÁCIL


“A questão é tão espinhosa que as tentativas para defini-las serão múltiplas e
algumas vezes, contraditórias...” (SOUSA)

 “Tem gente que diz a nossa vida é fácil, mas não é. A nossa vida é muito  difícil”, desabafa Ana, 24 anos.
“Não consigo sentir prazer na hora do sexo, procuro pensar em outra coisa na hora.”, diz Thaís, 21 anos.
“Ás vezes consigo gozar, tem uns clientes que são carinhosos.” Ana, 22 anos. “O prazer é no final, quando recebo o cachê”. Susy, 25 anos.
O universo da prostituição não abriga apenas o prazer, nas declarações de algumas garotas de programa observa-se a dura realidade da vida delas. São inúmeros  os meios para contratar uma prostituta, e a cada encontro nenhuma delas sabe ao certo o que acontecerá. O gerente entrevistado também acha que é muito arriscado, elas nunca sabem quem vão encontrar pela frente. Débora afirmou que não gostava de colocar anúncio no jornal, para ela é muito perigoso, tenho medo. Aqui pelo menos tem muita gente, se acontecer alguma coisa comigo vão logo ficar sabendo.

Amanda mesmo achando arriscado, planeja.
Eu acho que eu vou colocar anúncio no jornal, mas tenho que arranjar um lugar pra levar os clientes. Aqui não, porque se eu trouxer pra cá as meninas tomam, e lá em casa não dá, né? Com meu filho lá? Não tem condições.

Drogas, álcool, violência e discriminação fazem parte desse universo. Numa das casas  de  prostituição  visitadas,  a  uso  de   drogas   era  explícito,  e  várias      garotas
„precisavam‟ para que pudessem „aguentar‟. Para suportar a noite que acabara de iniciar e que poderia ser rentável ou não.

Uma nova característica do esterótipo da prostituta no século  XX tem sido a imagem da “prostituta drogada” – a mulher dependente de droga, vítima potencial, que comercializa o sexo para sustentar o seu vício (ROBERTS, 1998, p.391).

Contando um pedacinho de sua história Gabriela diz como foi seu ingresso no mercado do sexo e fala sobre drogas,
 Comecei a me prostituir em 1999, com 15 anos de idade. Eu fugia da aula pra fazer programa. A cafetina me escondia no bar. Mas ela tinha a proteção da polícia. Ela conseguia os clientes e ficava com a maior parte do dinheiro. Com ela eu aprendi a beber, a fumar maconha e a cheirar cocaína. Acabei me viciando em cocaína. Hoje consegui deixar o vicio. Participo do grupo dos Narcóticos Anônimos.
 Mesmo em meio a esse cenário, Roberts defende:
  
Não obstante, saltar para a conclusão de que a prostituta “típica” é  uma viciada em heroína será um erro: Dado o uso difundido das drogas na sociedade, duvidamos de que haja muita diferença na percentagem de mulheres prostitutas viciadas em drogas e na percentagem de outras pessoas viciadas em drogas.” (p.391).

Existem muitos tipos de pessoas levando dessa forma aos vários tipos de prostitutas. Em seus estudos, Sousa obteve de uma prostituta a seguinte declaração: “Existe a prostituta pra se drogar, existe a que se droga pra se prostituir.”
Quando conversava com Amanda sobre a possibilidade de sair da prostituição ela respondeu:
É mais fácil sair quando não é viciada. Eu, por exemplo, sou viciada em bebida. Eu bebo muito. Não vou trabalhar à noite porque  eu sei que eu vou beber muito. Ás vezes, os clientes pagam bebida pra gente, mas quando não tenho cliente pra pagar eu acabo gastando meu dinheiro.

Nas casas que frequentei para realizar este estudo, o streep estava associado à prostituição e a dança do poste incentiva as jovens a cuidarem mais do corpo.

A dança, ou seja, o streep melhorou muito, pois ajuda as meninas a ter certa disciplina, induz a não beber, não se drogar, a cuidar mais do corpo, né? Quando eu não dançava, eu bebia muito, meu corpo era horrível. (Aline).

Amanda e Gabriela também praticam outra atividade física, a musculação, que contribui para o bem estar físico e mental.
Nesse meio nunca se sabe, nada é certo, tudo é um risco. O preservativo, como as propagandas pregam, não é determinante para um sexo seguro.
Grande parte dos clientes que procuram os serviços dessas garotas é casada. Amanda e Laura já usaram o estado civil de clientes como escudo: Várias pessoas da minha rua já me viram lá (se referindo ao local de prostituição), mas como eram casados não podiam falar nada. Eu não digo no meu bairro que faço programa, mas já vi um monte de gente de lá. (Amanda).
Uma vez eu encontrei um vizinho meu. Ele é casado. Eu não falei nada. E ele também não podia falar, porque a mulher dele não podia saber que ele freqüentava (Laura).



Os clientes são grandes colaboradores. Sem eles não seria possível.


A mulher pública foi marcada com ferro em brasa: proscrita e entregue a seus perseguidores; apenas ela, mas nunca o   homem
– seu parceiro com igual responsabilidade. (Flexner apud Adler, 1991: 200)

Com o intuito de finalizar a dissertação, marquei com uma garota de programa que já não via há seis meses, dias antes de entregar o trabalho.


Figura 12: Entrada do Cine Janga. Arquivo pessoal de José Gerardo Vasconcelos.


Marcamos no coração do Centro da cidade, próximo ao um dos principais pontos estudados durante a pesquisa, gostaria de registrar a mudança de endereço e do nome do estabelecimento. Para minha surpresa e satisfação, ela também havia marcado com outras garotas, que eu não conhecia, e ao se aproximarem surge o comentário: “Quem vê assim nem parece que é puta” (Grazielle, 22 anos), referindo-se às vestimentas de



Laura*, 27 anos. Ela usava uma calça preta e uma camiseta da mesma cor. Sandália baixa. Não usava maquiagem. As demais estavam com roupas minimalistas.
As meninas estavam em frente ao local de prostituição, onde também funciona um sex shop. Adentrando o território da prostituição, encontrei rostos conhecidos e outros novos. Algo que sempre esteve presente em minhas observações foi essa questão. Sempre há novas meninas no mercado. Mesmo que a sociedade considere a prostituição como algo sujo e maléfico, na oferta desse serviço sempre há novidade.
As meninas que Laura levou para conhecer o estabelecimento foram receptivas, apesar de num primeiro momento acharem que eu também ia fazer programa. Isso ocorreu inúmeras vezes. Graziele, uma das moças perguntou onde eu trabalhava, e eu falei que era professora. Ela soltou: Ah, você trabalha normal, né? Revelando o próprio conceito que essas mulheres têm de si mesmas.
Ademais, os padrões que ele incorporou da sociedade maior tornam-no intimamente suscetível ao que os outros vêem como seu defeito, levando-o inevitavelmente, mesmo que em alguns poucos momentos, a concordar que, na verdade, ele ficou abaixo do que realmente deveria ser. (GOFFMAN, 1988, p.17).

Os clientes, das casas estudadas, que não me conheciam, também achavam que eu fazia programa. Afinal, o que uma mulher vai fazer num local onde o sexo impera? Bem, eu tinha uma pesquisa para fazer. Com um tempo, quando eu já estava acostumada, até me divertia com a situação. Já não era tão assustador ser confundida com uma garota de programa, já que eu estava num ambiente onde todas as meninas faziam a vida. Em alguns momentos, isso até levantava minha autoestima.
As garotas da casa olharam as “rivais” dos pés à cabeça. Elas se sentem ameaçadas com a presença de novas garotas. Laura entrou numa espécie de camarim e foi se produzir para a noite.
Enquanto isso, aproveitei para conversar com o gerente da casa. Ele logo me deu notícias de Carol, uma garota de programa que conheci antes de iniciar o mestrado, Lembra da Carol, uma loirinha? Eu falei que sim. Ela agora é trocadora, saiu dessa vida. Arranjou um namorado. Toda tarde ela tá lá, na topic, e a noite ela faz um curso de enfermagem.



Carol saiu da prostituição. Pode ser que ela volte, pode ser que não. Muitas voltam.  O gerente do local deu a sua opinião a respeito:

  
É muito difícil. Elas se acomodam. Chegam aqui, ganham dinheiro fácil e gastam fácil também. Tem dia que apuram 100, 150, 200, mas tem dia que só ganham 30, 50. O problema é que elas se acomodam.

Nessa hora eu comentei com ele que muitas das meninas que conheci há uns quatro anos atrás continuam. E ele completou:
 É, poucas conseguem sair. Mas qualquer dinheiro que elas ganham fora da prostituição é mais digno. Tinha uma menina que trabalhava aqui no bar. Ganhava um salário. Quando foi um dia ela resolveu ir  pra um quarto com um cliente, e agora tá fazendo programa, ela viu que podia ganhar mais e acabou pedindo as contas.
 Durante a conversa a dançarina da noite chegou. Num primeiro momento eu realmente achei que ela não era prostituta. O rostinho de anjo escondia a fera que existia nos seus quadris. Pude constatar isso durante a dança.
Dançou. Pegou o dinheiro e foi embora.
Outro aspecto que me causava curiosidade era o relacionamento amoroso entre essas mulheres.
Laura quando indagada sobre namorados:


Eu nunca arranjei namorado, acredita? Eu tava ficando com um rapaz aí, mas era só por interesse. Não era por dinheiro, era porque eu queria que ele arranjasse um emprego pra mim. Dei o meu currículo pra ele.  E tava saindo pra ele me ajudar. Mas nem valeu a pena. Ele não arranjou foi nada.

Perguntei então se ele sabia que ela fazia programa, a resposta foi:
  
No começo não. Mas parece uma coisa, toda vida ele me via na  Pedro
I.   Só me via naquela rua passando. Eu dizia q ia visitar uma amiga minha, que eu realmente tenho uma amiga que mora por ali. Mas um dia ele me viu saído do motel com um velhinho. Ele perguntou e eu disse que não era programa não. Mas Acho que o velho contou pra ele (risos). Depois ele ficou me ligando e eu não atendia. Não gostava dele. Era como um cliente. Só queria o emprego mesmo.
 Ainda sobre possíveis namorados ouvi essas declarações:
  
Nunca mais arrumei um namorado fixo. Tenho medo que algo possa acontecer a elas. Isso não quer dizer que não possa  sentir  atração por algum cliente. Tem alguns clientes que me despertam grande atração sexual. Chego mesmo a gozar com alguns. (Gabriela).

Quando um cara conhece a gente aqui, ele não trata como namorada. Ele não tem tanto respeito. Acha que pode fazer qualquer coisa com a gente. (Amanda).

Foi difícil arranjar um namoro sério. Quando conheci o meu atual marido, eu já trabalhava com isso. Mas eu só disse depois. Ainda bem que ele entendeu. Engravidei e estamos juntos até hoje. (Luci).

É um pouco complicado, pois muitos não querem namorar, imagina com uma garota de programa, mas consegui sim permanecer em um relacionamento sério, precisa de uma pessoa compreensiva e que saiba que é só o meu trabalho. (Aline).

Sabe-se que para qualquer mulher que tenha filho é mais complicado arranjar  um companheiro, e para as prostitutas isso não é diferente. A profissão que elas exercem dificulta um pouco mais a aproximação de homens com interesse em compromisso.
Concordo com Roberts quando ela fala que “A prostituição é um trabalho difícil, tanto em termos físicos quanto emocionais.” (p. 391). Todavia o sentido mais apurado da prostituição, provavelmente tenha sido descrito pelo Marquês libertino, o Marques de Sade.
Para Sade (2003, p. 36 e 37), as prostitutas:

São felizes e respeitáveis criaturas que a opinião difama, mas a volúpia coroa; e quem, bem mais necessária à sociedade do que as recatadas, têm a coragem de sacrificar, para servi-la, a consideração que esta sociedade ousa lhes tirar injustamente. Vivam as que se sentem honradas com este título.

 5.             TRANSFORMAÇÕES NOS MODELOS FAMILIARES
  
O século XXI traz consigo mudanças significativas na estrutura familiar. Novos modelos de famílias podem ser claramente identificados. Baseado em Arriagada (2001), podemos classificar essas novas famílias em:
 a.      Nucleares tradicionais - Que são o chefe (pessoa responsável pelo sustento) e o cônjuge com ou sem filhos;
b.      Nucleares em que ambos os pais trabalham - Estas tratam de tipo de família que cresce bastante no Brasil atualmente, onde o pai e a mãe trabalham fora de casa;
c.      Nucleares com chefia masculina - Aqui se observa o pai como chefe e os filhos;
d.      Nucleares com chefia feminina - Em oposição ao modelo anterior a mãe como chefe e os filhos;
e.      Famílias extensas - Esse tipo se parece com o nuclear, mas se acrescenta a presença de outros parentes no domicílio;
f.       Famílias compostas - Aqui se enquadram as nucleares e extensas que contam com outras pessoas que não são parentes, com exceção das empregadas domésticas;
g.      Domicílios unipessoais - Uma só pessoa;
h.      Domicílios sem núcleo conjugal - Aquelas onde não existe um núcleo conjugal ou uma relação pai-mãe/filho-filha, mas podem haver outras relações de parentesco.
A partir dessa classificação, pode-se verificar em quais desses modelos da atualidade se enquadram as famílias formadas pelas profissionais do sexo de Fortaleza.

 5.1 - Indicadores Sociais

 A Síntese dos Indicadores Sociais 2000, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), nos mostra um crescimento de núcleos familiares onde as pessoas de referência (pessoas responsáveis pelo sustento) são mulheres.
Mesmo que o tradicional modelo de família ainda seja predominante, o número de famílias chefiadas por mulheres aumenta.


Famílias chefiadas por Mulheres no Brasil
Ano da pesquisa
Mulheres chefes de família
1992
21,9%
1999
26%
Fonte: Síntese dos indicadores Sociais 2000 – IBGE.



Vejamos outro gráfico, este da população cearense,



Mulheres chefes de família no Ceará
Ano da pesquisa
Mulheres chefes de família
1997
26,2%
1999
26,4%
2001
28,5%
2003
28,1%
2005
31%
2007
31,2%


Com o aumento das famílias chefiadas por mulheres, o número médio de filhos diminui. As mães precisam se ausentar da casa e um percentual elevado não têm companheiro.
A definição de família de acordo com o IBGE é


O conjunto de pessoas ligadas por laços de parentesco, dependência doméstica ou normas de convivência, que residissem na mesma unidade domiciliar e, também, a pessoa que morasse só em uma unidade domiciliar. Entendeu-se por dependência doméstica a relação estabelecida entre a pessoa  de referência e os empregados domésticos e agregados da família e por normas de convivência as regras estabelecidas para o convívio de pessoas que morassem juntas sem estarem ligadas por laços de parentesco ou dependência doméstica. As famílias conviventes são aquelas constituídas por, no mínimo, duas pessoas cada uma, que residissem na mesma unidade domiciliar” (IBGE, 2006b).

Das profissionais do sexo estudadas, todas são chefes de família, apenas uma, Luci, mora com um companheiro, mas é ela que sustenta a casa. Isso quer dizer que o retrato das famílias brasileiras está mudando e as prostitutas se encaixam nesse atual perfil, famílias nucleares com chefia feminina.
Gabriela mora com suas 02 filhas e a mãe. Quando ela sai para o serviço é a avó das crianças que cuida do que for preciso. Amanda mora só com o filho. Ele estuda de manhã, 11 horas ele vai pra casa. Volta da escola sozinho. Fica em casa sozinho. Ela declarou ser muito difícil arranjar uma pessoa de confiança para ficar com ele, e que aceite ficar por menos de um salário mínimo. Ela trabalha durante a tarde, pois que ficar mais tempo com a criança. E outra profissão não ofereceria horários tão flexíveis como  a atual.
Débora não é daqui, veio do Maranhão, tem 01 filho, de 7 anos. Seu filho mora com o pai, em São Luis, ela manda dinheiro para ele todo mês. De semblante triste, ela relata que sente muita falta dele. Mas entende que não tem condições de trazê-lo para Fortaleza, pois é melhor para ele viver com o pai e sua família. Ela o visita poucas vezes no ano.
Já  Laura tem duas filhas, atualmente  ela trabalha apenas 03 dias  por     semana.
Quando vai trabalhar, paga uma pessoa para cuidar das meninas.
Nas entrevistas realizadas, as garotas afirmam que seus filhos estudam, todos em escolas públicas, freqüentam as aulas, e sua vida escolar é acompanhada por elas. Mesmo que precisem sair de casa para fazer programa, as mães procuram saber do desempenho dos filhos na escola e também sobre o que fazem quando estão fora dela.
Cumpri-se assim o artigo 55 do ECA: Art. 55. Os pais ou responsável têm a obrigação de matricular seus filhos ou pupilos na rede regular de ensino.

 Acho que sou uma boa mãe. Procuro acompanhar o desenvolvimento delas. Procuro participar das reuniões na escola. Fico muito chateada quando a mais velha, a Débora*, tira notas baixas. Ela me dá muito trabalho. Não quer estudar. Quer passar o dia todo na rua. Brigo muito com ela. Gabriela, 28 anos.
 O discurso de Gabriela demonstra dedicação e cuidado com a educação das filhas, mas as meninas também não sabem que ela faz programa,
Tenho duas filhas para sustentar. Elas estudam e tenho muitos gastos. Na escola as professoras e a diretora não sabem que faço programa. Tenho medo que descubram. Sei lá. Podem tentar tirar as minhas filhas. Adoro as minhas filhas. Faço tudo por elas.

Amanda também se preocupa com a higiene do filho: Ontem eu cheguei em casa, ele tava lá fora jogando bila. Todo suado. Mandei logo ele ir tomar banho. Contou envaidecida a precocidade do garoto em poupar,

Todo dia eu dou 1 real pra ele. Uma vez ele juntou 60 reais pra comprar a blusa que ele queria. Tá certo. Ele já tá me ajudando. Me ajuda em casa e tudo mais. Uma vez ele arranjou um serviço numa bodega pertinho lá de casa, mas a mulher mandava ele fazer tudo, ele ficava cansado, e também ela queria pagar muito pouco. Aí ele me pediu pra ir lá e dizer que ele não ia mais (risos).

Ela também se mostrou apreensiva a respeito do futuro da criança: Eu fico muito preocupada com o caminho que o meu filho vai seguir. Porque tem dois caminhos, sabe? Eu fico com medo de qual caminho ele vai escolher. Por isso eu procuro tá lá, pertinho. Vendo o que ele tá fazendo.


6.             SOBRE INFÂNCIA, EDUCAÇÃO E FAMÍLIA
  
Em 1998, na cidade de Jundiaí – SP foi aberta a Escola Maria de Magdala, com  o apoio da Pastoral da Mulher, da Prefeitura e da iniciativa privada, destinada a filhos  de prostitutas e ex-prostitutas. Segundo a coordenadoria da escola cerca de 40% das crianças não são alfabetizadas.
A cada ano, o número de prostitutas tem aumentado significativamente estando a cidade de Fortaleza entre os quatro centros de tráfico  de  mulheres  no  Brasil,  perdendo apenas para São Paulo, Rio de Janeiro e Goiânia.
Nas grandes cidades o meretrício cada dia mais cresce e se agiganta, porque a miséria rural alimenta e engrossa a miséria urbana, devido ao êxodo dos campos empobrecidos e o urbanismo insaciável, por sua vez, atua como corruptor por excelência da juventude desprotegida. (TIRADENTES, p.33)

Todavia, em Fortaleza é desconhecida iniciativa semelhante a de Jundiaí. No Art. 2º da LDB encontra-se:
A educação, dever da família e do Estado, inspirada nos princípios de liberdade e nos ideais de solidariedade humana, tem por finalidade o pleno desenvolvimento do educando, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.
Os filhos das meretrizes têm direito à educação. E é um dever dessas mulheres educá-los, juntamente com o Estado.
O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) assegura:

Art. 4º É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura,  à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária.
As primeiras ações educativas exercidas sobre os seres humanos são praticadas pela família, no local de moradia, especialmente pela genitora. Para Simon (1999),
O contexto familiar compreenderia relações intrafamiliares conflituosas em função da educação autoritária dos pais,  ou ainda a total alienação e ausência dos pais frente aos filhos.
Dessa forma, Silveira (2000) acrescenta:

O espaço escolar representa oportunidade de resgate e superação das inúmeras carências presentes nesse contexto.
A importância da escola como meio de superação de carências merece destaque. Nesse espaço as crianças podem ser discriminadas, e cabe a instituição rever suas práticas. Se o indivíduo não encontra subsídios para seu crescimento pessoal em casa, e ao chegar à escola se depara com situações não favoráveis para esse crescimento esta não está realizando sua função.
As práticas pedagógicas dessa população em relação aos seus filhos incitam bastante curiosidade e questionamentos. Acredita-se nos pais como os primeiros  grandes preparadores emocionais dos filhos, influenciando no desenvolvimento dos mesmos não só através do trabalho educativo que desempenham, mas também como modelos de identificação, principalmente nos primeiros anos de vida deles.
Alguns pesquisadores percebem um esforço das prostitutas em separar o aspecto familiar do profissional, como mostra Moraes (Apud MELO, 2001):
 (...) havia a tentativa explícita de delimitar uma fronteira entre a mulher-mãe e a mulher-prostituta. Muitas prostitutas acabam por querer justificar sua estada na profissão com o argumento de que lá fora são outra pessoa. Não foram poucos os relatos em que afirmam que na Vila [Mimosa] são como as atrizes que desenvolvem uma personagem, não sendo nada parecidas com aquela que estamos entrevistando.
 É como se uma atividade fosse separada da outra, como se fossem dissociáveis:  a mãe e a prostituta. Pode-se interpretar como o exercício do meretrício negasse o exercício da maternidade. Preconceitos advindos da elite dominante da sociedade na qual vivemos, ditadoras dos bons modos e costumes, também participam da forma de pensar das prostitutas. Os relatos mostram as dificuldades dessas profissionais em administrar as duas coisas, maternidade e prostituição.
O fato de muitas delas passarem muito tempo longe de seus filhos, para trabalhar mesmo que justifiquem a profissão como artifício de melhor querer e atender as necessidades dos filhos (idem).
Não são raros os casos em que os filhos não têm conhecimento da profissão da mãe. Elas omitem como forma de protegê-los de estigmas,
Isso realmente foi constatado:
No local onde moro não me apresento como garota de programa. Sou dançarina. Minhas filhas sabem que sou dançarina. È claro que faço programa também. Sabe como é. Nem sempre a dança é suficiente para pagar as minhas contas. (Gabriela).

Eu digo que lá em casa que cuido de idosos. Mas se sabem, fingem que não sabem. E eu também não devo nada a ninguém. Uma parte da minha família tá no interior, e minha mãe tá no Rio. (Laura).

Meu filho não sabe que faço programa. Não conto pra ninguém. Falo que sou vendedora ambulante. Assim me livro dos comentários. (Amanda).
 Elas tentam preservar ao máximo a ocupação,
 Certamente, o papel da mulher historicamente idealizado pela sociedade e, sobretudo da mãe exerce forte influência sobre o exercício da profissão e consequentemente na postura diante dos  filhos (idem).

Segundo Moraes (Apud MELO, 2001):

(...) assim como acontece em outras situações, este aparato influenciou as vivências maternas e familiares destas mulheres e também produziu ambigüidades na assunção da identidade, fazendo com que elas assumissem diversamente discursos de resistência e defesas diante das concepções que negam às prostitutas o desempenho do papel materno (p.68).
A autora apresenta mais algumas interessantes considerações:
  
outras elaborações interpretativas também são acionadas por elas para reduzir a oposição entre o papel de mãe e de prostituta. É uma forma de buscarem atitudes compensadoras frente à negação da sua maternidade. Defendem-se deste mecanismo acusatório através de comportamentos que revelam excessivos cuidados e zelos para com seus filhos (...) (idem, p. 68).
 Em grande parte de entrevistas feitas com prostitutas mães, detecta-se que a justificativa mais presente é o sustento dos filhos, como dizia Juliana (SOUSA, 1995),
 “No meu caso, o que me levou a me prostituir foi porque eu tinha um filho pequeno e não tinha emprego no momento, e pensei em dar um tempo até arranjar um trabalho. No entanto, passei mais de dez anos lá dentro, ainda estou, porque aqui e acolá eu vou, não deixei totalmente. E eu só fui enquanto arranjava outro emprego; arranjei e continuo na batalha.”  (p.156)
 Entretanto não é o único. “As motivações para as mulheres ingressarem na indústria do sexo são as mesmas de sempre, as principais considerações sendo o  dinheiro as condições de trabalho (ADLER, p.382)”.
Um dos motivos que me levaram a entrar nessa vida de profissional do sexo, foi porque eu era muito compulsiva, comprava tudo que vinha na minha frente, fiz várias dívidas, fiz tratamento hoje não sou mais tão consumista, mas sair da vida  de garota de programa é difícil. (Aline)

Em uma das vezes que conversei com Amanda, ela me disse: Eu faço outras coisas, vendo perfume, vendo roupa, eu me viro de todo jeito. Eu gosto de vender porque tem dia que eu saio daqui sem nada. Ela ainda revelou que já fez muita coisa na vida, mas o que ela pensa sobre outro emprego:
 Outro emprego só é bom porque tem carteira assinada. Tem direito a férias e tudo mais. A gente que tá nessa se ficar doente tem que ter dinheiro guardado, mas é difícil porque tudo que a gente pega quer logo gastar. Já tentei sair dessa vida mas a gente que tem filho pra sustentar não dá. Precisamos de dinheiro todo dia. Mas se a gente ficar doente tem que ter um dinheiro guardado, porque se não tiver... mas é difícil guardar dinheiro.
 Gabriela dá aulas de pole dance para mulheres, em geral, que queiram aprender a dança, gerando assim uma renda extra. Laura iniciou um trabalho numa pousada, mas achava que o trabalho era muito pesado e salário muito baixo.
Outros estudos confirmam isso: o fato é que, para a grande maioria  das mulheres, seja qual for a sua classe, educação e perspectivas de carreira, a prostituição ainda representa a opção mais lucrativa. Nem toda mulher pode se tornar uma primeira-ministra.”(ROBERTS, 1998, p.383).

Em MELO (2001) observa-se que
(...) colaboradoras iniciavam seus discursos apresentando dificuldades, problemas financeiros e necessidades. Porém, no decorrer das entrevistas, deixavam escapar alguns pontos que demonstravam a existência de outros fatores envolvidos, tais como prazer, outras oportunidades, etc.


 É a necessidade que arrasta essa grande quantidade de mulheres ao universo da prostituição. Necessidade de dinheiro, de prazer, por sexo ou drogas.
Martin (Apud MELO, 2001) refere-se a essa questão apresentando o termo estereótipo da necessidade, que diz respeito à postura dessa profissional. Postura que tem como base um discurso simplista, utilizado como uma forma de comover os interlocutores e a coloca como vítima do destino e da sociedade, não restando outra opção que não a prostituição.
Diante das inúmeras vezes que se escutou tal explicação, surgiu a curiosidade e  o interesse em compreender como é, então, que as crianças são instruídas. Se há realmente um investimento no sustento e educação dos filhos, e se as mães estão satisfeitas com o retorno. Se, ir a batalha é suficiente e efetivamente decisivo para uma vida melhor, tão sonhada pelas mães para seus descendentes.


 CONCLUSÃO

 Ao caminhar pelos locais de prazer do Centro da capital do Ceará, buscando me apropriar da realidade daquelas garotas que tanto me faziam refletir, me deparei com situações inusitadas. Algumas engraçadas, outras nem tanto. Muitas questões só puderam ser esclarecidas através do contato direto. Algumas até me propuseram entrar no mercado do sexo. Aqui se confirma o que muitos estudiosos defendem: sempre há uma amiga que incentiva a entrada de uma garota no mundo da venda sexual.
Diante da vigilância instaurada no século XVIII pela família burguesa, a prostituição seria a ruptura com os discursos sobre sexo desse período. Contrariar o modelo da família burguesa não seria algo imoral, mas uma atitude de revolução e libertação.
Nos espaços de prostituição do Centro de Fortaleza é construída uma relação de poder referente ao lucro que a prostituta certamente oferece. A exploração se faz presente. A busca pelo controle das garotas é constante. Quanto mais mulheres para vender os donos desses espaços conseguirem, maior produtividade, maior o ganho. É a mercadoria que é oferecida nesse mercado tão promissor. Aqui se perde o caráter emancipatório que o meretrício deveria ter e prevalecem os esquemas de poder e controle. O corpo permanece dócil. É dócil o corpo que pode ser submetido, que pode ser utilizado, que pode ser transformado e aperfeiçoado (FOUCAULT, 1977, p.126).
Falta um movimento organizado das prostitutas da cidade, que poderia acarretar numa transformação da sociedade, diminuindo o preconceito que permanece sobre a classe e melhorando as suas condições de trabalho.
Aprendi sobre as dificuldades da vida e também sobre o lado prazeroso dessa atividade. Sim, existe prazer nesse meio. As vozes, os odores, os sabores  experimentados por mim nesse tempo foram de grande valia. Todo o movimento contribuiu para que eu pudesse enxergar, mesmo que parcialmente, um pouco do que os olhos daquelas meninas veem. Meninas que não são más. E estão longe de serem boazinhas. A natureza do ser humano atravessa qualquer definição contrária.
Elas são batalhadoras. Elas buscam sustento para si, para os filhos, e até para os pais. Para os irmãos, tios, e outros parentes. Elas mudam de cidade com intuito de oferecerem  melhores  condições  para  os  familiares.  Elas  mentem.  Elas  fingem.  Na verdade, elas não veem outra possibilidade de proteção senão a máscara que muitas delas põem para poderem sobreviver. Tentam, dessa forma, fugir do estigma.
Verifiquei que os movimentos das associações ainda não corresponde ao esperado e que prostituta, prima, taxigirl, garota de programa ou qualquer outra qualificação, inclusive profissional do sexo, que tenha como objetivo tirar as marcas pejorativas da atividade prostituinte, não tem surtido o efeito esperado de enfrentamento do preconceito.
Certamente, o contato com algumas delas se prolongará, e talvez mais tarde novas publicações acerca do tema possam ser apresentadas.
O mercado do sexo é traiçoeiro. A concorrência é grande e desleal. O tempo não colabora com a boa forma corporal dos humanos. Assim, não dá para sustentar uma família durante a vida inteira, trabalhando como garota de programa.
Elas têm muitas histórias para contar. A imaginação delas também é muito elaborada.
Mas eu não estava interessada em verdades ou mentiras. Interessa-me mais a realidade de cada prostituta mãe que pude acompanhar. As declarações feitas por essas mulheres me fizeram pensar muito sobre que mundo queremos para os nossos filhos e o que uma mãe estaria disposta a fazer para o bem estar de suas crianças. Também fiquei curiosa em saber a respeito das mães das prostitutas.
As oportunidades de emprego para essa meninas são raras, e as chances de arranjar um parceiro fixo quando se trabalha com a venda do corpo são mínimas. As crianças têm uma estrutura familiar abalada, isso é inegável, e o futuro delas não está  nas mãos apenas das mães. A sociedade inteira é responsável por esses filhos da Terra.
O que pode ocorrer com os filhos das damas da noite, quando elas atingirem a idade e/ou estado físico que já não lhes permitam trabalhar nas casas noturnas? Pode ser que essas crianças também se vejam sem escolhas e entrem no universo do prazer, que pode lhes sustentar por um bom tempo. Mas o estudo mostra que, enquanto podem, como podem, as mães prostitutas investem na educação das crianças, esperando que elas não ingressem nesse universo.
Não há meios para se acabar com a prostituição. Ela sempre existiu e sempre vai existir. E acho, profundamente, que ela é necessária. É preciso ter saídas. Muitas vezes  a prostituição é a saída, numa sociedade onde a concorrência de trabalho só se expande. E, nas casas de prazer, a concorrência também aumenta.
A prostituição é vista pelas garotas como meio de melhorar de vida, opinião essa que caminha contrário ao que a sociedade pensa. Mesmo que se ache que a prostituição é um mal que assola a humanidade, as garotas que entram nesse meio interpretam como uma forma de ascensão, jamais pensam que estão se diminuindo.
Não foi detectado que o meretrício interfere negativamente na educação dos filhos, principalmente porque em todos os casos investigados as crianças não tinham conhecimento da profissão das mães, estas preferem mentir, ou omitir o que fazem para que as crianças não sofram possíveis agressões oriundas desse tipo de trabalho. Elas veem a prostituição como uma atividade que gera dinheiro em poucas horas trabalhadas, permitindo assim que elas fiquem mais tempo com os filhos.
Elas têm a conscientização de que, para crescerem, as crianças precisam de um lar. Este é um lugar preservado pelas meninas e a promiscuidade e a falta de zelo  passam longe. Aquela ideia de que os meninos eram negligenciados foi extinta. Eles são bem cuidados. Na medida do possível. Dá sim para ser mãe e prostituta. Mãe, ela vai ser durante toda a vida, entretanto a atividade profissional que ela exerce um dia tem que  ser encerrada. O tempo se encarrega de tirar a beleza e a juventude essencial na carreira. Algumas, já próximo aos 30 anos, pensam em virar cafetinas.
Dos relatos coletados, observa-se que os filhos das prostitutas iniciam a vida escolar cedo, já que as mães precisam trabalhar e matriculam seus filhos em creches.
Acredito que não é necessário que a escola, em qualquer que seja a vertente, deva saber da profissão das mães dessas crianças, pois quando se têm essa informação a escola tende a ter uma postura preconceituosa. Conversas com professores da rede municipal de Fortaleza confirmam a hipótese supracitada. Eles dizem que não se deve diferenciar o tratamento do filho de uma garota de programa, todavia, diante de uma situação complicada, eles relacionam tal fato à criação familiar e diretamente mencionam a prostituição.
Quando a criança tem conhecimento da profissão da mãe, é provável que ela não tenha ideia de todos os percalços da opção da última.
As mães se dedicam à educação de suas crianças, como uma grande parcela da população, já que acreditam nela como único meio de “conseguir alguma coisa na  vida”. Elas se entristecem ao saber que seus filhos não vão bem na escola, ou quando não agem conforme as convenções sociais. A escola é, para as prostitutas e para a sociedade, uma estrutura segura capaz de garantir, no futuro, uma profissão diferente da de sua mãe.
Realmente, a família da prostituta não sabe, ou sabe e finge que não sabe, o que ela faz. Elas optam pelo sigilo, afinal isso é o que a profissão mais requer. Todos os que rodeiam e colaboram para que a prática aconteça, precisam ser secretos. Nem tudo pude ver. Nem tudo pude ouvir. Adentrar esse território foi o mais difícil nesse período.
Obviamente, a vida dessas crianças não é um conto de fadas, onde tudo é perfeito. Enfrentando as dificuldades do dia a dia, nas mais diversas nuances, esses meninos e meninas se desenvolvem naquilo que é possível, montam estratégias e vivem com que lhes é oferecido, e o fato de serem filhos de garotas de programa não o diferenciam dos filhos das diversas categorias de trabalhadores.
São muitos os sinônimos de prostituta, dentre eles, “mulher da vida”. O que é ser mulher da vida? É viver. É realmente fazer a vida. Afirmo que essas mulheres vivem com toda a intensidade. Não há uma terminologia melhor. Sorrir, chorar, gritar, dançar, transar, gastar. As mulheres da vida vivem.


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