Quem caracteriza o rosto da Igreja
Católica são as religiosas e os religiosos. São quase um milhão no mundo. Mas,
na Europa e na América do Norte, a maioria dos conventos em breve estarão
vazios. A reportagem é de Christian Modehn, publicada no sítio Publik-forum.de,
27-03-2015. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
O Papa Francisco declarou 2015 como o
"ano das ordens religiosas". Na Alemanha, são propostos dias de
portas abertas, fins de semana de reflexão e cursos espirituais. Um congresso
público sobre a vida religiosa em Berlim, em maio, deveria oferecer uma
constatação crítica da situação atual. Mas o congresso foi cancelado
repentinamente pela Zentrale der Deutschen Ordenoberen.
"Tem-se o medo de que haverá muita
exposição política, especialmente sobre o problema da migração para a Europa.
Depois, há a preocupação de que se possa chegar a conflitos entre a hierarquia
e os religiosos", afirma o padre Ulrich Engel, dominicano, professor em
institutos superiores e, desde sempre, um espírito crítico.
Muitos religiosos são pessoas exemplares
quando defendem os direitos humanos e tomam posição em favor de uma teologia
crítica. Mas muitos conventos na Europa e na América do Norte já são
praticamente lares de repouso para religiosos idosos. Em 2013, formaram-se na
Alemanha 62 noviças na sua congregação feminina. Há 60 anos, as noviças eram
3.500.
A idade média dos jesuítas nas
províncias de língua alemã é de 65 anos. As outras ordens têm uma média de idade
ainda maior.
Para poder fazer com que os mosteiros
funcionem, muitas ordens fazem ir à Europa os membros da Índia ou das
Filipinas. Os agostinianos, nos últimos 20 anos, abriram mão de 11 conventos e
fundaram um único novo.
Ulrich Engel sintetiza o clima: "A
situação parece sem esperança, e o tempo das ordens religiosas parece superado
no nosso país. Ou, ao menos, é o que as estatísticas levam a pensar".
Há muitas razões para o desaparecimento
das ordens clássicas: a secularização, o consumismo, a crescente distância da
Igreja. É fundamental o desconforto em relação aos três votos das congregações:
castidade, obediência e pobreza.
Sobre o voto de castidade, debateu-se
fortemente desde que se tornaram conhecidos os escândalos de abuso sexual nas
escolas das congregações. O problema sobre o qual é difícil discutir é o
seguinte: um homem na casa dos 30 anos ou uma mulher de 25 anos podem jurar que
irão viver "para sempre" em castidade, isto é, sem erotismo e
sexualidade? A quase total ausência de novas adesões é uma resposta.
O voto de obediência parece hoje
bastante inócuo. Na falta de pessoal, cada membro da ordem pode escolher hoje o
trabalho que lhe agrada e no qual mais se adapta. Se o superior de uma ordem
impõe que um membro realize um determinado trabalho, "o indivíduo é
bastante livre para aceitar totalmente, ou em parte, ou até mesmo a
recusar", afirma o padre dominicano Thomas Eggensperger. A obediência se
transforma em uma espécie de "livre escolha".
Para a opinião pública, a irritação surge
em relação ao voto de pobreza. Sobre a questão do dinheiro, as ordens
religiosas se calam ainda mais do que as dioceses ou o Vaticano. Elas não estão
prontas para declarar com precisão o montante do patrimônio de uma província ou
de um convento individual.
Arnulf Salmen, da Zentrale der Deutschen
Ordensoberen, tenta motivar essa atitude: "As comunidades religiosas não
recebem dinheiro dos impostos da Igreja e devem se encarregar da sua
manutenção, do sustento dos religiosos idosos e do financiamento dos seus
projetos sociais e pastorais. A conferência dos superiores das ordens não tem
conhecimento dos orçamentos dos seus membros".
Mas será preciso se preocupar com isso,
já que o diretor do "ministério das ordens" vaticano, o cardeal João
de Aviz, diz: "O testemunho do Evangelho exige uma administração das obras
totalmente transparente".
O fato é que diversas ordens se
beneficiam dos impostos para a Igreja. "Cerca de 70% dos padres
pertencentes às ordens estão a serviço das dioceses, com contratos (Gestellungsverträgen)",
afirma Ulrich Engel.
Isso significa que as províncias
religiosas são beneficiárias dos impostos pagos pelos leigos. Além disso, as
ordens são entidades de direito público e, portanto, têm consideráveis
benefícios fiscais.
Quem, por exemplo, se informa sobre a
província alemã dos jesuítas obtém a seguinte resposta: "Os próprios
jesuítas – como a maioria das outras comunidades – não sabem exatamente que
patrimônio toda a ordem da Alemanha tem".
De fato, as obras individuais – escolas,
institutos etc. – atuam autonomamente. Porém, alguém tem uma ideia global? As
ordens não revelam o patrimônio.
Um pouco de transparência é oferecida
por alguns mosteiros na Áustria. Os premonstratenses de Schlägl explicitam que
as suas posses no bosque se estendem por 6.500 hectares, isto é, 65 quilômetros
quadrados. Também obtém receitas da produção de cerveja, de um hotel, da
produção de eletricidade ecológica a partir de hidrelétricas.
A Augustiner-Chorherren-Stift
Klosternneuburg indica a posse de 8.000 hectares de bosque. Também possui 108
hectares de vinhedos, administra 700 apartamentos e tem muitos contratos de
locação de imóveis.
Naturalmente, a manutenção do esplêndido
palácio-convento custa muito caro, mas, para a restauração, há uma substancial
intervenção do Estado austríaco. No entanto, o Klosterneuburg refere que doou
em 2013 cerca de 15 mil euros para as vítimas das inundações, e os ricos monges
também usam o seu patrimônio para ajudar os pobres da Romênia.
Mas um membro individual de uma ordem
religiosa pode ser verdadeiramente pobre em conventos financeiramente bem
abastecidos? Os pobres religiosos talvez não vivem muito acima da média da
população?
"Absolutamente", afirma o
padre beneditino Ghislan Lafont, da França, "a nossa vida como monges está
muito acima do nível da classe média. Estamos muito longe de uma Igreja
realmente pobre".
Às vezes, as direções das ordens não
podem mais esconder que são realmente ricas. Por exemplo, o superior-geral dos
franciscanos, Anthony Perry, teve que admitir no fim de 2014 que a central dos
franciscanos em Roma estava no vermelho, porque o seu ecônomo, Giancarlo Lati,
tinha feito especulações de diversos milhões de euros.
Lati tinha errado investindo no luxuoso
projeto do hotel Il Cantico, em Roma, e tinha feito investimentos duvidosos na
Suíça, em parte também em empresas de produção de armas. O superior não explica
a origem desses milhões de euros – não exatamente quantificados – em posse dos
freis mendicantes.
O superior-geral da ordem dos
camilianos, Renato Salvatore, não queria desperdiçar as "suas boas
relações com os gerentes suspeitos", relata a imprensa italiana. Para
realizar um novo projeto de construção de uma clínica da ordem em Nápoles, com
o parceiro de negócios Paolo Oliveiro, fez com que fossem presos por policiais
falsos, em novembro de 2013, dois coirmãos que tinham expressado suas críticas
ao projeto.
Desse modo, sem os seus votos
contrários, esperava poder ser reeleito como superior-geral da ordem e realizar
o seu projeto. Essa farsa terminou com a prisão do superior. E, nesse meio
tempo, foi eleito um novo superior.
Conclusão: as ordens na Europa perderam
a oportunidade de criar novas formas de vida religiosa, com membros leigos
casados e celibatários, que permitissem a sua sobrevivência.
Na Holanda, são os "leigos
dominicanos", por enquanto cerca de 60 homens e mulheres, que levam
adiante a congregação de padres que está se extinguindo. Uma experiência
importante, mas ainda uma exceção. Fonte: http://www.ihu.unisinos.br
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