Se qualquer outro papa tivesse
produzido uma lista de cardeais similar a dos recém-designados pelo Papa
Franciscono domingo, a reação teria sido de choque e descrença. Em vez disso,
só houve uma surpresa momentânea.
A reportagem é de Robert
Mickens, editor-chefe da revista Global Pulse. Desde 1986, vive em Roma,
onde estudou teologia na Pontifícia Universidade Gregoriana, antes de
trabalhar na Rádio Vaticano por 11 anos e, em seguida, como
correspondente do jornal The Tablet de Londres. O texto foi
publicado no sítio National Catholic Reporter, 5-01-2015. A tradução é de Claudia
Sbardelotto.
Cardeais, pela primeira vez,
em remansos eclesiásticos como Tonga, Myanmar, Panamá e Cabo
Verde? Apenas um empregado da Cúria Romana na lista? Nenhum norte-americano
nomeado por Francisco? E duas das tradicionais "sedes
cardinalícias" da Itália, Turim e Veneza, esnobadas
por Ancona e Agrigento, lugares que não eram liderados por um
prelado de chapéu vermelho há mais de 100 anos?
Bem-vindo à era Francisco.
O papa jesuíta de 78 anos anunciou os nomes dos 15 novos cardeais eleitores e
outros cinco não eleitores com idade superior a 80 anos que se tornarão
cardeais no dia 14 de fevereiro, no Vaticano.
Suas escolhas expressam uma preferência por aqueles
que estão nas periferias e pelos homens que os pastoreiam, aqueles que estão à
margem da Igreja e da sociedade.
Entre os eleitores, cinco vêm da Europa, três
da Ásia e da América Latina e dois da Oceania e África.
Quatro são de ordens religiosas. Nove deles são ou foram eleitos presidentes
das respectivas Conferências Episcopais nacionais. Apenas seis foram nomeados
para seus cargos atuais pelo Papa Bento XVI, enquanto outros seis foram
colocados lá por João Paulo II e os três restantes por Francisco.
Prelados no comando de uma série de grandes arquidioceses
e de alguns escritórios do Vaticano, todos geralmente liderados por
cardeais, não receberam os chapéus vermelhos. Em vez disso, Francisco irá
colocá-los sobre a cabeça dos bispos aos quais os oficiais romanos não costumam
se submeter. Agora, eles vão.
Aqui estão eles e por que foram escolhidos.
***
Cinco europeus
Dominique Mamberti, 63 anos, prefeito da Signatura Apostólica
Natural da Córsega francesa e diplomata
papal de carreira, Mamberti foi nomeado bispo por João Paulo II.
Mas o Papa Francisco nomeou-o para o seu posto atual,
tradicionalmente dirigido por um cardeal, em novembro, após ter atuado como
"ministro das Relações Exteriores" do Vaticano durante o
pontificado de Bento XVI. Pela primeira vez na história recente, Mamberti é
única autoridade curial a se tornar cardeal no consistório.
Manuel Macário do
Nascimento Clemente, 66 anos, patriarca de Lisboa, Portugal
João Paulo II nomeou esse teólogo e ex-reitor
de seminário como bispo auxiliar de Lisboa em 1999, mas o Papa
Francisco nomeou-o Patriarca em maio de 2013. Ele é um dos poucos dos
novos eleitores em uma diocese tradicionalmente dirigida por um cardeal.
Seguindo o protocolo tradicional, a indução de Clemente para o
Colégio Cardinalício era esperada. Como atual presidente da Conferência
Episcopal Portuguesa, ele participou do Sínodo extraordinário dos Bispos sobre
a família em outubro.
Edoardo
Menichelli, 75 anos, arcebispo de Ancona-Osimo, Itália
Desde o século XVI, inúmeros cardeais lideraram
essa antiga diocese na costa adriática da Itália, mas nenhum nos últimos
cem anos. De 1968 a 1994, o recém-anunciado cardeal trabalhou no Vaticano,
onde se tornou um protegido e ex-secretário pessoal do lendário cardeal Achille Silvestrini, um dos melhores diplomatas da Igreja da
era pós-Vaticano II (proveniente da "escola Casaroli"). João
Paulo II nomeou Menichelli bispo em 1994 e o colocou em seu
cargo atual em 2004, estacionando-o naquela que era, naquele tempo, uma sé
decididamente não cardinalícia. Ele participou do Sínodo extraordinário como uma das 26
pessoas nomeadas pelo Papa Francisco.
Francesco
Montenegro, de 68 anos, arcebispo de Agrigento, Itália
Primeiro cardeal-arcebispo desta antiga diocese da Sicília desde
1786, Montenegro é ex-presidente da Caritas Italiana e atualmente
atua como chefe da comissão dos bispos italianos para os migrantes. Bento
XVI nomeou-o arcebispo deAgrigento, em 2008. Dentro de sua diocese
localiza-se a ilha de Lampedusa, ponto de chegada para muitos refugiados ("boat
people") do norte da África e local onde o Papa Francisco fez
sua primeira visita pastoral fora de Roma.
Ricardo Blázquez Pérez, 72 anos, arcebispo de Vallodolid,
Espanha
Um contrapeso teológico moderado e perene aos
prelados mais doutrinariamente conservadores e socialmente combativos da Espanha,
o novo cardeal está cumprindo seu segundo mandato não consecutivo como
presidente da conferência episcopal nacional. Nomeado bispo por João Paulo
II e escolhido para o seu cargo atual, em 2010, porBento XVI, ele é outra
escolha surpreendente a receber o chapéu vermelho. Blázquez é apenas
o terceiro arcebispo deVallodolid (fundada no século XVI) a se tornar
cardeal e o primeiro desde 1919.
***
Três asiáticos
Pierre Nguyên Van
Nhon, 76 anos, arcebispo de Hanói, no Vietnã
Esta é a sexta vez que a Igreja do Vietnã vê
um de seus tornar-se cardeal desde o primeiro chapéu vermelho do país em 1976.
Mas é a primeira vez em uma década que um cardeal vai dirigir a arquidiocese de Hanói.
Curiosamente, Van Nhon já ultrapassou em um ano a idade normal de
aposentadoria e reterá o direito a voto no conclave por apenas mais quatro
anos. Nomeado bispo em 1991 por João Paulo II, ele foi promovido a Hanói em
2010 por Bento XVI. Ele atuou como presidente da Conferência Episcopal
Vietnamita de 2007 a 2013.
Charles Maung Bo,
66 anos, arcebispo de Yangon, Myanmar
Ex-presidente da conferência episcopal nacional
birmaneza, esse salesiano é o primeiro cardeal na história dessa nação do Sudeste
Asiático, uma ex-colônia britânica marcada por conflitos étnicos e onde se encontra uma das maiores
diferenças de renda entre ricos e pobres do mundo. João Paulo II elevou
o designado cardeal para o episcopado em 1990 e promoveu-o a seu cargo atual na
maior cidade de Myanmar, em 2003. Dos 51 milhões de cidadãos do país,
apenas um pouco mais de 1% são católicos, fazendo desse lugar uma das
"periferias" menos habitadas da Igreja.
Francis Xavier
Kriengsak Kovithavanij, 65 anos, arcebispo de Bangkok
O ex-reitor de seminário e ex-pároco, formado em Roma,
é apenas o segundo cardeal da história da pequena Igreja naTailândia, onde nem
mesmo metade de 1% da população de 64 milhões é católica. Bento XVI elevou-o
bispo em 2007 e, em seguida, nomeou-o chefe de sua nativa arquidiocese de Bangkok dois
anos depois. Seu antecessor, o cardeal aposentado Michael Kitbunchu,
completará em breve 86 anos de idade, dando à Tailândia dois cardeais
vivos.
***
Três latino-americanos
Alberto Suárez
Inda, 75 anos, arcebispo de Morelia, do México
O México, que tem a segunda maior população
católica do mundo, surpreendentemente teve apenas 10 cardeais que datam de
1958. Esta é a primeira vez um cardeal irá liderar a arquidiocese de Morelia,
que nem sequer classifica-se entre as 15 mais populosas das quase 90 dioceses
desse país da América do Norte. Mas ela está localizado no estado central
de Michoacán, onde os cartéis, milícias de cidadãos, a polícia federal do México e
o exército, cada vez mais travam guerras relacionadas às drogas. A escolha do Papa
Francisco desse clérigo, formado em Roma, que completará 76 anos em
algumas semanas, é claramente destinada a reconhecer e apoiar os esforços da
Igreja na cura do conflito. Suarez chefia a arquidiocese desde que João
Paulo II o nomeou em 1995.
Daniel Fernando
Sturla Berhouet, 55 anos, arcebispo de Montevidéu, Uruguai
Até agora, este país sul-americano, situado entre a Argentina e
o Brasil, teve apenas um dos seus no Colégio dos Cardeais, um franciscano
capuchinho que deteve o título de cardeal de 1958 a 1979. Agora, ele terá um
salesiano com uma vasta experiência de governo em sua própria comunidade e como
presidente da Conferência dos Religiosos doUruguai. Bento XVI nomeou-o
bispo auxiliar de sua arquidiocese nativa de Montevidéu em 2011, e o Papa
Franciscofez dele arcebispo, em fevereiro de 2014.
José Luis Lacunza
Maestrojuan, 70, bispo de David, no Panamá
Lacunza, o primeiro cardeal neste pequeno país da América
Central de 3,6 milhões de habitantes, é realmente natural de Pamplona,
na Espanha. Ele foi para o Panamá quando era um jovem sacerdote
na década de 1970 para ser reitor de uma universidade dirigida por sua
comunidade religiosa, a Ordem dos Agostinianos Recoletos. João Paulo
II o fez bispo auxiliar da arquidiocese da Cidade do Panamá, em 1985,
bispo de Chitré em 1994, e então, cinco anos depois, bispo de David.
Ele é um dos três novos cardeais que não são arcebispos; sua diocese é a
segunda maior do Panamá, localizada no oeste do país. Lacunza serviu
dois mandatos não consecutivos como presidente da Conferência Episcopal do Panamá.
***
Dois africanos
Berhaneyesus
Demerew Souraphiel, 66 anos, arcebispo de Addis Abeba, Etiópia
Nomeado para o cargo atual em 1999 por João
Paulo II, ele segue seu antecessor mais recente como sendo o segundo bispo a
ser nomeado cardeal na Etiópia. Os católicos representam menos de 1% da
população total, onde a maioria é cristã ortodoxa e mais de 30% são muçulmanos.
O cardeal designado é vicentino (membro da Congregação da Missão)e fez
pós-graduação em sociologia na Universidade Gregoriana, em Roma. João
Paulo II nomeou-o a uma série de posições episcopais começando em 1992,
antes de nomeá-lo ordinário de Addis Ababa sete anos depois. Ele é o
presidente da Conferência Episcopal da Etiópia e da Eritreia desde
1999 e também é chefe de duas outras conferências episcopais regionais. Ele
participou do último Sínodo sobre a família no outono.
Arlindo Gomes
Furtado, 65 anos, bispo de Santiago de Cabo Verde, Cabo Verde
Esta é a primeira vez que a ex-colônia portuguesa
de Cabo Verde vai ter um cardeal. O destinatário do chapéu vermelho é
um filho da terra que possui uma licenciatura em Escritura pelo Instituto
Pontifício Bíblico de Roma (Biblicum). Ele foi professor, pároco
e vigário-geral da diocese até 2003, quando João Paulo II o nomeou
bispo da recém criada diocese de Mindelo. Bento XVI nomeou-o
para seu posto atual em 2009. Cabo Verde tem apenas meio milhão de
habitantes, mas mais do que 90% deles são católicos.
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Dois da Oceania
Arcebispo John Atcherley Dew, 66 anos, arcebispo de
Wellington, Nova Zelândia
Uma série de três cardeais-arcebispos dirigiram Wellington praticamente
ininterruptamente de 1969 a 2005. Depois de um hiato de 10 anos, o mesmo número
de anos que foi arcebispo, Dew será o quarto cardeal. Um pastor
prático, de pés no chão, formado na mentalidade do Concílio Vaticano II, Dew tem
vasta experiência paroquial e uma educação recebida na Nova Zelândia e Inglaterra. João
Paulo II o fez bispo auxiliar de Wellington em 1995 e, em
seguida, arcebispo coadjutor nove anos depois. Ele tomou as rédeas da
arquidiocese em 2005, quando o cardeal Thomas Stafford Williams, agora com
84 anos, aposentou-se. Ele é o presidente da conferência episcopal do seu país
e será visto como uma voz moderada a progressiva no Colégio dos Cardeais. Ele
participou do Sínodo sobre a família.
Soane Patita Paini
Mafi, 53 anos, bispo de Tonga
O primeiro cardeal da história do pequeno reino de Tonga será
o mais jovem membro da elite dos homens de chapéu vermelho, cujo principal
objetivo é selecionar o próximo papa. Isso é um voto desproporcionalmente
enorme para um lugar que possui um pouco mais de 15.000 católicos, tamanho de
uma grande paróquia nos Estados Unidos (que não receberam quaisquer
novos cardeais nos dois últimos consistórios). Mafi, de Tonga, na
verdade, passou dois anos emBaltimore, quando ele estudou psicologia antes de
retornar para casa para atribuições paroquiais e no seminário. Bento XVI nomeou-o
bispo coadjutor da diocese no final de 2007, e ele tornou-se o ordinário,
vários meses depois.
***
Com mais de 80 anos
O Papa Francisco também anunciou que vai
dar o chapéu vermelho para seguintes cinco homens, que têm 80 anos ou mais:
José de Jesús
Pimiento Rodriguez, 95 anos, arcebispo emérito de Manizales, Colômbia
Pio XII nomeou-o para o episcopado em 1955, e
ele participou de todas as quatro sessões do Concílio Vaticano II. Por
duas vezes foi presidente da Conferência Episcopal da Colômbia, em seus
anos de aposentadoria, tornou-se um padre missionário paroquial, em 1996, após
21 anos à frente da Arquidiocese de Manizales.
Arcebispo Luigi De
Magistris, 88 anos, Penitenciário-Mor emérito
De Magistris é oficial do Vaticano que
remonta ao final dos anos de 1950, quando ele trabalhava para o Cardeal
Alfredo Ottaviani no antigo Santo Ofício (atualmente a Congregação
para a Doutrina da Fé). Ele passou a maior parte de sua vida na Penitenciaria
Apostólica, a partir de 1979, como regente e, finalmente, como chefe do
escritório, de 2001 a 2003. João Paulo II nunca deu-lhe o chapéu
vermelho que sempre costumava ir com esse escritório. Seu sucessor também não
lhe deu. Evidentemente, era porque De Magistris opunha-se à
canonização do fundador do Opus Dei, José Maria Escrivá. De Magistris é
bem conhecido em Roma por apoiar a missa em latim e outras causas
tradicionalistas.
Arcebispo Karl-Josef Rauber, ex-núncio apostólico
Rauber é uma das chamadas "viúvas de Benelli",
diplomatas do Vaticano cujas carreiras eclesiásticas foram moldadas
por sua fidelidade ao cardeal Giovanni Benelli, o ex-vice-secretário de Estado do Papa
Paulo VI. Rauber foi uma das poucas e próximas "viúvas"
(outros sendo os cardeais Justin Rigali, Agostino Cacciavillan e Giovanni
Battista Re) que nunca tinham recebido um chapéu vermelho - até agora. O
cardeal designado recentemente foi núncio papal por muitos anos e em uma
entrevista de 2010, depois de sua última mensagem na Bélgica, criticou Bento
XVI pela escolha de André Léonard para substituir o cardeal Godfried Danneels como arcebispo de Maline-Bruxelas. Rauber disse
que Léonard não estava na terna (lista de três candidatos) que ele havia
enviado a Roma. O Papa Francisco, que é próximo de Danneels, de
81 anos, não fez Léonard um cardeal, e espera-se que ele aceite a
renúncia do arcebispo belga quando ele completar 75 anos em maio.
Luis Héctor
Villaba, 80 anos, arcebispo emérito de Tucumán, Argentina
O cardeal designado serviu como bispo auxiliar de
sua terra natal, Buenos Aires, imediatamente antes do padre jesuítaJorge
Mario Bergolio ser nomeado para a mesma posição. Ele serviu como
vice-presidente da Conferência Episcopal da Argentina quando o jesuíta
e futuro papa era o presidente.
Júlio Duarte Langa, 87 anos, bispo emérito de
Xai-Xai, Moçambique
Paulo VI nomeou o cardeal designado como chefe
da diocese de Xai-Xai, em 1976, onde permaneceu até sua aposentadoria
cerca de 28 anos mais tarde. Atuou como padre de paróquia por muitos anos, e
ele supervisionou a tradução dos documentos do Vaticano II para o
vernáculo.
Fonte: http://www.ihu.unisinos.br
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