A. Como abelhas do Senhor
1. Na base da
oração-contemplação vivida no Carmelo encontramos a experiência e o modo de
entendê-la dos eremitas que, no final do século XII e nos primeiros decênios do
século seguinte, viviam à imitação do Profeta Elias, no Monte Carmelo, perto da
fonte chamada de Elias, - “Em pequenas
celas, semelhantes a alvéolos, como abelhas do Senhor, recolhendo o mel divino
da doçura espiritual” (Jacques de Vitry) - esforçando-se continuamente para
assimilar o modo de ser de Cristo.
2. Esta atitude
dos primeiros carmelitas vem codificada na Vitae
Formula (depois Regra do Carmo), pelo santo Patriarca de Jerusalém, Alberto
de Vercelli, no bem fundamentado discurso sobre a oração, elemento primordial e
fundante da vida carmelitana, juntamente com a fraternidade e a diaconia.
B. Perspectiva cristocêntrica
3. O fundamento
de todo o discurso albertino é a colocação do Absoluto da experiência humana em
Jesus Cristo. Nele adquire sentido a expressão de conotação bíblica (cf. 2Cor
10,5), “Viver em obséquio de Jesus
Cristo” (RC, n. 2), aplicado conforme a mentalidade da época medieval:
colocando realmente Cristo como início e fim de toda a realidade e de toda a vida
carmelitana.
4. O centro
vital da proposta é a Eucaristia (cf. RC, n. 14), compreendida não como simples
rito, mas como realidade que constrói a Igreja, cujo significado está expresso
no simbolismo do convergir quotidano para a capela ou oratório, construído no
meio das celas.
5. O discurso
sobre a oração no Carmelo não pode ser compreendido sem esta sua característica
cristocêntrica e sem a referência eclesial do mesmo.
C. A estrutura dinâmica da oração segundo a Regra
6. Situando-se o
exame de todos os elementos (indicações e prescrições sobre a oração na Regra,
no contexto do primeiro grupo carmelitano (cf. espiritualidade da
peregrinação), encontramos mais que evidente o seu caráter cristológico que
unifica o empenho concreto (estrutura e formas de oração) e exige a encarnação
na realidade onde está se formando a Igreja, corpo místico e total de Cristo.
Em todo o discurso feito, através do estudo da Regra sobre a oração, é possível
individuar a estrutura dinâmica que vem proposta ao carmelita como caminho -
itinerário de crescimento em direção à plenitude de vida e a comunhão com Deus
e o seu mistério.
7. São elementos desta estrutura dinâmica:
• a atitude
dialógica de escuta e de acolhimento da Palavra (RC, nn. 10, 11, 14, 24);
• a busca de Deus
no quotidiano, baseada na interiorização (RC, nn.18-19; cf. também a
espiritualidade do caminho-peregrinação);
• a abertura ao
diálogo e à familiaridade com Deus que conduz à dimensão mais profunda e total
da contemplação, colocando a pessoa não somente em relação dialógica e amorosa
com Deus, mas também, conduzindo-a a viver em sua presença e a fazer tudo em
nome do Senhor (isto emerge da contemplatio
—> sapientia —> conformatio, conforme os nn. 10,
18-19).
8. A dinâmica da
oração apresenta harmonia equilibrada e interação :
• entre a
contemplação e a ação (a antinomia ou dicotomia entre contemplação e ação é
desconhecida na Regra. Fica claro em todo o conjunto do “discurso” que esta é
problemática mais tardia na vida da Ordem);
• entre a vida
litúrgica e a oração individual/pessoal (nn. 10-14);
• entre
indivíduo e comunidade (nn. 10, 11, 12, 14, 15);
• entre momento
presente e futuro escatológico (cf. n. 24).
D. No sulco da
perspectiva monástica
9. A dinâmica da
oração que vem da Regra é apresentada fundamentalmente, e antes de tudo, com o
caráter de continuidade segundo a oração monástica medieval e seu relativo modo
de conceber a relação entre a oração e a própria vida monástica .
10.Isto está
claramente indicado no texto albertino. O Carmelita realiza o seu ideal da
oração contínua na tríade “lectio divina-vigilias-salmos” e na vital e
harmônica relação entre a oração privada e a comunitária. Tal tríade e tal
relação devem ser interpretadas no contexto monástico da oração contínua da
qual S. Alberto usa a própria terminologia:
• Havia já nas
primeiras comunidades cristãs uma preocupação de “orar sem cessar” (Lc 18,1).
Continuando-se os usos da sinagoga e sob os desafios judaico-cristãos, a
solução para isto foi encontrada no dedicar à oração alguns dias ou momentos
especiais e algumas horas do dia (hora terça, hora sexta, hora nona). A esta
última prática se interpreta, atribuindo-lhe um valor trinitário, assumindo
ainda o seu simbolismo, o significado de plenitude da oração “contínua” (“3” é
símbolo de perfeição). Na práxis, a esta oração comunitária acrescenta-se o uso
da oração privada pela manhã, ao levantar do sol e à noite, ao cair da tarde.
Outra referência é também aquela relativa à ressurreição (manhã) e ao advento
final de Cristo (noite) na perspectiva de uma tensão escatológica da oração
enquanto momento salvífico. Afirma-se ainda, para a oração “contínua”, a
necessidade de que seja “pessoal”, com profunda interação entre as duas
dimensões da pessoa individual e comunitária.
• A preocupação da oração “contínua” é também
dominante no mundo monástico, no qual se seguem duas pistas de solução não
opostas e que se realizam entre ambas:
- a oração coral
ininterrupta (isto é feita por turnos contínuos de grupos de monges ou em 7
vezes (número perfeito), como parte mesma do louvor “Opus et Laus Dei”.
- a oração
contínua no espaço privado do monge, “no segredo do coração” e caminho da
interioridade, é também apresentada por três exercícios (outro número perfeito
que indica plenitude): lectio divina, salmos e vigílias.
11. A oração
contínua vem a ser o “banco de prova” do monge e o elemento que caracteriza e
resume sua vida. Pela forma como o monge considera a oração “contínua” (como
atitude de atenção contínua a Deus, ou seja como “Vacare Deo”) emergem dois
aspectos integrantes entre si:
• a oração como evento da história da salvação:
- os diversos
nomes da oração monástica, do início ao fim, indicam aspectos-gestos-fases de
uma mesma realidade do mistério salvífico.
- a divisão ente
oração privada e litúrgica, que vem em seguida, mantendo entre si uma profunda
integração.
- há também uma
integração feita através da oração, entre o momento da experiência feita e a
atualização da ação salvífica de Deus.
• a oração como
expectativa escatológica e busca da “semelhança com Deus”:
- esta
expectativa e retorno são realizados no momento concreto do quotidiano, no qual
se constrói o futuro;
- a oração nesta
prospectiva - como exercício do monge - é inseparável dos demais exercícios
comuns da vida quotidiana (trabalho, etc.). Para chegar a isto insiste-se no
recolhimento (como separação dos rumores e da agitação secular), na ascese (com
a prática do jejum, vigílias, mortificações ou penitências corporais), na
observância monástica (que compreende silêncio, purificação do coração,
humildade, compunção, paciência).
- nesta unidade
de vida a oração não é alienante, nem intimista, porém encarnada, ligada à vida
e à realidade na qual se constrói o futuro.
12. No mundo
monástico, obviamente, existiram problemas, sombras e luzes, no tecido deste
ideal da “oração contínua”. Levando-se em conta esta situação, o texto
albertino oferece oportunamente estruturas eremítico-cenobitícas (equilibradas
em 1247 com a adaptação mendicante) e meios para o desenvolvimento da oração: o
silêncio, a solidão, a mortificação corporal e o trabalho (cf. nn. 5, 6, 8, 16,
17 e 21).
E. A atitude dinâmica do “Vacare Deo”
13. Na Regra
Carmelitana a oração, antes de ser um precioso exercício, constitui-se numa
postura dinâmica no sentido do “Vacare Deo”, com seu caráter de continuidade,
conduzindo a uma dependência de Deus, buscado na própria vida, em cada situação
e aspecto da realidade quotidiana.
14. Por isto,
segundo a Regra, o carmelita deve concretizar a oração numa atitude vital,
tornando-se sempre disponível ao encontro com o Senhor, deixando-se tomar e
conduzir por Ele, saboreando sua presença, buscada e experimentada na realidade
da vida, nas várias circunstâncias que formam o seu quotidiano.
15. O “Vacare
Deo” produz, como conseqüência, o desenvolvimento mais profundo da dimensão
contemplativa do ser humano, levando-o à total transformação de seu mundo
relacional: sair dos próprios esquemas mentais para, em Deus, ver a realidade
com os seus “olhos” e amá-la com o seu “coração”, em cada um dos momentos da
vida que se tornam momentos de salvação, doados a cada um, “enquanto espera o retorno definitivo do Senhor” (Regra, n. 24).
APROFUNDAMENTO E INTERIORIZAÇÃO
1 - Para
pesquisar e partilhar ou fazer em grupos, como forma de aprofundamento:
• Segundo a
Regra do Carmo a oração sempre é feita na perspectiva cristocêntrica, com um
único e grande objetivo:“Viver em
obséquio de Jesus Cristo” (prólogo citando 2Cor 10,5). Do que aprendeu na
contemplação de Jesus Cristo, que aspectos lhe poderão ser úteis para a
vivência carmelitana?
• Tomar os nn.
10, 11, 14 e 18-19 da Regra e verificar o que propõem a cada um de nós para a
realização de nosso ser na vida Carmelitana.
• Ilustrar com
fatos as seguintes afirmações (buscar testemunhos de nossos místicos - palavras
ou exemplos):
- “A oração é o
banco de prova da vida carmelitana”.
- “A oração do
carmelita é um caminho excelente para a interiorização da Palavra de Deus e um
testemunho de consagração a Ele”.
- “Para o
Carmelita a oração não constitui um precioso exercício, mas consiste numa
delicada e contínua atenção a Deus, para viver inteiramente em sua presença e
conforme seu desígnio”.
• Considerando o
ser humano em suas dimensões terrestre e escatológica, o n. 24 da Regra do
Carmo faz duas importantes recomendações: (1) “fazer mais e colocar-se na
expectativa da vinda do Senhor...” (2) “ser generoso, porém com discrição”.
Qual é a função da oração em nossa vida em vista do atendimento destas
recomendações?
• O Carmelita
dos primeiros tempos não cria, nem teórica nem praticamente, problemas de
antinomia entre a oração e o resto da vida (trabalhos, apostolado). Levando a
sério o seu compromisso com Deus une perfeitamente:
- contemplação e
ação
- vida litúrgica
e oração individual
- vida em
comunidade e solidão
- momento
presente e futuro escatológico
Analise estes
aspectos, ilustrando a possibilidade de harmonia entre os mesmos, com textos
extraídos da Sagrada Escritura.
• Se você fosse
escrever uma Regra Carmelitana, com base no que refletiu sobre a oração:
- o que
confirmaria, em relação à oração?
- a que daria
mais ênfase?
- o que acharia
supérfluo, incompleto ou superado?
2 - As questões
que seguem são para reflexão individual, anotação no próprio diário espiritual
e partilha com o Mestre ou diretor espiritual. Esta parte deve ser feita com
serenidade, em momentos de solidão previstos para o cuidado da vida espiritual
do formando.
• Tomar como oração preparatória os textos bíblicos:
* 1Pe 2, 5-12 -
Convite a viver em Cristo, como pedras vivas
* 2Pe 2, 1-10 -
Revelação do poder da fé
* Jo 2, 1-11 - A
postura e a prece de Maria em Caná
• Sendo a
Eucaristia o centro da vida carmelitana, verificar como assume a sua preparação
e participação na mesma. De que forma a prolonga no seu dia-a-dia?
• Verifique
quais são os entraves ao silêncio interior que o impedem de ouvir a Palavra de
Deus. Busque inspiração na leitura de “O silêncio na vida carmelitana”.
• Como você
concilia em seu ser a oração litúrgica e a oração individual? De que forma uma
enriquece a outra?
• Você tem
experimentado a “Lectio Divina” como alimento da prática da oração contínua?
Que dificuldades encontra para experimentar com fidelidade esta forma de
oração? Que atitudes alimenta em sua vida?
PS: Feitos os exercícios não deixe de procurar ajuda
com seu orientador espiritual. Ela é indispensável para o seu crescimento
humano-espiritual-carmelitano.
Procure tirar as dúvidas, partilhar suas descobertas,
desafios, dificuldades, expectativas, compromissos.
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