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segunda-feira, 31 de março de 2014

A ORAÇÃO NAS ORIGENS E NA REGRA DO CARMELO

A. Como abelhas do Senhor
1. Na base da oração-contemplação vivida no Carmelo encontramos a experiência e o modo de entendê-la dos eremitas que, no final do século XII e nos primeiros decênios do século seguinte, viviam à imitação do Profeta Elias, no Monte Carmelo, perto da fonte chamada de Elias, - “Em pequenas celas, semelhantes a alvéolos, como abelhas do Senhor, recolhendo o mel divino da doçura espiritual” (Jacques de Vitry) - esforçando-se continuamente para assimilar o modo de ser de Cristo.
2. Esta atitude dos primeiros carmelitas vem codificada na Vitae Formula (depois Regra do Carmo), pelo santo Patriarca de Jerusalém, Alberto de Vercelli, no bem fundamentado discurso sobre a oração, elemento primordial e fundante da vida carmelitana, juntamente com a fraternidade e a diaconia.

B. Perspectiva cristocêntrica
3. O fundamento de todo o discurso albertino é a colocação do Absoluto da experiência humana em Jesus Cristo. Nele adquire sentido a expressão de conotação bíblica (cf. 2Cor 10,5), “Viver em obséquio de Jesus Cristo” (RC, n. 2), aplicado conforme a mentalidade da época medieval: colocando realmente Cristo como início e fim de toda a realidade e de toda a vida carmelitana.
4. O centro vital da proposta é a Eucaristia (cf. RC, n. 14), compreendida não como simples rito, mas como realidade que constrói a Igreja, cujo significado está expresso no simbolismo do convergir quotidano para a capela ou oratório, construído no meio das celas.
5. O discurso sobre a oração no Carmelo não pode ser compreendido sem esta sua característica cristocêntrica e sem a referência eclesial do mesmo.

C. A estrutura dinâmica da oração segundo a Regra
6. Situando-se o exame de todos os elementos (indicações e prescrições sobre a oração na Regra, no contexto do primeiro grupo carmelitano (cf. espiritualidade da peregrinação), encontramos mais que evidente o seu caráter cristológico que unifica o empenho concreto (estrutura e formas de oração) e exige a encarnação na realidade onde está se formando a Igreja, corpo místico e total de Cristo. Em todo o discurso feito, através do estudo da Regra sobre a oração, é possível individuar a estrutura dinâmica que vem proposta ao carmelita como caminho - itinerário de crescimento em direção à plenitude de vida e a comunhão com Deus e o seu mistério.

7. São elementos desta estrutura dinâmica:
• a atitude dialógica de escuta e de acolhimento da Palavra (RC, nn. 10, 11, 14, 24);
• a busca de Deus no quotidiano, baseada na interiorização (RC, nn.18-19; cf. também a espiritualidade do caminho-peregrinação);
• a abertura ao diálogo e à familiaridade com Deus que conduz à dimensão mais profunda e total da contemplação, colocando a pessoa não somente em relação dialógica e amorosa com Deus, mas também, conduzindo-a a viver em sua presença e a fazer tudo em nome do Senhor (isto emerge da contemplatio —> sapientia —> conformatio, conforme os nn. 10, 18-19).
8. A dinâmica da oração apresenta harmonia equilibrada e interação :

• entre a contemplação e a ação (a antinomia ou dicotomia entre contemplação e ação é desconhecida na Regra. Fica claro em todo o conjunto do “discurso” que esta é problemática mais tardia na vida da Ordem);
• entre a vida litúrgica e a oração individual/pessoal (nn. 10-14);
• entre indivíduo e comunidade (nn. 10, 11, 12, 14, 15);
• entre momento presente e futuro escatológico (cf. n. 24).

D. No sulco da perspectiva monástica
9. A dinâmica da oração que vem da Regra é apresentada fundamentalmente, e antes de tudo, com o caráter de continuidade segundo a oração monástica medieval e seu relativo modo de conceber a relação entre a oração e a própria vida monástica .
10.Isto está claramente indicado no texto albertino. O Carmelita realiza o seu ideal da oração contínua na tríade “lectio divina-vigilias-salmos” e na vital e harmônica relação entre a oração privada e a comunitária. Tal tríade e tal relação devem ser interpretadas no contexto monástico da oração contínua da qual S. Alberto usa a própria terminologia:
• Havia já nas primeiras comunidades cristãs uma preocupação de “orar sem cessar” (Lc 18,1). Continuando-se os usos da sinagoga e sob os desafios judaico-cristãos, a solução para isto foi encontrada no dedicar à oração alguns dias ou momentos especiais e algumas horas do dia (hora terça, hora sexta, hora nona). A esta última prática se interpreta, atribuindo-lhe um valor trinitário, assumindo ainda o seu simbolismo, o significado de plenitude da oração “contínua” (“3” é símbolo de perfeição). Na práxis, a esta oração comunitária acrescenta-se o uso da oração privada pela manhã, ao levantar do sol e à noite, ao cair da tarde. Outra referência é também aquela relativa à ressurreição (manhã) e ao advento final de Cristo (noite) na perspectiva de uma tensão escatológica da oração enquanto momento salvífico. Afirma-se ainda, para a oração “contínua”, a necessidade de que seja “pessoal”, com profunda interação entre as duas dimensões da pessoa individual e comunitária.
 • A preocupação da oração “contínua” é também dominante no mundo monástico, no qual se seguem duas pistas de solução não opostas e que se realizam entre ambas:
- a oração coral ininterrupta (isto é feita por turnos contínuos de grupos de monges ou em 7 vezes (número perfeito), como parte mesma do louvor “Opus et Laus Dei”.
- a oração contínua no espaço privado do monge, “no segredo do coração” e caminho da interioridade, é também apresentada por três exercícios (outro número perfeito que indica plenitude): lectio divina, salmos e vigílias.
11. A oração contínua vem a ser o “banco de prova” do monge e o elemento que caracteriza e resume sua vida. Pela forma como o monge considera a oração “contínua” (como atitude de atenção contínua a Deus, ou seja como “Vacare Deo”) emergem dois aspectos integrantes entre si:

• a oração como evento da história da salvação:
- os diversos nomes da oração monástica, do início ao fim, indicam aspectos-gestos-fases de uma mesma realidade do mistério salvífico.
- a divisão ente oração privada e litúrgica, que vem em seguida, mantendo entre si uma profunda integração.
- há também uma integração feita através da oração, entre o momento da experiência feita e a atualização da ação salvífica de Deus.
• a oração como expectativa escatológica e busca da “semelhança com Deus”:
- esta expectativa e retorno são realizados no momento concreto do quotidiano, no qual se constrói o futuro;
- a oração nesta prospectiva - como exercício do monge - é inseparável dos demais exercícios comuns da vida quotidiana (trabalho, etc.). Para chegar a isto insiste-se no recolhimento (como separação dos rumores e da agitação secular), na ascese (com a prática do jejum, vigílias, mortificações ou penitências corporais), na observância monástica (que compreende silêncio, purificação do coração, humildade, compunção, paciência).
- nesta unidade de vida a oração não é alienante, nem intimista, porém encarnada, ligada à vida e à realidade na qual se constrói o futuro.
12. No mundo monástico, obviamente, existiram problemas, sombras e luzes, no tecido deste ideal da “oração contínua”. Levando-se em conta esta situação, o texto albertino oferece oportunamente estruturas eremítico-cenobitícas (equilibradas em 1247 com a adaptação mendicante) e meios para o desenvolvimento da oração: o silêncio, a solidão, a mortificação corporal e o trabalho (cf. nn. 5, 6, 8, 16, 17 e 21).
E. A atitude dinâmica do “Vacare Deo”
13. Na Regra Carmelitana a oração, antes de ser um precioso exercício, constitui-se numa postura dinâmica no sentido do “Vacare Deo”, com seu caráter de continuidade, conduzindo a uma dependência de Deus, buscado na própria vida, em cada situação e aspecto da realidade quotidiana.
14. Por isto, segundo a Regra, o carmelita deve concretizar a oração numa atitude vital, tornando-se sempre disponível ao encontro com o Senhor, deixando-se tomar e conduzir por Ele, saboreando sua presença, buscada e experimentada na realidade da vida, nas várias circunstâncias que formam o seu quotidiano.
15. O “Vacare Deo” produz, como conseqüência, o desenvolvimento mais profundo da dimensão contemplativa do ser humano, levando-o à total transformação de seu mundo relacional: sair dos próprios esquemas mentais para, em Deus, ver a realidade com os seus “olhos” e amá-la com o seu “coração”, em cada um dos momentos da vida que se tornam momentos de salvação, doados a cada um, “enquanto espera o retorno definitivo do Senhor” (Regra, n. 24).

APROFUNDAMENTO E INTERIORIZAÇÃO

1 - Para pesquisar e partilhar ou fazer em grupos, como forma de aprofundamento:
• Segundo a Regra do Carmo a oração sempre é feita na perspectiva cristocêntrica, com um único e grande objetivo:“Viver em obséquio de Jesus Cristo” (prólogo citando 2Cor 10,5). Do que aprendeu na contemplação de Jesus Cristo, que aspectos lhe poderão ser úteis para a vivência carmelitana?
• Tomar os nn. 10, 11, 14 e 18-19 da Regra e verificar o que propõem a cada um de nós para a realização de nosso ser na vida Carmelitana.
• Ilustrar com fatos as seguintes afirmações (buscar testemunhos de nossos místicos - palavras ou exemplos):
- “A oração é o banco de prova da vida carmelitana”.
- “A oração do carmelita é um caminho excelente para a interiorização da Palavra de Deus e um testemunho de consagração a Ele”.
- “Para o Carmelita a oração não constitui um precioso exercício, mas consiste numa delicada e contínua atenção a Deus, para viver inteiramente em sua presença e conforme seu desígnio”.

• Considerando o ser humano em suas dimensões terrestre e escatológica, o n. 24 da Regra do Carmo faz duas importantes recomendações: (1) “fazer mais e colocar-se na expectativa da vinda do Senhor...” (2) “ser generoso, porém com discrição”. Qual é a função da oração em nossa vida em vista do atendimento destas recomendações?
• O Carmelita dos primeiros tempos não cria, nem teórica nem praticamente, problemas de antinomia entre a oração e o resto da vida (trabalhos, apostolado). Levando a sério o seu compromisso com Deus une perfeitamente:
- contemplação e ação
- vida litúrgica e oração individual
- vida em comunidade e solidão
- momento presente e futuro escatológico
Analise estes aspectos, ilustrando a possibilidade de harmonia entre os mesmos, com textos extraídos da Sagrada Escritura.
• Se você fosse escrever uma Regra Carmelitana, com base no que refletiu sobre a oração:
- o que confirmaria, em relação à oração?
- a que daria mais ênfase?
- o que acharia supérfluo, incompleto ou superado?
2 - As questões que seguem são para reflexão individual, anotação no próprio diário espiritual e partilha com o Mestre ou diretor espiritual. Esta parte deve ser feita com serenidade, em momentos de solidão previstos para o cuidado da vida espiritual do formando.
• Tomar como oração preparatória os textos bíblicos:
* 1Pe 2, 5-12 - Convite a viver em Cristo, como pedras vivas
* 2Pe 2, 1-10 - Revelação do poder da fé
* Jo 2, 1-11 - A postura e a prece de Maria em Caná
• Sendo a Eucaristia o centro da vida carmelitana, verificar como assume a sua preparação e participação na mesma. De que forma a prolonga no seu dia-a-dia?
• Verifique quais são os entraves ao silêncio interior que o impedem de ouvir a Palavra de Deus. Busque inspiração na leitura de “O silêncio na vida carmelitana”.
• Como você concilia em seu ser a oração litúrgica e a oração individual? De que forma uma enriquece a outra?
• Você tem experimentado a “Lectio Divina” como alimento da prática da oração contínua? Que dificuldades encontra para experimentar com fidelidade esta forma de oração? Que atitudes alimenta em sua vida?

PS: Feitos os exercícios não deixe de procurar ajuda com seu orientador espiritual. Ela é indispensável para o seu crescimento humano-espiritual-carmelitano.
Procure tirar as dúvidas, partilhar suas descobertas, desafios, dificuldades, expectativas, compromissos.


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