Lúcio Flávio Pinto
Entrevista do jornalista paraense Lúcio
Flávio Pinto aos alunos de jornalismo da Unesp (Universidade do Estado de São
Paulo) de Bauru.
A pós deixar a grande imprensa e começar a trabalhar no
Jornal Pessoal, você acredita que conquistou uma maior liberdade para se
expressar e divulgar suas opiniões e ideias?
Você acha que as leis deveriam proteger melhor os jornalistas ao exercerem sua liberdade de imprensa?
Recentemente, um ranking sobre o nível de liberdade de
imprensa nos países foi divulgado e o Brasil ficou em uma posição bem ruim por
conta do alto número de assassinatos de jornalistas, da constante influência
empresarial e política no ramo e de ações sociais contra blogueiros e sites. O
que você acha que pode mudar essa situação?
É uma situação grave e paradoxal. Esta é a mais longa
democracia que já tivemos na república brasileira. Graças a essa longevidade
(para o liliputiano padrão brasileiro de democracia), começam a surgir
instituições e outras se fortalecem. No entanto, há menos liberdade de crítica
e mesmo de informação. Várias das instituições em vigor, sobretudo as que
deviam ser os esteios da sociedade, com destaque para o judiciário e o
executivo, se mostram refratárias à fiscalização e ao controle social. Quem
ficar acima e fora do alcance das representações menos institucionais da
sociedade, como a imprensa.
Claro que não existe "uma” ou "a” imprensa.
Há uma variedade enorme de entes individuais sob esse conceito. Mesmo as
piores, no entanto, são vitais para a democracia. Todos devem poder se
expressar, sobretudo quando dirigem suas baterias na direção do poder
institucionalizado. E as chamadas autoridades, de que natureza ou formato
sejam, devem reagir com a verdade, ou contribuir para a sua busca. Mas
geralmente reagem com intolerância, abusando do próprio poder.
O judiciário, como autor ou instrumento da repressão à
liberdade, tem tipo papel destacado. Daí haver tantos processos contra
jornalistas e outros personagens que manifestam crítica e opinião. Levada ao
extremo, essa reação resulta em atentados contra a integridade e a vida por
dito crime de opinião. O Brasil enriquece, mas a liberdade tem sido
empobrecida.
Em 2005, você foi premiado com o Internacional Press
Freedom Award pela defesa da liberdade de imprensa. Acredita que no Brasil
ainda sofremos muito com esse tipo de censura?
A censura tem remotas raízes no Brasil. É um valor
muito mais cultuado do que a liberdade. Quando se compara com a evolução
histórica de um país que se constitui ao mesmo tempo, como os Estados Unidos, é
um contraste brutal. A imprensa surgiu no novo continente, das Américas, um
século antes de colocar os seus pés no Brasil. E quando surgiu já encontrou
postada a junta de censura do império português, que tentava impedir a
independência da sua colônia americana. O primeiro jornal teve que circular
fora do país, em Londres, em 1808, quando a imprensa já estava estabelecida na
parte hispânica e anglo-saxônica das Américas.
Assim, tanto a sociedade quanto o poder são sempre
tentados a cercear a liberdade de expressão. Ou pela intervenção política
direta das ditaduras ou pela coação pessoal, psicológica, sem falar no
instrumento mais eficaz: a compra. É esse instrumento que age agora, na nossa
longeva democracia, depois de duas décadas de ditadura. A autocensura é o fato
mais destacado e perigoso dos nossos dias. Não só as empresas se automutilam
para servir aos seus interesses. Os jornalistas também se colocam a mordaça – e
às vezes sem ordem patronal ou coação externa. É porque muitos jornalistas também
se tornaram extensões do poder coercitivo, cúmplices da manipulação da opinião
pública.
Sem dúvida. Adotei o menor formato possível que
qualquer publicação podia ter para se viabilizar com plena liberdade. Escrevo
todo o jornal, tenho apenas a participação do meu irmão na edição e ilustração,
mais a gráfica para imprimir e uma agência para distribuir os exemplares. Não
há custo menor. Não uso cores nem fotos. Assim, pude dispensar a receita da
publicidade, para isso aceitando ser pequeno e pobre. Mas há o lado ruim dessa
opção: não tenho capital para bancar viagens e outras despesas.
Mais do que nunca, a informação custa caro. É uma
ilusão infantil achar que ela está toda na rede mundial de computadores. Há
informações que só se obtém indo aos locais onde os fatores acontecem e
conversando com os personagens dos fatos, que, evidentemente, não caem dos céus
como maná semiológico. Esta mobilidade e capacidade de penetração o meu jornal
não tem.
Como eu já estava havia 21 anos no jornalismo
profissional quando comecei o Jornal Pessoal, depois de atuar em algumas das
principais empresas jornalísticas do Brasil, uso esse capital até hoje para
suprir minhas deficiências. O que me surpreende – e me entristece – é que mesmo
sendo um anão empresarial, consigo dar informações que jamais aparecem na
grande imprensa.
Você já sofreu algum tipo de censura em
relação ao seu trabalho? Se sim, como isso se deu?
Muitas e distintas, na ditadura e na democracia. Mas
reagi a todas. Pedi demissão três vezes de grandes empresas jornalísticas por
não concordar com a censura. Tive que fazer isso porque, apenas dois meses
depois de ter ingressado no jornalismo, em 1966, consegui meu primeiro espaço
de opinião. Era uma coluna cultural chamada "De gente, fatos e livros”. Às
vezes tive de negociar a publicação de algum artigo que a direção da empresa
não queria publicar. Quando houve intolerância, pedi o boné.
Nunca aceitei a censura como uma ordem. Ela pode ser
uma condição, que não temos o direito de ignorar. Se existe, é por resultar de
um ato de força, que pode estar disfarçado e ser sutil. Temos que reagir à sua
origem. Com meu Jornal Pessoal deixou de haver censura. Nem mesmo a
subconsciente, dentro de mim. Pago caro, mas gozo de plena liberdade, como
nubca tivce.
Já presenciou algum tipo de censura? No
local de trabalho ou com colegas da área?
Sou de uma geração que conviveu com a censura,
sobretudo a que veio com fúria depois do AI-5, no final de 1968, o "ano
que não terminou”. A única vantagem desse relacionamento é que sabíamos
perfeitamente quem era o inimigo: era aquela pessoa mandada para a redação com a
missão de mutilar o trabalho dos profissionais da imprensa. Fazíamos o que
podíamos para resistir e nos contrapormos a esse personagem, Hoje o jornalismo
está ao nosso lado e pode ser um de nós.
Você foi professor visitante em várias universidades.
Como você vê o assunto ‘liberdade de imprensa’ sendo tratado nas instituições
de ensino? Acredita que esse é o modo correto de tal assunto ser abordado?
Há um grande preconceito acadêmico contra o
jornalismo. Inclusive nos cursos de comunicação social. Há um tipo de acadêmico
que não considera o jornalismo como fonte de referência confiável. É difícil
encontrar fontes jornalísticas na bibliografia das dissertações e teses
universitárias. Em parte, a restrição procede. Muitos jornalistas não são
rigorosos na apuração dos fatos e poucos utilizam métodos de observação
científicos. Mas o jornalismo de linha de frente, que está nos acontecimentos
quando os canhões ainda estão quentes, de fato ou metaforicamente falando, esse
é imprescindível nos nossos dias de vida digital e virtual. Mesmo assim, os
acadêmicos viram os olhos dessa fonte. E muitos encaram a imprensa com
preconceitos e dogmas. Acham a imprensa nada mais do que arauto do poder
estabelecido. É uma visão esquerdista, no sentido daquela doença ideológica
apontada por Lênin (antes de também se sujeitar a ela).
Acredita que com a internet e o maior
número de meios para divulgar artigos e trabalhos a liberdade de imprensa possa
ser, vamos dizer, ‘mais praticada’?
De fato há incomparavelmente mais liberdade, mas a taxa
de eficiência dessa liberdade é espantosamente baixa. O caldo dessa cultura é
engrossado por opinião em cima de opinião. A internet é o paraíso do
"achismo”, praticado por donos da verdade capazes de qualquer juízo de
valor, mas pouco propensos a demonstrá-lo. O mundo digital, prometendo o
paraíso. É um doce desvio para o inferno.
Você acha que as leis deveriam proteger melhor os jornalistas ao exercerem sua liberdade de imprensa?
Fiel às remotas origens autoritárias da vida coletiva
no Brasil, o legislador sempre está mais preocupado em cercear a imprensa do
que em liberá-las das amarras e condicionantes do poder. Voltando ao paralelo
com os EUA: terminada a constituição americana, Jefferson se voltou ao texto
enxuto e adicionou-lhe a primeira das duas dezenas que ele viria a ter nos dois
séculos e meio seguintes. Foi para não deixar dúvida que os pais fundadores da
pátria consideravam a imprensa mais importante do que o governo. A imprensa
traduz melhor a sociedade do que o governo. É mais porosa e permeável, a
despeito de todos os seus vícios e defeitos. Graças a ela, o New York Times
pode publicar os documentos secretos do Pentágono sobre a guerra no sudeste
asiático e o Washington Post seguiu na apuração do escândalo de Watergate, num
momento em que o presidente Nixon queria mandar cortar os seios de Katharina
Graham, a dona do jornal.
Os casos de assassinatos mais recentes
ocorreram em anos eleitorais. Você acredita que isso é apenas uma coincidência?
Os casos mais recentes de assassinato estão
acontecendo durante o ano inteiro. Pode haver maior incremento em eleições de
assassinatos políticos, que incluem a imprensa. Mas é um incremento sazonal
típico. Há outros no curso do exercício de sangue de todos os anos. A expansão
do homicídio é a contrafação do enriquecimento abusivo de certos setores
sociais do país, um dos mais injustos do planeta.
Por fim, qual a sua opinião sobre a
liberdade de imprensa no Brasil?
Continua a ser principalmente a do dono, seja o dono
da empresa jornalística como daquele que pode comprá-lo e aos demais. A
liberdade passou a ser uma commodity de mercado.
Fonte: http://www.adital.com.br/
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