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domingo, 26 de agosto de 2012

OLHAR O PASSADO COM OS PÉS NO PRESENTE:Frei Eustáquio van der Werff (5.60) - Falecido 11-05-1999

Eustáquio van der Werff - Unaí
Por Frei Carmelo Cox, 0.Carm.
Nasci na Cidade de Winschoten no dia 5 de março de 1919. Era naquele tempo ainda uma cidade pequena com uns 30.000 habitantes, dos quais 2% eram católicos. Praticamente nada. Mas a paróquia funcionava bem. O vigário era um homem bom. Dele aprendi muitas coisas. Especialmente como deixar nas pessoas a impressão de para elas se tem todo o tempo disponível. Aquele vigário fora durante muitos anos professor de matemática. Não sabia pregar mas a administração da paróquia era exemplar. Deve-se a ele a construção de uma escola e de um hospital para aqueles 2% de católicos, o que naquela época significava muita coisa. Ele sabe administrar o dinheiro. Prestava atenção especial aos coroinhas, dos quais eu era um. Durante a Missa a gente fazia muita bagunça nas costas dele. O povo se queixava disto. Então dizia sempre que não tinha olhos nas costas e por isso não tinha visto nada e nós nunca recebíamos castigo.
O meu pai era alfaiate. Era um católico da pesada. Éramos uma família católica de verdade. A esposa de um professor católico tinha que internar-se num sanatório. Não sabia como cuidar do filho naquele período. O vigário o aconselhou a procurar a nossa família para o rapaz tomar as suas refeições. A nossa família era desse tipo. Naquele tempo este modo de agir era muito estimado. Por isso o meu pai teve um enterro de primeira classe, como nunca alguém antes ou depois, tinha recebido. Isto chamava muita atenção, sobretudo porque éramos pobres. Um alfaiate, naquela época de crise, não podia gastar nenhum tostão além do necessário. Éramos sete, cinco rapazes e duas meninas. Minha irmã mais velha entrou na vida religiosa em Baexem. A nossa vida não era fácil mas conseguimos enfrentar as dificuldades. Porque fui para o seminário de Zenderen, eu propriamente nem sei dizer. Só sei como tudo começou. Pe. Bernardo, um Carmelita veio à minha cidade pregar a "Oração das quarenta horas”. Eu fui indicado para servir de coroinha no culto de Louvor, onde no final era dada a bênção do Santíssimo. Um dos coroinhas tinha então que colocar a capa de coro no sacerdote. E por acaso era eu. Depois da cerimônia o Bernardo me disse que eu tinha feito isto muito bem. Eu era um rapaz tímido e fiquei muito feliz com este elogio. Depois me perguntou se eu não queria ser sacerdote. Sem refletir respondi que sim. E na mesma noite o Bernardo foi conversar com o meu pai. Portanto ele não perdeu tempo. Foi tudo muito simples e assim fui parar em Zenderen. Como estudante eu não era grande coisa. Não conseguia aprender outros idiomas, até hoje não consigo. Fiz o curso preparatório e também uma vez não passei na prova. Especialmente com Inglês e Francês eu tinha uma grande dificuldade, não tinha jeito. Se eu não tivesse vindo para o Brasil, acho que não teria continuado no seminário
- "E como chegou à idéia de vir para o Brasil?."
- Propriamente vim para cá porque o meu pai não podia pagar os meus estudos. Foi o seguinte. O total do valor anual era de trezentos florins.
O meu pai só podia pagar a metade, e com muita dificuldade porque além de mim havia mais seis filhos. Uma vez tomada a decisão de ser sacerdote, decidi ao mesmo tempo ser missionário. Já era da familia. Eu tinha três primos que eram sacerdotes e todos numa Congregação de Missões. Já era algo óbvio que eu seguiria o mesmo caminho. Eu fui parar em Zenderen. Em dado momento fiquei sabendo que alunos de Zenderen iam para o Brasil e mais ainda, que o Brasil pagava parte dos estudos. Aproveitei a oportunidade de ajudar a minha família. Eu me apresentei como candidato para o Brasil. Desde aquele momento o Brasil pagou. Também para a minha família isto foi um alívio enorme. Não éramos obrigados de vir para o Brasil, mas quando se aceitava o dinheiro do Brasil, a gente se obrigava a si mesmo. Não havia nenhuma pressão, de lado nenhum. Este foi o caso da maioria de nós. Naquele tempo poucos tinham dinheiro suficiente para esta finalidade. Trezentos florins era uma importância muito grande. Você pode dizer tranquilamente que todos para os quais o Brasil pagou, vieram para cá. Se todos de fato continuaram os estudos, já é outra história. Não pertenço àqueles que vieram para cá muito jovens, mas mesmo assim jovem demais ainda. De fato era uma situação crítica, considerando-se depois.
Chegamos aqui em 1937. Viajamos de trem de Nimega a Gênova e dali de navio para Santos. Fizemos uma ótima viagem e fomos logo mandados para Itu para aprender o idioma e terminar o seminário menor. Ainda bem que não precisávamos aprender outro idioma além de português, senão eu encontraria de novo problemas. Em Itu fui diversas vezes ao médico porque. estava magro demais. A comida era muito ruim, propositalmente. Dos superiores da Província veio a ordem de economizar o mais possível na compra de comida, seria dinheiro perdido porque muitos, especialmente de brasileiros iriam depois deixar o seminário. A gente era a vítima. Num dado momento estava totalmente debilitado. Também tinha crescido demais. Estive lá durante três anos. Até 1941. Isto aconteceu porque no exame final fui reprovado. Havia rixas entre o Provincial e o Reitor. O Reitor então procurava uma vítima para contrariar o Provincial. Esta vítima fui eu porque um número de alunos tinha notas boas demais para serem reprovados e um outro candidato era sobrinha do Provincial. É este que o Reitor queria como vítima, mas não teve coragem. Aí sobrou a minha pessoa. E eu fui reprovado. Isto me deixou tão deprimido que pensei em pegar as minhas malas e voltar para casa. Mas em dado momento tomei uma resolução e fiquei. Eu naturalmente não sabia o que tinha acontecido nos bastidores. Olhando depois, estou sinceramente feliz, por terem me reprovado. Pois, na nossa turma as coisas não iam bem, mais tarde isto se tornou evidente. Havia duas pessoas que não se davam de jeito nenhum. Isto de fato se torna muito desagradável quando tem que viver juntos durante muitos anos dia após dia. Graças a Deus fiquei poupado deste ambiente.
- Em 1941 comecei o Noviciado em Mogi e no ano seguinte fiz a profissão simples. Éramos três, Geraldo Veekens, Crisóstomo Ubbink e eu. Os dois já faleceram.O que é que poderei dizer a respeito do Noviciado? Na minha opinião não valeu muita coisa. Nunca aprendemos nada sobre espiritualidade e sobre avida religiosa. Só aprendemos que devíamos rezar e tomar as nossas refeições juntos. Como devíamos conviver com os nossos confrades, como se devia formar uma comunidade e qual a finalidade de tudo isto nunca nos disseram uma palavra sequer. Vida em comunidade não era mais do que juntos os exercícios obrigatórios. Isto até hoje pode-se perceber na vida de nós idosos. Não conhecemos vida em comunidade, somos todos individualistas, e continuamos assim, mesmo vivendo com outros confrades. A causa disto foi na minha opinião o Noviciado. O nosso Mestre era Frei Benigno Dissel. Este naquele tempo fazia de tudo, menos preocupar-se com os noviços. Havia, porém, em Mogi um Irmão idoso. Todos gostávamos dele. Sem ele mesmo saber, deu-nos mais senso para a vida religiosa do que o importante Mestre de Noviços, Frei Benigno Dissel. No final do nosso Noviciado morreu o nosso Prior Antônio Wessing. Este era um homem santo de verdade. Frei Benigno Dissel foi o sucessor dele, continuando ao mesmo tempo sendo Mestre de Noviços. Frei Cecílio Bruggeman foi nomeado sócio. Daí em diante ele ia cuidar dos noviços, de fato houve uma melhora, mas não foi grande coisa.
- Em 1942 partimos para São Paulo. Frei Emilio Wienk não ia com a minha cara. Não sei porque, em todo o caso me causou muito aborrecimento. Eu tirava boas notas em todas as matérias, menos na dele. Em todo período de exames voltava entre os professores aquela discussão. Nunca sabiam se eu seria reprovado ou se teria que fazer outro exame. Achavam o negócio estranho e já estavam fartos disto. Então fizeram uma reunião com o Provincial e este não mais me incomodou. Não tive mais problemas nem no exame de jurisdição. Todos nós passamos porque o novo arcebispo e o seu auxiliar confiavam muito na nossa formação, que embora falha, era séria. O exame de jurisdição propriamente já se tornara um ritual, uma formalidade, que em si não tinha tanto valor. Logo após a guerra, em 1946, fui ordenado sacerdote.
A comunicação com a Holanda ainda era muito difícil. A nossa família não sabia de nada. Esta ouvira dizer que seríamos ordenados, quando já tinha acontecido. Mesmo assim recebi naquela ocasião uma visita da Holanda. Muito por acaso. Era um marinheiro, havia muitos anos amigo da minha família. No mês da minha ordenação ele estava viajando para Santos. Como bom católico estava a fim de se confessar. Foi-lhe indicada a igreja dos Carmelitas. Depois da confissão começou a bater um papo com um dos Padres, que o convidou para o recreio. Naturalmente trouxe consigo uma garrafa de genebra. Como oficial sabia que os Holandeses tinham o costume de beber. Contou que o filho de amigos seus estudava no seminário maior dos Carmelitas no Brasil. Que ele me conhecera quando eu ainda era menino. Foi convidado para a minha ordenação, ficando por alguns dias no Convento. Quando lhe dei a primeira bênção, começou a chorar de emoção. Embora não fosse parente, fiquei muito feliz com a presença de alguém da Holanda na minha ordenação. Depois de minha ordenação fui logo mandado para Itú como professor de matemática. Fiquei lá por seis anos. Período muito agradável, especialmente os últimos três anos.
Em Itú não dava somente aulas de matemática, cuidava também da congregação dos homens. Foi bom para mim. Dava-me muito bem com eles. Foi um sucesso. Com o tempo o número dos membros chegou a quinhentos. Na Missa dominical havia algumas centenas deles. Juntos instalamos no porão do seminário um posto médico para carentes. E fundamos uma banda de música que no momento já faz quarenta anos.
Quando Nossa Senhora do Carmo foi pela primeira vez coroada em Recife, como Padroeira da cidade, a sua imagem foi levada por todo o Brasil. Quando chegou o dia de visitar Itú, eu já tinha preparado a festa, junto com os congregados marianos. Levamos a imagem para todas as capelas da cidade e de fora da cidade, organizando em todo lugar procissões. O Frei Crisóstomo Ubbink nos acompanhava. Ficávamos naqueles lugares por algum tempo para celebrar a missa, ouvir confissões e para fazer batizados.
Os últimos três anos em Itu foram para mim os melhores. O Frei Policarpo era o nosso Prior. Sempre disposto a nos ajudar. Tinha um coração bom, tive muito apoio dele. Éramos nove e considerados como os rebeldes da Província. Foi o seguinte. O Provincial, Frei Emílio Wienk, estava na Holanda para preparar a vinda de Irmãs Carmelitas. As Constituições dizem que um Provincial não pode ficar fora da Província mais de seis meses. Mas Emilio estava fora muito mais tempo. Denunciamos isto à Provincia. Insistimos em afirmar que ele não era Provincial e exigimos um pronunciamento do Geral. Proclamamos o assistente como Provincial. Então começou a confusão. Foi dissolvido o exército dos rebeldes. Fomos exilados para os confins da Província. Mas devo dizer que recebemos todo o apoio do Prior.
Frei Policarpo era realmente um homem bom. Dizia-se que era um homem severo e que tinha sido mandado para Itú para botar ordem nas coisas. Pode até ser, mas nós não percebemos nada deste rigor e severidade. Tinha toda a compreensão de que nós éramos Padres novos que precisavam de apoio e conselho. E sempre podíamos contar com ele. Por isso repito, que estes anos foram os mais bonitos.
Em 1954 houve de novo Capítulo e fui transferido para Belo Horizonte. Frei Domingos Goddijn seria nomeado lá Prior e Vigário. Na última hora mudou-se de idéia e Frei Domingos Goddijn não foi. Fiquei em Belo Horizonte durante quatro anos. Foi difícil adaptar-me. Era um povo completamente diferente. Também tive a ver com diversos vigários, cada um com as suas próprias idéias. A todo momento mudava a direção. O primeiro vigário saiu da Ordem e se casou. Era aliás um homem bom. Mas sempre tinha sido professor e não servia para trabalhos de paroquia. Não se dava bem com as pessoas. Aí veio o segundo, um tipo nervoso e autoritário. Veio logo com um recado: eu sou o vigário e você fica responsável por tal e tal capela. E não se esqueça disto e não me venha com os seus problemas. Em outras palavras, eu tinha liberdade de fazer o que eu quisesse nas capelas. Pelo menos foi assim que interpretei as palavras dele. Quando comecei a trabalhar nas capelas, estas eram freqüentadas só por mulheres. Nos últimos bancos havia alguns homens, meio escondidos. Comecei o meu sermão e os homens se escondiam ainda mais. Devem ter pensado que também eu fosse um tal vigariozinho dominado pelas mulheres. Mas quando acabou o meu sermão, eles se levantaram, não mais se escondendo. Na vez seguinte já havia mais homens e assim aos poucos o número de homens na capela crescia. Em dado momento a igreja estava lotada e então comecei a pensar em fundar algumas associações. Iniciei fundando uma congregação de homens. Nisto tinha experiência. Diziam alguns rindo, que isto nunca daria certo, que era perder tempo. Aconteceu, porém, o contrário. Foi um grande sucesso.
As pessoas realmente chegavam a um aprofundamento da Fé. Aí veio o terceiro vigário, um protegido do Provincial. Este não suportava o meu sucesso, e logo tratou da minha transferência. Em meu lugar foi nomeado Frei Lamberto Lambooy. Se o vigário soubesse isto antes, sem dúvida teria-me segurado, pois, agora ele ia ver com um verdadeiro peso pesado. Fui transferido para São Romão, um cafundó no fim do mundo. Só para se chegar lá, era preciso fazer uma verdadeira viagem de descoberta. O vigário anterior tinha estragado o negócio. Eu não sabia de nada mas fui aprendendo rápido. Entrementes estamos em 1958. O lugar era tão pequeno que a gente não tinha o que fazer. Nos domingos havia duas Missas. Por não terem nada para se distrair, as pessoas assistiam às duas Missas. E nós éramos dois, imagine! Em dado momento fui convidado para uma das festas do mês de maio, num lugar cem quilômetros adiante. Fiquei lá uns quatro dias. Certa ocasião estávamos com um grupinho de homens tomando uma cervejinha. Cada vez menos se falava, até cair um silêncio total e fomos embora. Logo em seguida um dos homens voltou, dizendo: Padre, não queríamos tocar no assunto com o senhor para não estragar a festa, mas agora posso falar. O vigário foi embora e se casou. É verdade, eu mesmo presenciei. Voltei para São Romão. Estava uma ruína. Parecia que havia política no meio. O vigário tinha casado e ainda por cima, com uma sobrinha do prefeito. Toda a cidade estava em alvoroço. Todos olhavam para mim.
Durante um mês levei uma vida de cachorro. Ninguém tinha coragem de falar comigo. A igreja ficava vazia e eu não recebia mais comida. É claro que se fazia isto para não ofender o prefeito. Eles e eu vivíamos apreensivos. Quando já era tarde demais e eu já decidira ir embora, a situação foi em certo sentido, contornada por um deputado, explicando às pessoas que a culpa não tinha sido minha. Mas era tarde demais. Por dinheiro nenhum deste mundo queria eu voltar àquele lugar. Mas o pior de tudo foi que não recebi nenhum apoio da Província, nem da diocese. Isto veio só meses depois. Entrementes eu estava em Bonfinópolis e escrevi uma carta ao Provincial. Este respondeu que eu devia primeiro tirar uns dias para descansar por conta da Província. E eu fui para Santos. Nem precisei desfazer a minha mala pois, o primeiro confrade que lá encontrei me perguntou o que eu propriamente vinha fazer e se não tinha outra coisa a fazer. Na mesma hora fui embora.
Na Província ninguém sabia do caso, nem mostrou o menor interesse em saber. Em Bonfinópolis passei um tempo agradável, me dava bem com todo o mundo. Num dado momento tinha escrito um texto para teatro para jovens. Não foi aceito pois eles mesmos queriam fazer o texto. Imagine, um grupo de jovens de dezoito ou vinte anos, dispostos a fazer um trabalho destes. Isto é de fato promissor. Eu devia ficar nesta paróquia. Porém, os meus chefes tinham decidido outra coisa. Dom Eliseu me disse: Você vai para Cristalina onde a religião está quase extinta". Cristalina era uma espécie de mina onde se procurava cristal. Era uma luta de concorrência, uma luta pela vida, uma luta de morte. O povo era duro e desconfiado. Ninguém confiava em si mesmo e muito menos nos outros. Até Nosso Senhor era considerado como um concorrente. O pessoal era tão desconfiado que dava uma volta de cinco quilômetros quando pensavam ter achado algo cem metros adiante. O que menos se precisava era de um vigário. E isto eles mostravam. E lá estava eu. Me propus a ficar no lugar pelo menos por um ano. Ruim era que a igreja não era propriedade dos católicos.
Chegou então o ano de 1959. Veio nos visitar o Pe. Melsen, assistente-geral. Pensei, agora vai ou racha, eu não tinha e não era nada. Fomos andando pela cidade e conversando quando ele me disse que o Provincial lhe tinha contado que eu ia muito bem e recebia muito apoio da Província. Fiquei com tanta raiva que não conseguia calar a boca e lhe contei tudo. Ele ficou espantado. A situação mudou quando Frei Crisóstomo  Ubbink ficou Provincial. Este pelo menos teve a coragem de confessar que se tinha esquecido de mim quando dividia os "cargos bons". Mas a situação de Cristalina começou a melhorar. O chefe do grupo que era contra o vigário se mudara. Aí de uma vez mudou tudo. Mas eu ainda não tinha nada. Uma casinha de barro com um telhado de palha e uma cozinheira. A minha comida dependia da generosidade das pessoas. Quase dez anos vivi naquela casa, cheio de cobras e ratos e uma vez por dia recebia um balde de água para me lavar. Mais tarde foi feito um poço no quital. Aí tudo melhorou, especialmente a mentalidade das pessoas. Do ponto de vista da Igreja houve grande melhora. Fundaram-se diversas congregações e todo o mundo começou a colaborar.
Em 1964 estava eu em Paracatu para uma festa e o Provincial e sua comitiva anunciaram a sua visita. Eu estava ao mesmo tempo feliz e preocupado. Feliz pela visita e preocupado com a refeição para eles. Voltei para casa a fim de organizar as coisas. Quando estava ainda na preparação, eles chegaram. Não havia nada ainda. Comecei a não me sentir bem. Precisamente naquele momento chegaram algumas pessoas da Legião de Maria para me dizer que iriam cuidar de tudo. E pontualmente ao meio dia a comida estava na mesa, comida tão caprichada como nunca tinham visto. Tinha de tudo. Daquele dia em diante tudo melhorou, cada dia mais. A paróquia crescia e florescia. Num dado momento podia receber o Dom Eliseu para administrar o crisma. Havia entrementes quinhentos candidatos. Fiquei lá até 1974. Por bom que fosse, havia também coisas desagradáveis. Tive muita dificuldade com as Irmãs. Estas eram de Congregação Belga. A Congregação tinha bastante candidatas e procurava um local de estabelecimento. Perguntaram se era possível isto em Cristalina e sob que condições. Apresentei só uma condição: que assumissem a catequese. Organizei uma antiga escola para residência provisória. Mas as Superioras mandaram só Irmãs brasileiras que nunca tinham sido independentes. Desde o início queriam mostrar que elas mesmas saberiam se virar. Começaram e reformar a antiga escola por um preço muito superior a uma construção nova. Quanto à catequese não fizeram quase nada. Só pensavam em arrecadar dinheiro para elas mesmas e brigavam muito entre si. Toda a cidade sabia disto.
Para finalizar quero lhe contar algo sobre esta bandeira. É a bandeira do Espírito Santo. Aqui em Minas ele é um grande Santo. Eu tinha organizado em Cristalina quinhentos cavaleiros que, em grupos de três, levavam esta bandeira de casa em casa. As pessoas beijavam a bandeira, passava-se de baixo e passava-se a bandeira na cabeça. É uma das mais conhecidas formas de religiosidade popular. Era uma maneira de entrar em contato com as pessoas, uma vez que não existiam capelas. Todas as pessoas eram convidadas a participar da festa do Divino Espírito Santo. E quase todas compareceram. Valeu a pena. Num cortejo passamos pela cidade e em diversos lugares foi rezada a Missa ao ar livre. Havia, porém, uma desvantagem em morar em Cristalina, estar completamente privado de contato com a Província. Nem sabia o que se estava passando lá. Mais tarde não conseguia entender que dezenas de religiosos tinham passado por uma crise e deixado a Ordem. Naturalmente também fiz coisas que propriamente não poderia fazer. Agora já é comum, mas naquele tempo... Me lembro, por exemplo, de que certa vez a igreja estava superlotada. Eu previa que poucos iriam comungar por não se terem confessado. Depois de rezar o Pai Nosso pedi que todos fechassem os olhos para refletir sobre os seus pecados. Depois lhes dei uma absolvição geral e os convidei a comungar. E a maioria comungou. Nunca vi este povo tão satisfeito e feliz. Provavelmente não era permitido, mas fazer o que- "Porque não vinham confessar-se normalmente?”
- Porque desde há muito tempo menos de dez por cento do povo é praticante. As igrejas estão cheias, é verdade. Mas isto não quer dizer nada. O Brasil tem 150.000.000 de habitantes mas nem dez por cento freqüentam a igreja. Não ligam muito para isto. Levando em conta este fato, acho que nestes anos todos consegui fazer algum bem em Cristalina. Cheguei lá com dor no coração mas fui de lá embora com maior dor ainda. Em 1974 fui para Resplendor, queria ajudar Frei Atanásio Maatman. Mas este não me deixava fazer nada. Um ano e meio depois fui a Brasília. Também não deu certo; depois ainda me mandaram para Guarda Mor, Brasília e Paracatu. Em dado momento estava farto de tanta transferência e pedi para ficar em Unaí. E aqui estou passando os meus dias, tomando conta da Casa Tito, que aliás vai bem. Graças a Deus.

Do Jornal Salve Maria, da Congregação Mariana de Itú:
Em seu número de março de 2000 lembra Frei Eustáquio van der Werff, como seu antigo Diretor de 7 de agosto de 1948 a 7 de fevereiro de 1954. Nesse tempo foram fundados a Banda do Carmo, o Departamento de Assistência Social e o Ambulatório Médico. Também nesse período foram iniciadas as obras de construção de prédio que até hoje abriga os departamentos e a nova sede da Congregação Mariana, que leva o seu nome. Ele prróprio, na companhia dos congregados, trabalhou na edificação. Considera-se o tempo em que a Congregação mais cresceu, dadas as inúmeras atividades que implantou e a grande amizade que manteve com os congregados. Faleceu no dia 12 de maio de 1999, em Unaí – MG.
(Boletim da Província Carmelitana de Sto. Elias, nº 233, Abril/Junho 2000, pág. 12)

Frei Eustáquio nasceu em Winschoten, Holanda, aos 5 de maio de 1919 e no mesmo dia recebeu o santo batismo com os nomes de Otto, Hubertus, Joseph. Faleceu de morte súbita em Unaí no dia 11 de maio de 1999, aos 80 anos de idade
Frequentou o Seminário Carmelita em Zenderen e com 18 anos veio para o Brasil, com um dos membros das missões de jovens, que a Holanda enviava para o Brasil, aonde chegou no dia 11 de novembro de 1937, para completar em Itú o curso de humanidades na Escola Apostólica do Carmo. Em 1941 se revestiu com o hábito da Ordem, na qual professou no dia 22 de janeiro de 1942. Estudou filosofia e teologia em São Paulo e nesta cidade foi ordenado sacerdote dia 8 de dezembro de 1946, data para ele inesquecível, por ter coincidido com o ano da ordenação do Santo Padre, com quem celebrou em Roma as Bodas de Ouro de Ordenação.
Em 1948 os Superiores o transferiram para Itú, onde foi professor de matemática, cooperador da Matriz de Nossa Senhora de Candelária e Diretor da Congregação Mariana e da Liga Católica. Muito querido pelos seus dirigidos, fundou com eles a "Banda de Música de Nossa Senhora do Carmo", que até hoje abrilhanta as festividades religiosas ou civís e populares da cidade. Dedicou ainda seus trabalhos pastorais ou missionários ao povo de Deus, como vigário cooperador ou pároco, em Belo Horizonte, São Romão, Fróis –hoje Bonfinópolis- Cristalina por mais de 14 anos, Resplendor, Guarda – Mor, Paracatú e por ultimo, em Unaí, onde promoveu a devoção ao Beato Tito Brandsma e construiu o grande Centro "Tito Brandsma", para encontros e reuniões dos movimentos da Igreja, principalmente dos muito amados por ele Cursilhos de Cristandade. Foi Diretor Espiritual do Apostolado da Oração e das Conferências em São Vicente, preocupando-se, de maneira particular, com a pastoral das confissões e da assistência aos mais pobres.
Foi sepultado no dia 12 de maio com grande acompanhamento do povo, principalmente cursilhistas, confrades vicentinos e membros do Apostolada da Oração, que rezavam ou cantavam os hinos das suas associações. Talvez uma multidão de mais de mil fiéis. "As suas boas obras o acompanham". Descanse em paz pelo Sábado Eterno! (De Frei Paulo Gollarte para a REB)

Frei Eustáquio van der Werff (Otto Ubertus Joseph).
Nasceu 05-03-1919 em Winschoten (Holanda). Chegou ao Brasil 17-11-1937 Professou 22-01-1942. Ordenou-se aos 08-12-1946.
an, 1941-Mogi – Noviço
Jan. 1942-São Paulo – clérigo
Cap. 1944-São Paulo - clérigo
Cap. 1947-Itú - Prof. Seminário
Cap. 1950-Itú - Prof. Seminário
Cap. 1954-Belo Horizonte.
Cap. 1957-Belo Horizonte.
Janeiro 1959-Cristalina - Vigário.
Cap. 1960-Cristalina - Vigário.
Cap. 1963-Cristalina - Vigário.
Cap. 1966-Cristalina - Vigário.
Cap. 1969-Cristalina - Vigário.
Cap. 1972-Cristalina - Vigário.
Set. 1973-Resplendor.
Cap. 1975-Brasília.
1977-Guarda Mor.
Cap. 1978-Guarda Mor - Vigário.
Abril 1979-Taguatinga.
Jan. 1980-Paracatu.
Cap. 1981-Paracatu
Cap. 1984-Unai – Vigário Cooperador
Cap. 1987-Unaí – Vig. Cooperador
Cap. 1990-Unaí – Vig. Cooperador
Cap. 1993-Unai – Vig. Cooperador
Cap. 1996-Unai – Vig. Cooperador
Cap. 1999-Unaí – Vig. CooperadorFaleceu 11-05-1999
OBS: HOMENAGENS...
Trevo Frei Eustáquio (Unaí)
Lei Municipal que deu nome ao logradouro: LEI Nº 2.144, DE 3 DE SETEMBRO DE 2003.

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