Vivendo
com praticamente nenhum dinheiro, a chinesa Yang Gailan, de 28 anos, decidiu
matar os quatro filhos e, em seguida, se suicidou. A decisão radical de Gailan
levantou um debate nas redes sociais da China, onde ao menos 80 milhões de
pessoas vivem na mais absoluta miséria.
Gailan
vivia sozinha com os filhos - três garotas e um menino -, todos menores de sete
anos, na aldeia rural de Agu Shan, no noroeste chinês. O pai das crianças, Li
Keying, havia migrado para a cidade em busca de trabalho e dinheiro. Ele
mandava parte do pouco que ganhava para a família.
A mãe
matou os filhos com golpes de facão e, em seguida, ingeriu pesticida. Alguns
dias depois, quando o pai chegou e soube da tragédia, também tirou a própria
vida.
"Nunca
conheci uma família que vivesse em situação de miséria pior que a deles",
disse um primo de Li Keying à imprensa chinesa.
Depois
da tragédia no povoado Agu Shan, muitas perguntas surgiram na sociedade
chinesa, questionando, principalmente, a desigualdade econômica e social do
país.
O que
levou a mãe a matar os filhos? Por que a família não recebia ajuda estatal?
Como as dificuldades que essa família enfrentou refletem a realidade de milhões
de chineses que vivem nas zonas rurais? O crescimento econômico do gigante
asiático é apenas uma fantasia para milhares de pessoas?
Três vacas e três ovelhas
A
família de Gailan Yang não se classificou para receber subsídios do governo
porque, apesar de viver na miséria, estava acima da linha de pobreza, segundo
critérios definidos pelas autoridades chinesas em 2011 - que usa como base a
renda de US$ 1 por dia para definir as famílias elegíveis a auxílios estatais.
Já o
Banco Mundial usa como referência a quantia de US$ 1,90 por dia. Se esse critério
fosse adotado, o número oficial de pobres na China se multiplicaria. Por isso,
autoridades locais criaram um cálculo próprio da linha de pobreza.
Funcionários
do governo chinês visitaram a família de Yang Gailan antes da tragédia.
Decidiram que ela não teria direito aos auxílios estatais porque possuía três
vacas e três ovelhas.
Se os
animais fossem vendidos, alegaram os oficiais chineses, a renda da família
seria superior a US$ 350 no ano, valor que o governo considera acima da linha
de pobreza nas zonas rurais.
Esse
critério motivou debates nas redes sociais.
"A
linha de pobreza de um dólar por dia é muito radical. A situação de cada
família é diferente", disse um acadêmico em debate no Weibo, a versão
chinesa do Twitter.
Desespero
Outros
preferiram especular sobre a razão que teria levado Yang Gailan a matar seus
filhos. Alguns dos relatos abordam o grau de desespero da mãe e questionam a
saúde mental dela.
"Note-se,
por exemplo, que outros vizinhos foram capazes de reformar suas casas ou
construir uma nova, com auxílio estatal. Yang Gailan não conseguia fazer isso
por seus filhos", disse Yuwen Wu, editor do serviço chinês da BBC.
"Ela não tinha dinheiro para comprar roupas para vestir as crianças e
mandá-las à escola."
Se a
mãe sofria de algum tipo de problema mental, ela não recebeu qualquer ajuda.
O caso
de Yang Gailan é considerado complexo. Além das questões individuais que a
fizeram tomar uma atitude extrema e que alimentam o debate sobre políticas
sociais chinesas, o episódio traz à tona dificuldades enfrentadas por moradores
das zonas rurais.
A
pobreza extrema nas áreas rurais da China pode ser considerada um problema
nacional.
País dividido
A
China, um país de 1,3 bilhão de habitantes, já tirou em números absolutos mais
pessoas da miséria do que qualquer outra nação do mundo.
O Banco
Mundial estima que desde o início das reformas no mercado de trabalho, em 1978,
mais de 800 milhões de pessoas tenham sido beneficiadas naquele país.
Contudo,
esse desenvolvimento veio acompanhado de divisões profundas. A costa leste, com
suas grandes cidades, é onde as pessoas se beneficiaram mais do crescimento
econômico. No resto do território, muitos vivem como se ainda estivessem na
década de 1980.
Milhões de pobres nas zonas rurais
Estima-se
que a China tenha 120 milhões de pobres, conforme os critérios do próprio país
de contabilizar miséria. Deste total, aproximadamente 82 milhões de pessoas
vivem nas zonas rurais.
São em
sua maioria crianças e idosos, já que os jovens adultos migram para as cidades
em busca de trabalho e melhores condições de vida.
"A
pobreza ainda é um grande problema na China", declarou Zheng Wenkai,
vice-ministro do departamento responsável pela redução da pobreza no país, ao
jornal estatal "China Daily". Aproximadamente 200 milhões de
chineses, o equivalente a 15% da população, seriam considerados pobres se o
país seguisse os padrões internacionais de mensurar pobreza, de acordo com o
próprio Zheng.
Em colapso
No
últimos anos, a China tem assistido a uma intensa migração das áreas rurais às
mais urbanizadas. Estima-se que pelo menos 200 milhões de trabalhadores tenham
ido para os grandes centros em busca de trabalho, para ganhar, em média, US$
200 mensais.
Com o
fluxo migratório, 53% da população da China vive em centros urbanos, contra 40%
uma década atrás.
Isso
significa que ainda há mais de 600 milhões de pessoas em áreas rurais. E muitos
vivem em comunidades miseráveis.
Muitos
pais, avós e netos vivem separados por enormes distâncias pela falta de
trabalho e dinheiro. "Basicamente, a sociedade rural está em estado de
colapso. Os moradores se reúnem somente para (celebrar) o Ano-Novo", disse
Zhang Ming, historiador da Universidade de Renmin em Pequim, à imprensa
britânica. "As aldeias tornaram-se conchas vazias", completou.
Yuwen
Wu, da BBC, define como "sombria" a situação da maioria das aldeias
rurais. Segundo ele, nas redes sociais é possível ver imagens angustiantes de
crianças que caminham horas para ir à escola e de crianças desacompanhadas que
cuidam de seus irmãos porque seus pais estão nas cidades trabalhando.
Muitos
suicídios e homicídios
Num
discurso no ano passado, o presidente da China, Xi Jinping, disse que o governo
acabaria com a pobreza nos cinco anos seguintes. A promessa era tirar 70
milhões de pessoas da pobreza até 2020. O presidente chinês, contudo, não
especificou o que considera "pobre".
Após a
morte de Yang Gailan e sua família, passaram a circular nas redes sociais
relatos de que funcionários do governo estariam desviando recursos destinados a
pessoas carentes.
Além de
fiscalizar como o dinheiro estatal está sendo gasto, observa Yuwen Wu, também é
essencial que o governo garanta programas de apoio aos que vivem nas aldeias.
"Houve muitos suicídios, homicídios; é preciso de algum tipo de serviço de
assistência para a saúde mental dessas pessoas".
As
mortes, segundo ele, não se devem apenas à pobreza, mas à falta de esperança e
perspectiva dessas pessoas.
"Se
você não vê uma saída e se sua saúde mental é afetada por essa pressão, de uma
forma ou de outra, medidas extremas são tomadas", afirma Wu.
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