"Para Teresa de Jesus, Deus é o que
há de mais importante na sua vida, um Deus muito próximo e humano. Diz que
podemos encontrá-Lo em toda a parte, especialmente dentro de nós mesmas
(os)", escreve Rita Romio, religiosa da Companhia de Santa Teresa de
Jesus.
Eis
o artigo.
“Nada te perturbe, nada te espante, tudo
passa, Deus não muda,
a paciência tudo alcança. Quem a Deus
tem, nada lhe falta,
só Deus basta” Santa Teresa de Jesus
(Poesias 9).
Feliz aniversário e felizes vésperas
para você, Teresa de Jesus. Estamos em festa, gratidão e júbilo! Trata-se de
nada mais, nada menos que o V Centenário do seu nascimento, 28 de março de
1515.
Teresa Sánchez de Cepeda y Ahumada, sua
luta continua viva entre nós ao recordar a sua força feminina, que marcou
história. Provocou um movimento de mulheres com a meta de viver o espírito
evangélico como pobres, orantes e iguais, as Carmelitas Descalças. E, como se
não bastasse, ao propor isso aos homens, tornou-se um caso raro na história da
Igreja, uma mulher reformadora de uma Ordem masculina, os Carmelitas Descalços.
Quem foi esta mulher, nascida em Ávila,
Espanha, e que num determinado momento da sua vida decide chamar-se Teresa de
Jesus? Qual é o seu segredo que a tornou tão especial que seu nome atravessou
cinco séculos de existência, e que foi proclamada Doutora da Igreja? Por que
sua vida e escritos continuam despertando apaixonado interesse em muitas
seguidoras e seguidores? [1]
Certamente, o que a torna fascinante e
atual é a narração da sua experiência de integração humana em todas as suas
dimensões. Lutou muito para encontrar a verdade. Realizando a descoberta do
Transcendente, sua vida se torna uma contínua paixão por Deus e pela
humanidade. Enfrenta muitas adversidades, mas assume a sua missão com
“determinada determinação”.
A leitura dos seus escritos desperta as
leitoras e leitores, para a aventura da amizade com o Transcendente, como
Alguém que ela encontrou e que deu sentido à sua existência, ao seu agir[2].
Com uma espiritualidade amorosa, libertadora e apaixonada, incentiva a
descoberta de Deus dentro de nós, numa relação de amizade com Alguém que nos
ama e “sempre nos espera”.
Para Teresa de Jesus, Deus é o que há de
mais importante na sua vida, um Deus muito próximo e humano. Diz que podemos
encontrá-Lo em toda a parte, especialmente dentro de nós mesmas (os). Ao
escrever sua experiência espiritual, fruto da sua amizade com Deus e com as
pessoas, nos deixou o legado de uma espiritualidade para o nosso tempo, podendo
encontrá-la em seus vários escritos.
Santa Teresa escreve sobre sua busca e
experiência de amizade com as pessoas e com Deus: “Não direi coisa que não
tenha experimentado muito”(V 18, 8); “o que disser, tenho-o comprovado por
experiência” (V 22, 5; 28, 7).
Trazia consigo a força do amor
apaixonado por Deus, por isso anima a permanecer firme no caminho:
“Aos que desejam seguir sem parar, até o
fim, até chegar a beber desta água viva, direi como devem começar. Muito
importa, e acima de tudo, ter uma grande e firme determinação de não parar até
chegar à meta, surja o que surgir, aconteça o que acontecer, custe o que
custar, murmure quem murmurar, quer chegue ao fim, quer morra no caminho, ou
falte coragem para os trabalhos que nele se encontram. Ainda que o mundo venha
abaixo havemos de prosseguir” (C21,2).
Para Teresa a pessoa é como um castelo
habitado pela Trindade (IM,1-5) à espera do encontro com sua criatura: “A alma
é como um castelo, todo de diamante ou de cristal com muitas moradas. E no
centro, a principal, é onde passam as coisas mais secretas entre Deus e a
alma”. Nele há muitas moradas, que expressam os distintos níveis da relação que
a pessoa tem consigo, com os outros, com Deus e com o mundo. O conhecimento
próprio é essencial para essa viagem interior. “A porta para entrar nesse
castelo é a oração e reflexão” (IM). Nesse processo, Teresa adverte para não
ficar olhando para as misérias humanas, e sim para Jesus Cristo, o grande
amigo. É um dinamismo onde a pessoa reconhece sua identidade e o mistério da
sua liberdade. Teresa adverte que, quando a pessoa se nega ao Amor, está se
fechando em si mesma (IM6-8). E, para fazer frente a uma antropologia
egocêntrica, Teresa propõe um dinamismo de êxodo - a pessoa deve entrar dentro
de si, autoconhecer-se, aceitando a própria realidade, como também a realidade
alheia. A imagem do castelo interior expressa um dinamismo dialético de
integração entre interioridade e exterioridade, levando a pessoa a sair de si
mesma, vivendo numa relação progressiva de entrega, partilhando seus dons,
criando novas relações.
Outra imagem teresiana para expressar o
processo de caminhada da pessoa em relação a Deus, é a do bicho-da-seda.
Através do símbolo da transformação do bicho-da-seda numa formosa borboleta,
Teresa quer expressar o chamado à transformação em Cristo (IIM, 2). Supõe um
caminho de morte vida, ganhos e perdas, segundo a lógica do seguimento,
trilhado com Cristo e em Cristo. É na vivência do amor que a pessoa integra
todas as suas potencialidades. As crises e contradições podem converter-se em
lugar de encontro. A pessoa, sabendo-se amada, responde amando. Sente-se
convidada a “conhecê-Lo, amá-Lo, torná-Lo conhecido e amado”[3].
Na analogia teresiana, a pessoa que
começa a tratar de amizade com Deus “deve fazer de conta que começa a plantar
uma horta em terra muito infrutífera, que tem muitas más ervas, para que nele
se deleite o Senhor. Sua Majestade arranca as más ervas e vai plantando as
boas”(V11,6). A própria pessoa é a horta, exposta às intempéries. Ela mesma deve
cultivar o terreno, preparar a terra para que esteja em condições de acolher a
água da chuva. Essa água é dom de Deus, o Jardineiro. Teresa sabe que o
seguimento de Jesus Cristo é uma opção pessoal, mas também é dom e graça. O
símbolo do cultivo da horta é um convite para a escuta, o silêncio, a acolhida,
a espera e o reconhecimento do dom gratuito de Deus.
A imagem teresiana da amizade talvez
seja a que melhor expressa a experiência teresiana da oração como relação viva
e interpessoal com Deus. Supõe amor, intimidade, reciprocidade, realismo e
capacidade de relação com as pessoas. Sem esses elementos, é muito difícil que
a pessoa possa integrar as suas diversas dimensões. “Para falar com Deus não é
necessário ir ao céu, nem falar em altos brados. Ele está tão perto que ouvirá,
basta pôr-se em solidão e olhar para dentro de si” (C28,2). É uma comunicação
com Deus de coração a coração: “Pensais que ele está calado? Mesmo que não o
ouçamos, Ele nos fala ao coração, quando de coração lhe pedimos”(C24,5). Teresa
anima para contemplar o Mestre na sua humanidade e assim poder conversar com
Ele, não com orações complicadas, mas a partir do coração e da vida, “é isto o
que Ele mais preza”, conclui ela. “Juntos caminhemos, Senhor, por onde fordes
irei eu, por onde passardes, hei de passar”(C26,6).
Teresa também faz analogia com a imagem
da pessoa apaixonada. A vida não é senão entrega e doação apaixonada e
apaixonante. É importante observar que Teresa não se fecha num intimismo. A
máxima união com Deus é ao mesmo tempo compromisso com o mundo, solidariedade
com a humanidade:
“O Senhor quer obras” (M5). “Procurai
ser pregadoras em obras” (C 7,7; 15,6). Na oração, “o importante não está em
pensar muito, senão em amar muito... Talvez não saibamos o que é amar ... não
está no maior gosto, mas na maior determinação de desejar contentar a Deus em
tudo” (IVM7; cf. F5,2). “O amor de Deus não consiste nas lágrimas, nas
delícias, nas ternuras da oração, mas em servir a Deus com humildade, fortaleza
e justiça” (V11,13; IV M1,7). “Se contemplar, ter oração mental, ter oração
vocal, curar enfermos, servir nas coisas da casa e trabalhar – mesmo nas
tarefas mais humildes –, é servir ao Hóspede que vem ter conosco ficando em
nossa companhia, comendo conosco e conosco se recreando, que nos importa
servi-Lo mais de uma maneira do que de outra?” (C 17,6). “Ensinai mais com
obras que com palavras”(R66; C 5,2).
Para Teresa a missão exige ardor
missionário, ou seja, empolgação e ânimo pela causa do Reino.
“Até os pregadores fazem seus sermões de
maneira a não descontentar. A intenção é boa, e também a obra, mas, dessa
maneira, poucos se corrigem. E qual a razão de não serem muitos os que pela
pregação deixam os vícios públicos? Sabe o que me parece? É que os pregadores
tem demasiada prudência. Não estão tomados pelo grande fogo do amor de Deus,
como estavam os Apóstolos. Dão calor brando. Não digo que os iguale em ardor,
mas quisera mais fogo do que agora vejo. ... Os Apóstolos ... não se
incomodavam com perder tudo ou ganhar tudo, já que, quem de fato arrisca tudo
por Deus, não distingue entre essas coisas (V 16,7).
A caminhada ao seguimento a Jesus Cristo
nos pede uma determinação pessoal. Mas não caminhamos sozinhas/os. Para
perseverar e avançar no processo, sentimos a necessidade de partilhar e nos
animar mutuamente. “Gostaria de insistir que procurem não esconder seu talento
(cf. Mt 25,5), pois Deus parece ter querido escolhê-los para beneficiar muitas
outras (pessoas), especialmente nesta época em que são necessários amigos
fortes de Deus para sustentar os fracos” (V15,5).
Teresa, mulher que soube enfrentar
dificuldades, sabia a eficácia de ter um horizonte amplo: “Viste o grande
empreendimento a que desejamos nos dedicar. ... Está claro que precisamos
trabalhar muito, e muito ajuda ter pensamentos elevados, para que as obras
também o sejam” (C 4,1). “É indispensável ter grande confiança. Convém muito
não amesquinhar os desejos, e confiar em Deus” (V13,2).
Para esta mulher, que amou e
experienciou a humanidade de Jesus Cristo, Deus é aquele que está sempre nos
esperando. Não encontrar-se com Ele é “uma pena, muita pena” diz ela.
Certamente, a imensa capacidade de apaixonar-se – por si mesma, pelas pessoas,
por Deus, e pela humanidade – e manter-se viva por meio da capacidade de doar-se
de diversas maneiras, fez com que o nome de Teresa de Ávila chegasse a nós.
NOTAS:
1 - Curiosidades: A francesa Marie
Françoise Thérèse Martin (1873-1897), conhecida como Santa Teresinha do Menino
Jesus, foi discípula de Teresa de Ávila. Juana Fernández Solar (1900-1920),
chilena, hoje conhecida como Santa Teresa dos Andes, ao tornar-se monja
carmelita como Santa Teresinha, também assumiu o nome de Teresa de Jesus. A
albanesa Anjezë Gonxhe Bojaxhiu M.C. (1910-1997), Madre Teresa de Calcutá,
quando se tornou religiosa de Nossa Senhora do Loreto, admiradora da Santa de
Ávila, escolhe ser chamada de Teresa. Por considerar muita pretensão se parecer
com a santa espanhola, contenta-se em ser parecida com a humilde carmelita de
Lisieux, Teresinha do Menino Jesus.
2 - Cf. MOLINS, M.V. “Teresa mudou seu
nome!”, Porto Alegre: Padre Réus, 2012, p.5-6.
3 - Lema do sacerdote espanhol Santo
Enrique de Ossó e Cervelló que, desde muito jovem, se aproximou de Teresa de
Jesus, através da leitura de seus escritos. Cativado pelos ensinamentos da
Santa de Ávila, tornou-se seu incansável divulgador. Entre outras obras fundou
a Companhia de Santa Teresa de Jesus (1876), as Irmãs Teresianas, desejando que
fossem “santas e sábias” como Teresa de Jesus; “outras Teresas de Jesus” na
atualidade, com a missão de “conhecer, amar e tornar Jesus Cristo conhecido e
amado”. Fonte: http://www.ihu.unisinos.br
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