Frei
Tito Figueiroa, 0. Carm.(Província Carmelitana Pernambucana)
Quando falamos em Maria, pensamos logo
na Mãe de Jesus. Sua figura está ligada a diversos títulos e lugares. Maria é
conhecida como Penha, de Lourdes, de Fátima, do Socorro, da Boa Morte... Entre
tantos títulos, os brasileiros têm especial predileção pelo de “Aparecida”.
Outro também muito apreciado é o do “Carmo”. E é este que interessa no momento.
É costume antigo celebrar a Festa de
Nossa Senhora do Carmo no dia 16 de julho. Com tal festividade, os devotos
querem externar, cada ano, sua fidelidade a Maria, sob este título.
O amor do povo para com Nossa Senhora do
Carmo é fruto do trabalho dos carmelitas que, chegados ao Brasil em 1580,
levaram a todas as regiões por onde passaram a devoção para com a Mãe de Jesus,
simbolizada de modo todo especial pelo Escapulário.
Igrejas, associações, cidades, rios,
montanhas, homens e mulheres trazem o nome de Carmo ou Carmelo, sinal eloqüente
da influência desta devoção. Neste sentido, merece destaque o fervor com que
Recife homenageia a Padroeira Senhora do Carmo. É o que procura demonstrar uma
pesquisa feita na capital pernambucana.
UMA
PESQUISA SOBRE A DEVOÇÃO
Dia 16 de Julho de 1985, no
Recife. Desde as 5 horas o povo ocorre ao Carmo e enche as dependências da
Basílica. A chuvinha fina e o tempo de chumbo cede, pouco a pouco, lugar a um
sol radioso. As missas, as filas diante dos confessionários, a procura por
escapulários se sucedem, se ampliam, à medida que as horas avançam. Pelas 8
horas, um grupo de universitários e noviços carmelitas, por nós preparados e
treinados, ingressa na Basílica repleta e se espalha em pontos estratégicos,
munidos de pranchetas, questionários impressos e lápis, para abordar os fiéis –
adultos e jovens, homens e mulheres – e entrevista 250 deles, escolhidos dentre
a multidão por técnicas aleatórias de abordagem em pesquisa social. Vão indagar
a respeito das motivações que fizeram os devotos sair de casa em dia feriado,
enfrentar os incômodos de uma igreja entupida de gente, participar de uma
missa, confessar-se, conjugar, ou mesmo, permanecer lá dentro até a hora da
Missa Solene Concelebrada, às 10 horas. Os entrevistadores ainda se
distribuirão por todo o percurso da procissão, à tardinha, com a idêntica
finalidade de abordar 300 pessoas presentes ao cortejo sacro.
O
SENTIDO
Vamos comentar as respostas à pergunta: “O que representa Nossa Senhora
do Carmo para você?”. Elas totalizam quase 550 opiniões, colhidas de homens e
mulheres, adultos e jovens, pobres e classe média, das mais diversas
profissões, gente da Região Metropolitana do Recife – a maioria – mas também do
interior de Pernambuco e Estados vizinhos, presentes na igreja ou na procissão.
Tal quantidade revela uma boa amostra de como o povo do Recife a adjacências
encara sua Padroeira, o valor que vêem nela, o sentido que tem, para eles, esta
devoção.
No grupo da Basílica, 56 pessoas
responderam: “Ela é a Mãe de todos os
homens”; 47 disseram: “Ela é muita
coisa para mim; tudo”; 32 acham-na uma “Santa
Milagrosa”; 26 vêem nela apenas a “Padroeira
do Recife”; 23 (sobretudo os homens) consideram-na principalmente como a “Mãe de Cristo”; e 19 (sobretudo
mulheres) vêem nela uma especial “Protetora”.
Há também outras escolhas em menor número, como a popular “Uma Santa”; há os que vêem na senhora
um “Símbolo de Fé, Paz, Esperança,
Pureza, Felicidade”; outros consideram sobretudo seu poder de intercessão
junto a Deus, vendo nela a “Intercessora”.
Igualmente, houve o caso de meia dúzia de pessoas que não reconheciam nenhum
atributo especial na Senhora do Carmo: “É
uma Santa às outras”!
No grupo da procissão, temos esta
seqüência de escolhas: “Ela é tudo para
mim” vem em primeiro lugar, com 60; “Mãe
Nossa” vem em segundo, com 42; “Santa
Milagrosa, Poderosa” e “Símbolo de
Fé, Paz, União, Amor”, com 40; 35 pessoas a vêem sobretudo como “Proteção”, “Apoio”, enquanto 20 nela
enxergam a “Padroeira do Recife”; 19,
a “Mãe de Cristo”; e 15 a têm antes
de tudo como sua “Esperança”. Notamos
quase as mesmas expressões entre os dois grupos de entrevistas, dando-se
notável coincidência na linguagem com que o povo transmite seus símbolos
religiosos.
O
SINCRETISMO RELIGIOSO
A gente constatou, igualmente, como a
maioria utilizou as palavras correntes do uso religioso católico, erudito ou
popular. Inclusive a expressão saborosa “Minha
Madrinha” saiu uma vez. No entanto, uma parcela dos respondentes na
Basílica e na procissão criaram maneiras próprias de dizer o que a Senhora representa
para eles, não copiadas das expressões oficializadas ou convencionadas: “Patrimônio espiritual profundo”, “Criatura
que nos protege”, “Tudo depois de Cristo”, “Criatura apoio”, “Imagem de fé,
amor, carinho”, “A mulher mais compreensiva (dita por um homem...), “Figura que participa dos problemas do
povo”, “Perpetua as promessas de salvação”, “Coisa importante”, “Esperança em
dias melhores”, “Santa das Santas”, “Santa elegante” (expressão certamente
influenciada pelos cultos afro-brasileiros do Recife), “Coisa boa”, “Sentido da vida depois de Deus”, “Símbolo da Paz”,
“Alegria, apoio”, “Meu segundo Jesus”, “Verdade bíblica”, “O bom que existe em
cada um”, “Tudo que não tive”, “Luz”, “Um braço forte”, “Veículo de aproximação
para Deus”, “Exemplo de vida e fé”, “Importância indefinida” (queria dizer,
talvez, “indefinível”), “Primeira entre as mulheres”, “Esperança do
pobre num mundo melhor”.
Muitas frases primorosas encontramos aí,
algumas de forte e profundo conteúdo teológico. Não negamos a presença, também,
de respostas que denotam a mentalidade sincrética religiosa de boa parte do
nosso povo e até o processo de deificação dos santos católicos, como nas
expressões: “Ela é um Deus para mim” e
“Um segundo Deus para mim”. O brilho,
porém, de respostas tais como “Figura que
participa dos problemas do povo”, “Esperança do pobre num mundo melhor”,
“Perpetua as promessas de salvação” e outras, nos põe em contato com outra
realidade: o novo que está surgindo sob a forma de uma compreensão renovada da
vivência da fé cristã e dos símbolos religiosos católicos, numa parcela do povo
de Deus, fruto provável de uma pregação mais comprometida da fé e do testemunho
cristãos, e já em vias de assimilação por parte deste povo.
A
REPRESENTAÇÃO DE MÃE
A nosso ver, podemos classificar o
conjunto das quase 550 respostas em quatro categorias principais. Assim, pela
ordem das freqüências, temos em primeiro lugar as representações da Senhora do
Carmo como a MÃE do Cristo e nossa, Protetora,
Apoio, que faz milagres, usa o
seu Poder e intercede em favor dos
filhos, é considerada tudo para eles. São todas expressões ligadas à Proteção. Poderíamos dizer que os
entrevistados buscaram em Nossa Senhora do Carmo sobretudo Proteção, Carinho de Mãe. Não devemos, contudo, nos entusiasmar com
o termo “Tudo para mim”: pode
tratar-se, muitas vezes, de algo dito sob o calor das manifestações festivas da
devoção, ou para “se livrar” logo de um pesquisador importuno!
Em segundo lugar, temos as
representações da Senhora do Carmo como símbolo de valores religiosos
universais: fé, amor, esperança, paz e outros. São universais, porque, porque
todas as religiões os perseguem, os buscam.
Vem, em terceiro, o reconhecimento
popular do padroado de Nossa Senhora do Carmo sobre a cidade do Recife. E, por
último, isso que chamávamos de “o novo” que vem surgindo nas representações da
Senhora do Carmo nas cabeças de parcela dos devotos: as expressões que traem um
compreensão nova dos símbolos religiosos católicos, ligados aos enfoques da
Teologia da Libertação sobre as Verdades da Fé Cristã.
AS
CARÊNCIAS DO POVO
A procura de proteção brota de uma
situação de carência reconhecida pelo fiel. Esta carência deveria ser
preenchida através do processo de maturação humana, no qual a pessoa pode vir a
cuidar de si como o pai-e-mãe de si própria. Neste caso, a figura da mãe não
cria mais relação de dependência como na infância; porém, eu desenvolvo um
relacionamento afetivo o qual me deixa, no entanto, autônomo, senhor de mim
mesmo, frente a ela. No nosso povo devoto, as carências podem não ser apenas
afetivas – e não o são, de fato – mas, econômicas, de saúde, por solidão, de
justiça e outras, que a entrevista detectou numa pergunta especial sobre isto.
Por isso, a busca da proteção da Mãe do Céu fez-se premente em vista desta gama
de situações que a maioria não consegue resolver por si nem em conjunto, pois
lhes falta o sentido de organização comunitária para reivindicar, exigir seus
direitos.
Para a parcela da quarta categoria,
Maria, sem deixar de ser Mãe, é no entanto esta força dinâmica que puxa a
organização do povo para a frente, dá-lhe esperança na luta. E, envolvida com
os valores religiosos universais, a Senhora do Carmo entra a fazer parte,
simbolicamente, desta enorme corrente ecumênica que aspira por uma Humanidade
melhor, por uma Vida em plenitude, que valha mais à pena se vivida.
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