Sônia
Mota e Nelson Kilpp
Sônia
Mota é pastora presbiteriana (IPU) e Nelson Kilpp é pastor luterano (IECLB).
Ambos são colaboradores do CEBI. Sônia é coautora de Maria de todas nós e de
outros livros.
OLHANDO
O CONTEXTO
O
texto sobre o qual vamos refletir hoje faz parte do conhecido complexo que
trata da relação entre o pastor e o seu rebanho (Jo 10). Busca-se, nesse
capítulo, responder à questão: quais são os fundamentos da relação entre Jesus
e sua comunidade. O trecho em foco, João 10,27-30, nasce, como tantos outros, do
confronto entre Jesus e um grupo de judeus. Discute-se, aqui, como se pode
estabelecer uma relação autêntica e duradoura com Deus. Para alguns judeus, o
templo é a base desse relacionamento.
O
confronto se deu quando Jesus estava no templo por ocasião da Festa da
Dedicação ou da Purificação. Essa festa lembrava a purificação do Templo de
Jerusalém, na época dos macabeus, três anos após o altar do templo ter sido
profanado, ou seja, ter sido usado para oferecer sacrifícios ao Deus maior dos
gregos, Zeus. A festa representava, portanto, a expulsão dos elementos
estrangeiros do centro religioso da comunidade e a recuperação da identidade
judaica baseada na pureza ritual e no exclusivismo étnico e religioso.
O
templo era, sem dúvida, um dos mais
importantes elementos de agregação da comunidade judaica e, por isso, da
preservação da sua identidade. Mas essa identidade estava sendo ameaçada com as
afirmações que Jesus fazia sobre si, sobre Deus e sobre a natureza da relação
com Deus. Jesus propunha uma relação com Deus, na qual a fé e a confiança são
determinantes. Fé e confiança como base de uma relação de amizade sustentável
com Deus e entre as pessoas costumam dispensar normas de pureza e ritos
estipulados pela Lei. As pessoas que aderiam a essa proposta de Jesus passaram
a desconsiderar as tradicionais normas de vida estabelecidas pela centralidade
do templo. Isso podia ser entendido como ameaça à identidade de diversos grupos no judaísmo.
Nessa
controvérsia acerca dessas duas propostas de viver a fé, o evangelho de João
vai insistir que identidade e coesão da comunidade somente são possíveis em
torno do projeto e da pessoa de Jesus. A
pessoa de Jesus representa, no evangelho, essa nova maneira de construir a
relação com Deus baseada na confiança e na amizade e, assim, de criar uma nova
identidade que não mais depende das exigências de pureza do templo nem de
restrições étnicas e religiosas do judaísmo.
DEGUSTANDO O TEXTO
V.27
As minhas ovelhas conhecem a minha voz, eu as conheço, e elas me seguem. Conhecer e seguir: esses dois verbos indicam
a profundidade da relação entre Jesus e as pessoas que em torno dele se
congregam. Conhecer não é apenas algo racional e teórico, mas expressa uma
relação existencial, profunda, quase íntima. Conhecer Jesus significa ter
experimentado a presença do Deus que
liberta e dá vida plena. Conhecimento baseado na experiência: é isso que dá
segurança às pessoas e as impulsiona ao seguimento. Seguir a Jesus significa aderir a seus
ensinamentos e suas propostas e ser cúmplice de seu projeto. Aderir a essa proposta de relação de
confiança com Deus implica vivê-la. É, portanto, uma decisão pelo
discipulado.
V.
28 Eu lhes dou a vida eterna; jamais perecerão e ninguém as arrebatará da minha
mão. Em meio a um ambiente hostil, onde diversas vozes se levantavam para
destruir a comunidade que começa a se formar, a pessoa de Jesus oferece
segurança. As “ovelhas” ameaçadas pelos que querem dispersá-las podem ter a
certeza de que não irão ao “matadouro”, pois Jesus já as conquistou com a sua
vida para a eternidade. Sua promessa para quem ouvir sua voz e seguir sua
proposta é de vida eterna. Num ambiente hostil, a confiança e a fé tornam-se os
elementos aglutinadores para os seguidores de Jesus. Fé, confiança e vida
solidária dão as forças necessárias para a comunidade continuar
resistindo.
V.
29 Meu Pai, que me deu tudo, é maior que todos; e da mão do Pai ninguém pode
arrebatar. Todas as pessoas que estão
coesas e comprometidas em torno de Jesus podem ficar tranquilas e seguras, pois
é Ele quem nos protege contra a ameaça de cair em mãos inescrupulosas e
escravizadoras. A verdadeira comunidade que segue os princípios de Cristo não
poderá ser arrebatada ou destruída, porque
Deus é mais forte do que tudo e todos. Outra versão também é possível:
Aquilo que meu Pai me deu é maior do que tudo. Nesse caso, pensa-se normalmente
na autoridade concedida pelo Pai ao filho. Mas talvez seja possível pensar
também na comunidade como o maior bem que Jesus recebeu de Deus. Esse bem
precioso ficará bem guardado sob a proteção de Deus.
V.
30 Eu e o Pai somos um. Esta é a
afirmação que causa grande escândalo entre os judeus e que faz do cristianismo
uma fé singular: é na humanidade de Jesus de Nazaré que encontramos Deus em sua concretude e
humildade. É na vida, nos ensinamentos, nas ações, no comportamento, na paixão,
na morte e na ressurreição de Jesus que Deus se revela aos seres humanos. Em e
através de Jesus, Deus se fez presente e
se revelou a toda humanidade. Na comunhão dos que buscam uma vida que se
assenta na confiança em Deus e na solidariedade entre as pessoas, ele continua
a manifestar-se ainda hoje.
AMPLIANDO A MENSAGEM
Ouvir,
conhecer, confiar e seguir são atitudes fundamentais para o discipulado. Jesus não é um senhor de escravos, que
domina, coloca o cabresto ou prende suas “ovelhas” dentro do curral. Em sua
vida mostrou-se como quem está a serviço dos que o seguem, que se interessa
pelo bem estar de suas ovelhas, que caminha junto com elas e as conduz em e
para a liberdade. A sua relação com as pessoas
está baseada na confiança e não
na troca de favores ou na manipulação de
pessoas em benefício próprio. Em Jesus, o Deus da vida, da misericórdia e da
justiça se manifesta e nos convida a segui-lo.
A
metáfora das ovelhas representa a vivência coletiva, já que elas não andam
sozinhas, mas em grupo. A imagem nos desperta para olharmos para o outro e para
a outra. Ela nos convida a romper com o individualismo que nos escraviza. Ela
nos chama para a atuação em comunidade, estabelecendo relações de
familiaridade, solidariedade e serviço.
Crer
é aderir à proposta de Cristo. Isso implica seguimento e compromisso. Talvez a nossa decisão pelo projeto de Jesus
possa redundar em conflitos com mentes prontas e tradições estruturadas. Mas
para essas pessoas existe a promessa de que não serão afastadas da comunhão com
Deus porque estão guardadas em suas mãos.
Fonte:
http://www.cebi.org.br
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