Sexta-
feira da Paixão no Complexo do Alemão
"A
indiferença com que as mortes em favela são recebidas pela mídia e pela
população não favelada é reveladora do quanto é profundo o preconceito da
sociedade carioca para com as favelas. Uma breve olhada nas cartas de leitores
dos grandes jornais e um passeio pelas redes sociais, deixa claro porque o
Estado pratica a pena de morte nas favelas e nada acontece, nem mesmo perdem
votos: a vida na favela vale menos". O comentário é de Itamar Silva,
jornalista, liderança comunitária da favela Santa Marta e
diretor do Ibase em artigo publicado por Canal Ibase, 07-04-2015.
Eis o artigo.
Sempre, a última
morte violenta ocorrida na favela parece ser a gota d’água e ponto de inflexão
na perspectiva de mudanças desejadas, há décadas, pelos cidadãos e cidadãs que
vivem nas favelas. Mas, após uma semana, nada muda. É impressionante como a
desgraça reiterada turva e encobre o sofrimento do dia anterior. A chaga da vez
foi aberta no peito e na vida de Terezinha Maria de Jesus. Um dia antes da morte e
paixão de Cristo, quinta-feira,Terezinha viu
seu menino perder a vida da maneira mais estúpida e covarde possível.
Sexta-feira
Santa, Terezinha Maria de Jesus contempla
seu filho, Eduardo
de Jesus Ferreira, dez anos, baleado na cabeça com um tiro
disparado pela polícia pacificadora que atua no Complexo do Alemão. O menino
foi alvejado porque estava em lugar suspeito (próximo a sua casa, na favela) e
portava uma perigosa arma na pequena mão: um celular.
Não
há dúvida: tiro na cabeça é execução sumária.
Mas a polícia
‘pacificadora’ certamente argumentará que aquele menino, portando um celular na
mão, naquele momento de tensão, naquele lugar suspeito, representava uma ameaça
às suas vidas e, portanto, tiveram que se defender. Julgaram e sentenciaram,
atiraram para matar.
Pena
de morte: tiro na cabeça de uma criança de dez anos.
A mesma
justificativa não pode ser dada para a morte da dona de casa Elisabeth Alves Moura Francisco,
de 41 anos, atingida na boca, dentro de casa, também no Complexo do Alemão. Um
“confronto entre policiais e suspeitos de tráfico” tira a vida desta dona de
casa e ainda atinge sua filha de 16 anos, no braço. Elisabeth não
teve a oportunidade de ver nem mesmo o vulto de seus algozes. Mas, talvez, os
policiais podem ter visto algum instrumento perigoso em suas mãos: uma faca de
cozinha. Um pente ou quem sabe o quê mais…
A morte por
balas ditas perdidas e as justificativas desmedidas da polícia não são
novidades para quem vive na favela.Tampouco a anuência da maioria da população,
por omissão ou ação, e o discurso vazio dos responsáveis pela segurança pública
no Estado.No entanto, os últimos acontecimentos no Complexo do Alemão têm
superado a realidade já vivida e revelado a inconsistência e fragilidade da
política de segurança pública do Estado, alardeada de pacificadora.
Agora o Estado
fala em reocupar o Complexo do Alemão: o que significa isso? A volta do
exército? A presença permanente do BOPE? O reconhecimento do fracasso da estratégia
da UPP para
aquele território? Se fracassou a polícia ‘pacificadora’, a alternativa é o
reforço da lógica da guerra?
A indiferença
com que as mortes em favela são recebidas pela mídia e pela população não
favelada é reveladora do quanto é profundo o preconceito da sociedade carioca
para com as favelas. Uma breve olhada nas cartas de leitores dos grandes
jornais e um passeio pelas redes sociais, deixa claro porque o Estado pratica a
pena de morte nas favelas e nada acontece, nem mesmo perdem votos: a vida na favela
vale menos.
No mesmo dia do
assassinato do menino Eduardo, no
Complexo do Alemão, os noticiários da televisão levavam a exaustão os detalhes
e desdobramentos da morte do jovem de 31 anos, filho do governador de São Paulo, Geraldo Alckmin. A procura pelos culpados do
acidente com o helicóptero importava muito e era motivo de auditorias, opinião
de especialistas e muita comoção. A morte do jovem Thomaz Alckmin foi
a pauta de dois dias seguidos nos telejornais. A morte do menino Eduardo ficou
no limpo do discurso recorrente: a polícia está investigando….
Nesse ambiente,
o protesto/revolta dos moradores do Complexo do Alemão é reprimido com
truculência pela polícia: spray de pimenta foi asperjado com abundância e muito
rapidamente a polícia associou o protesto a uma reação do tráfico. Como de
praxe, a imediata desqualificação do direito de lutar por direitos e defesa da
vida. Enquanto isso,o governador do Estado, responsável pela polícia que
assassinou o menino, declara: “não vamos arredar o pé do combate ao crime” e
mais adiante informa que o Estado se responsabilizará pelo translado do corpo
do menino para o Piauí, para onde os pais estão voltando, em busca de um alento
para suas vidas.
Ate quando?
Também esta pergunta já virou um mantra, no entanto, é necessário que os
favelados tomem as rédeas de um processo continuado de resistência e a luta.
Não dá para esperar que essa iniciativa surja da classe média, essa é uma
tarefa de quem vive cotidiana e historicamente um processos de rejeição e
desrespeito. Hoje é o Complexo do Alemão,
amanhã quem será? Fonte: http://www.ihu.unisinos.br
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